Saudosas pequenas – Surtees, parte III

RIO DE JANEIRO – No fim do ano de 1972, o Team Surtees anunciou a chegada do seu novo recruta: o brasileiro José Carlos Pace foi contratado para disputar a Fórmula 1 e também algumas provas de F-2. Ele estreou na equipe com um 2º lugar na World Championship Victory Race, corrida extracampeonato realizada no dia 22 de outubro daquele ano em homenagem a Emerson Fittipaldi, com um 2º lugar ainda a bordo do Surtees TS9B. E ainda competiu no Torneio Sul-Americano de Fórmula 2 com o novíssimo TS15 com motor Ford de bloco de alumínio, preparado por Brian Hart, como uma avant-première da temporada de 1973.

O TS14 que estreou em F-1 no GP da Itália seria pilotado por Moco e Mike “The Bike” Hailwood em todas as corridas do campeonato. Os dois não começaram bem a temporada: no GP da Argentina, Hailwood teve problemas de transmissão e Pace, de suspensão.

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Luiz Pereira Bueno chegou em 12º no GP do Brasil de 1973 com um Surtees TS9B

Em Interlagos, a equipe alugou um terceiro carro, um velho TS9B, para Luiz Pereira Bueno fazer sua estreia oficial na categoria máxima. Aos 37 anos, o querido e inesquecível “Peroba” fez o que lhe era possível, terminando em 12º lugar. Moco ainda passou a primeira volta em segundo, atrás de Emerson Fittipaldi, então campeão do mundo e pole position (imaginem a cena em Interlagos…), mas depois outra quebra de suspensão o tirou da corrida. Hailwood desistiu com o câmbio quebrado.

No GP da África do Sul, onde outro velho TS9B apareceu, desta vez com Andrea De Adamich, os dois pilotos titulares bateram e o italiano ainda chegou em oitavo. Moco teve problemas de freios que causaram sua saída da corrida a dez voltas do fim. O acidente de Hailwood foi com a BRM de Clay Regazzoni, que explodiu em chamas. O piloto da Surtees tentou tirar o suíço, que estava preso dentro de seu carro e por seu ato de coragem, ganhou uma medalha de bravura (e algumas queimaduras, também).

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José Carlos Pace fez uma grande largada no GP da Bélgica em Zolder; mas seu carro – como na maioria das corridas – quebrou

Os problemas com os TS14 se sucediam. Em Barcelona, no GP da Espanha, Moco desistiu com problemas de transmissão e Mike teve um vazamento de óleo em seu carro. Na Bélgica e em Mônaco, finalmente pelo menos um dos carros do time viu a quadriculada: Moco em oitavo na Bélgica e Hailwood na mesma colocação em Mônaco.

Em Anderstorp, Pace foi 10º, mas a temporada de Hailwood era uma via-crúcis, com um abandono atrás do outro. O brasileiro foi 13º na França, mas não chegou ao fim, porque seu carro pegou fogo. No GP da Inglaterra, onde o time inscreveu um terceiro TS14 para Jochen Mass, piloto da Surtees na Fórmula 2, os três carros foram destruídos no acidente da curva Woodcote provocado por Jody Scheckter – e nenhum dos pilotos voltou para a segunda largada.

O ano de 1973 apontava como “perdido” no horizonte do Team Surtees, mas José Carlos Pace começou a pôr as manguinhas de fora. Chegou em 7º no GP da Holanda e na corrida seguinte, no desafiador circuito de Nürburgring, conseguiu uma façanha: chegou em quarto e bateu o recorde da pista, que pertencia a Jacky Ickx. O belga, aliás, ensinara o brasileiro a se guiar pelas sombras das árvores em alguns trechos da pista. Parece que Moco aprendeu a lição muito bem…

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Moco deu show nas provas da Alemanha e Áustria: um pódio e dois recordes de volta

E no GP da Áustria, nova surpresa. Com direito a outro recorde de volta, em 1’37″29, Moco conseguiu seu primeiro pódio na Fórmula 1. O motor do Surtees TS14 quebrou logo depois da quadriculada… uma hora a sorte tinha que virar para o lado do brasileiro, não é mesmo?

Nas corridas finais, a volta à velha rotina. Poucos resultados, muitos abandonos e contínuos problemas de suspensão que, prometia John Surtees a Moco, seriam “solucionados” para a disputa do campeonato de 1974, para o qual o brasileiro renovou o compromisso com a equipe. Um grave erro, como se verá.

Uma “evolução” do TS14, o TS16 foi de novo projetado por John Surtees para receber o motor Ford Cosworth e os já inoperantes pneus Firestone, cujo desempenho não fazia cosquinha nos carros equipados com Goodyear. O alemão Jochen Mass foi promovido a titular, com a saída de Mike “The Bike”, que foi guiar uma Yardley McLaren M23, e dividiria a equipe com Moco ao longo do campeonato.

