Discos eternos – The Doors (1967)

The Doors---Raise-my-rentblogspotcomRIO DE JANEIRO – O disco retratado na seção “Discos Eternos” não é o que propriamente pode se chamar de um disco de rock and roll para iniciados.

Eu mesmo tardei a ouvir The Doors – até porque não era um dos grupos prediletos do meu pai, que influenciou em algumas das minhas escolhas roqueiras. Foi lá por 1990/1991, quando o filme dirigido por Oliver Stone estourou nas bilheterias, com Val Kilmer possuído e incorporando Jim Morrison, numa marcante atuação do ator hoje sumido da telona.

Pois bem: comprei o vinil da trilha sonora na saudosa loja Breno Rossi, no Shopping Rio Sul, e ouvi de uma mulher o seguinte comentário: “Bastou sair o filme e lá vai alguém comprar a trilha sonora.”

Ora… não se pode conhecer um grupo de outra forma, quando se lança um filme a respeito e não conhecemos sua obra, concordam? E fiquei chapado (no sentido amplo da palavra) com o que ouvi naquele vinil, de “Break on Through” a “The End”.

A história dos Doors é bastante singular. O grupo surgiu propriamente em 1965, quando Jim Morrison era apenas um estudante do curso de cinema da Universidade da Califórnia (UCLA) e tinha Ray Manzarek como colega de classe. Jim era poeta, tinha cadernos e resmas cheias de versos e Ray, seis anos mais velho, achou que aquilo podia dar pé com música. Na praia de Venice Beach, veio o estalo: após recitar “Moonlight drive” – que entraria no disco Strange Days, feito no fim de 1967, para Manzarek, este finalmente achou que a melhor saída para abandonar a faculdade era entrar de cabeça na música.

Jim já tinha um nome para o grupo, que quase se chamou Dionisio, evocando Baco, o Deus do vinho. The Doors foi um nome que ele sempre associou ao livro de Aldous Huxley, “The Doors of Perception”. Na época, ele já tinha viajado algumas vezes de ácido.

Isto posto, os dois chegaram a Robbie Krieger, guitarrista que tinha influências de música latina, em particular o flamenco; e também a John Densmore, baterista e percussionista de jazz. Os ensaios começaram e a química logo existiu entre as letras densas de Morrison e os instrumentais bem-sacados do grupo.

Pra começar, eles tinham um pequeno um problema: sem conseguir qualquer baixista para tocar com o grupo, coube a Manzarek reproduzir as linhas de baixo num Fender Bass Keyboard. E com a outra mão, ele “pilotava” o teclado que virou marca registrada dos Doors e que é chamado – até hoje – por muitos como órgão de churrascaria.

Eles faziam concorridíssimos shows em Los Angeles e num deles, no Whisky A Go-Go, no começo de 1966, Morrison quase pôs tudo a perder: alucinado no palco, fez uma encenação em “The End” que desagradou profundamente o proprietário da boate – que os demitiu. Mas nessa mesma noite, a sorte estava ao lado deles, pois Jac Holzman, presidente da Elektra Records, assistia ao show e consigo estava o produtor Paul A. Rothchilid, que ficou surpreso e maravilhado com o que viu.

“Vocês são Bertold Brecht, cabaré e rock and roll”, teria dito Rothchild ao grupo, oferecendo a eles um contrato, que foi rapidamente assinado para a produção do primeiro LP.

E ele tinha razão. A linguagem teatral de Morrison no palco cativava os espectadores e, isto posto, poderia levar a banda a voos ainda mais altos – se a personalidade autodestrutiva do vocalista não pusesse tudo a perder, como foi o que de fato aconteceu pelos anos seguintes.

O disco abre com a poderosa “Break on Through”, descrita por John Densmore em seu livro Riders on the storm como uma bossa nova acelerada. De fato, a levada inicial remete ao estilo musical brasileiro celebrado nos EUA como uma grande novidade naqueles tempos. “Tom Jobim foi uma enorme influência nesta faixa”, confessou o baterista.

O estilo sombrio das letras de Morrison se faz presente em faixas como “The Crystal Ship”, passando por “End of the night” até terminar com o epílogo incestuoso de “The End”, à época um épico do rock and roll.

Eles não se furtam em flertar com diferentes estilos musicais, fazendo rock-cabaré com “Alabama Song” (não por acaso uma composição de Bertold Brecht e Kurt Weil) e blues de raiz como “Back Door Man”, de Willie James Dixon e Chester Burnett.

Mas a mais marcante entre todas as 11 faixas do disco de estréia é “Light My Fire”. Escrita por Robbie Krieger e creditada como uma criação coletiva dos quatro integrantes dos Doors, a canção foi a mais reinterpretada da história da banda, uma grande ode ao desejo sexual e que criou polêmica quando a banda participou do Ed Sullivan Show, na CBS, em 1967.

Um produtor da emissora entrou no camarim com a ordem expressa para Jim Morrison não cantar o trecho “girl you couldn’t get much higher”, porque achavam que isto remetia a viagens de ácido – o que de repente podia ser verdade. “Sugeriram” uma adaptação da letra e o grupo “aceitou”. Mas quando foram cantar a música, ao vivo, em rede nacional, não mexeram numa linha da letra.

Ao fim do pocket show, o produtor invadiu o camarim em altos brados. “Seus filhos da puta! Vocês não cantam nunca mais no Ed Sullivan Show!”

No que Jim, com a ironia que lhe era peculiar, rebateu na medalhinha. “Nós acabamos de cantar no Ed Sullivan Show. Por que haveremos de voltar?”

De fato, The Doors não precisariam mais de programas de televisão para mostrar que eram grandes. Afinal, a imprensa estadunidense já os colocava no mesmo patamar dos Beatles e dos Rolling Stones no olimpo do rock. Mas lamentavelmente daí pra diante, faltou uma coisa essencial a Jim Morrison:

Juízo.

Ficha técnica de The Doors
Selo: Elektra
Produção: Paul A. Rotchild
Gravado em Los Angeles em agosto de 1966
Tempo total das faixas: 43’25”

Músicas:

1. Break on Through (To the other side) (The Doors)
2. Soul Kitchen (The Doors)
3. The Crystal Ship (The Doors)
4. Twentieth Century Fox (The Doors)
5. Alabama Song (Whisky Bar) (Brecht-Weil)
6. Light My Fire (The Doors)
7. Back Door Man (Dixon-Burnett)
8. I Looked At You (The Doors)
9. End of The Night (The Doors)
10. Take As It Comes (The Doors)
11. The End (The Doors)

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