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Última alegria com o TS16: o 4º lugar no GP do Brasil; depois a relação piloto-equipe se deterioraria e Moco sairia da Surtees

Após um GP da Argentina complicado, com dupla quebra de motor nos TS16, Pace brilhou no GP do Brasil e chegou em quarto. Mal o piloto sabia que seria seu único resultado positivo pela equipe naquele ano. Se bem que a ilusão foi grande após o 2º lugar no grid do GP da África do Sul e a conquista de uma primeira fila inédita para o Team Surtees. Mas com um motor fraquíssimo e problemas de escalonamento de marcha, o brasileiro terminou a disputa em décimo-primeiro. Mass se envolveu numa múltipla colisão após a largada e abandonou.

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Jochen Mass também foi vítima da falta de confiabilidade do TS16

Na Espanha, numa prova que começou com pista muito molhada e depois secou, Pace salvou o dia do time com um modesto 13º lugar. Mas os resultados não vinham, as promessas de John Surtees não cessavam e Moco estava no limite da paciência com o patrão. Após mais um fracasso no GP da Suécia, onde não passou da 24ª posição do grid, Pace não escondia seu desapontamento: Surtees ignorara a situação precária do time, preferindo acompanhar uma prova de Fórmula 2 sem muita importância, na Alemanha.

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Após o GP da Alemanha, Mass deixou a equipe

Em Zandvoort, no GP da Holanda, Pace já não fazia mais parte do time e na corrida seguinte, foi substituído por José Dolhem, que não se qualificou em Dijon-Prenois para o GP da França. Pace, também não, mas a transferência do brasileiro para a Brabham não tardaria a se revelar um belo acerto.

Derek Bell foi chamado para correr no #18 em Brands Hatch e também não conseguiu se qualificar. Mass chegou em 14º no GP da Inglaterra e Moco, estreando pela Brabham, foi oitavo. Afinal de contas, quem tinha problemas? O piloto, como Surtees alegava, ou o carro, como Moco afirmava que tinha? Parece que a segunda opção era a mais adequada.

Mesmo após andar em quarto no circuito ‘caseiro’, em Nürburgring, Mass também perdeu a paciência com o time e pediu o boné. Derek Bell ainda conseguiu o 11º lugar no GP da Alemanha, mas não se classificaria para mais nenhuma corrida até o Canadá.

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Dieter Quester arrumou um TS16 para sua primeira – e única – corrida de F1; terminou em 9º no GP da Áustria

O Team Surtees ainda ofereceu um terceiro carro para Dieter Quester fazer sua estreia no GP da Áustria. Mesmo saindo de último, o piloto local conseguiu a nona posição, que seria o melhor resultado do TS16 na segunda metade do campeonato. Após dar uma chance a Jean-Pierre Jabouille e uma nova oportunidade a José Dolhem, John Surtees apostou suas fichas no novato austríaco Helmuth Koinigg, de 25 anos, que vinha credenciado por ótimas campanhas na Fórmula Super Vê europeia.

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O novato Helmut Koinigg, instantes antes de perder a vida durante o GP dos EUA em Watkins Glen, 1974

Mesmo com pouca experiência, na perigosa pista de Mosport ele conseguiu o 22º lugar no grid, enquanto Bell fracassava no treino classificatório. Koinigg fez uma bela corrida dentro das circunstâncias e terminou em décimo, resultado que o credenciou a uma nova chance pelo time na última corrida do ano de 1974 – o GP dos EUA, em Watkins Glen.

Após largar em vigésimo-terceiro entre 27 pilotos, Koinigg vinha em vigésimo-primeiro na altura da 10ª volta, quando algo se quebrou no TS16 e ele bateu. O guard-rail não tinha a estrutura adequada para a absorção do impacto e cedeu. O Surtees de Koinigg, na verdade, entrou por debaixo dele. E o piloto acabou degolado. Morte instantânea. A imagem está aqui. E é muito forte.

Um fim de temporada nebuloso, no pior ano do Team Surtees em toda sua trajetória na Fórmula 1.

Amanhã, um resumo do time nas temporadas de 1975 e 1976.

Comentários

  • Watkins Glen cobrou um preço muito alto no biênio 73/74. . .
    Uma certeza e uma promessa foram perdidas em acidentes muito semelhantes. . .
    Zé Maria

  • Aliás até havia uma dúvida sobre o filme “Rush” que terá a imagem de pelo menos um acidente fatal, mas não se sabe se será o do Koinigg ou o do Cevert, porque tem uma cabeça caída que apareceu nas filmagens, mas aparece o aerofólio da Tyrrell, sendo que quem foi decapitado foi o austríaco.

      • A forma como morreu o Cèvert, ainda hoje, é motivo de controvérsia, pq embora a causa morte oficial seja que ele foi degolado, já li em vários lugares que, como o carro se arrastou por vários metros no guard rail, que teria suas lâminas mal fixadas, seu corpo teria sido simplesmente fatiado, e a degolação seria mais um dos diversos ferimentos fatais que o corpo (ou o que sobrou dele) apresentava.

  • Só faltou colocar aquela história da bronca que o Surtess deu num mecanico que ajustou um triangulo da suspensão do Carro do Luiz Pereira Bueno de maneira errada.