Outsiders: Vittorio Brambilla, o Gorila de Monza

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Vittorio Brambilla (1937-2001)

RIO DE JANEIRO – Após a série das Saudosas Pequenas, o blog começa uma nova seção para lembrar de pilotos que passaram pelo automobilismo e foram personagens folclóricos e com histórias que ficaram marcadas para sempre. Entram em cena os outsiders. E nada melhor do que começar com um piloto que pintou o diabo na categoria máxima: Vittorio Brambilla.

Nascido em 11 de novembro de 1937 em Monza, próximo a Milão, Brambilla tinha o circuito italiano como seu quintal de casa. Seu primeiro interesse foram as motocicletas: o irmão de Vittorio, Ernesto “Tino” Brambilla, três anos mais velho, correu no Mundial de Motovelocidade no fim dos anos 50 e 60. No fim da década de 50, o Brambilla mais novo venceu o campeonato italiano da classe 175cc em 1958. “Tino” foi 10º colocado no Mundial da classe 350cc nos anos de 1959 e 1961. Depois da primeira experiência em duas rodas, Vittorio virou mecânico, cuidando de karts e motocicletas.

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Nos tempos de Fórmula 3, o Gorila de Monza teve como rivais futuros adversários na F-1, como o sueco Ronnie Peterson, à frente do italiano, a bordo do carro #69

No fim dos anos 60, já passado dos trinta, Brambilla resolveu retornar às pistas. Estreou na Fórmula 3 italiana em 1968 e foi campeão da categoria em 1972, a bordo de um Tecno. Antes disso, ele já participava de corridas da Fórmula 2, fomentando seu caminho para a Fórmula 1, onde desejava competir. Por seu estilo aguerrido, por vezes tosco e grosseiro, além do jeitão desleixado de mecânico, típico de machão, despejando torrentes de expressões chulas nos boxes Europa afora, Brambilla passou a ser conhecido pelo singelo apelido de “Gorila de Monza”.

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Em família: na F-2, correu ao lado do irmão Tino Brambilla, à esquerda na foto

Em 1973, apareceu pela primeira vez com uma de suas marcas registradas: um carro totalmente alaranjado, com o patrocínio das Ferramentas Beta. Brambilla disputou o Europeu de Fórmula 2 com um March 732 de motor BMW, dividindo a equipe com o irmão Ernesto. De um total de 17 corridas válidas pelo certame, venceu duas, em Salzburgring, na Áustria e em Albi, na França. Fez também duas pole positions e uma volta mais rápida, além de somar seis pódios.

Acabou o ano em 4º lugar com 35 pontos, atrás de Jean-Pierre Jarier, num STP March 732 BMW oficial de fábrica, do alemão Jochen Mass, com um Surtees TS15 Ford BDA e de Patrick Depailler, que competia no Elf Alpine Ford BDA do time de John Coombs. Ao fim do ano, todos os quatro tinham a graduação para guiar na Fórmula 1 numa temporada completa.

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Aos 37 anos, Brambilla estreou na Fórmula 1

A estreia de Brambilla na categoria máxima do automobilismo foi no GP da África do Sul, em Kyalami, no dia 30 de março de 1974. Substituindo James Howden Ganley, que competira em Buenos Aires e Interlagos, o italiano largou em 19º e chegou na décima colocação.

Vittorio não demorou muito para se estabelecer como o piloto mais rápido da March Engineering, a despeito do bom começo de temporada do alemão Hans-Joachim Stuck, treze anos mais jovem que ele. O Gorila de Monza engoliu o austro-alemão na segunda metade da temporada e quase marcou seus primeiros pontos no GP da Suécia, em Anderstorp. Vinha na 5ª posição, no encalço do brasileiro Emerson Fittipaldi, quando seu carro quebrou sem aviso prévio. Na raça, Vittorio empurrou o March 741 à base do muque, para terminar a corrida em décimo.

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Logo na primeira temporada, fez um ponto com o 6º lugar no GP da Áustria

No GP da Áustria, em Zeltweg, a despeito do forte calor que fazia naquele dia, tudo deu certo para o italiano. Mesmo largando em vigésimo, conseguiu a sexta posição e o seu primeiro ponto na Fórmula 1. Acabou o campeonato de pilotos em 18º lugar, empatado com o também novato Tom Pryce e com ninguém menos que Graham Hill.

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Brambilla à frente de Gijs Van Lennep em Zandvoort

Em 1975, a March, que no começo de sua aventura na Fórmula 1 assustara graças principalmente ao fato de Ken Tyrrell ter comprado os carros projetados por Robin Herd, trazia Brambilla ao lado de Lella Lombardi, uma italiana atarracada de 1,63 metro de estatura, feições pouco femininas e que guiara caminhões antes de ser piloto de competição. Brambilla, como bom machão latino, tratou de pôr “ordem na casa” e logo mostrou quem mandava ali na March Engineering: ele mesmo, é claro.

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Lella e Brambilla: o ‘machão’ se impõs diante da representante do outrora ‘sexo frágil’

Reza a lenda que, insatisfeita com o rendimento do seu March 751, Lella teria pedido a Max Mosley para trocar de carro com Brambilla durante um teste. O dirigente aceitou o pedido da italiana e o “mimimi” se dissipou quando Vittorio enfiou, no carro de Lella, três segundos em relação ao tempo que ela marcara a bordo do bólido do companheiro de time.

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Um espanto: Brambilla supera a Ferrari de Lauda e assume a liderança do GP da Bélgica de 1975

Enquanto Lombardi sobrevivia ao GP da Espanha marcando meio pontinho no Mundial de Pilotos, Brambilla barbarizava e o March 751 alaranjado número #9 virou o terror de muita gente. Emerson Fittipaldi, por ocasião do GP da Bélgica, brincou com o jeito tosco do italiano ao conduzir seu carro e, como todo mundo, deve ter ficado surpreso quando o italiano liderou por duas voltas após sair de um espantoso 3º posto no grid. Brambilla sustentou-se em terceiro até a 48ª volta, quando os freios foram até a tábua e ele foi obrigado a desistir.

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Brambilla comanda o grid do GP da Suécia, em Anderstorp

As façanhas do italiano não se limitaram a Zolder. Em Anderstorp, por ocasião do GP da Suécia, Brambilla conquistou uma histórica pole position em sua 18ª corrida de Fórmula 1, batendo a Tyrrell de Patrick Depailler, dominante na qualificação da corrida realizada no ano anterior, por 0″380. Brambilla liderou as primeiras quinze voltas e permaneceu em posição de pódio até a 18ª volta, quando seu carro começou a apresentar problemas de transmissão. Atrasou-se e desistiu na 36ª passagem.

Mas o grande momento dele na Fórmula 1 ainda estaria por acontecer. Em 17 de agosto, na 12ª etapa do campeonato, o GP da Áustria em Zeltweg, Niki Lauda poderia ser campeão por antecipação. Bastava terminar entre os seis primeiros e a festa do piloto da Ferrari seria em casa, com toda justiça. Só que choveu muito naquele domingo e Brambilla, oitavo do grid, veio com determinação de sobra para vencer. E conseguiu.

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O bico destruído não impediu a alegria espontânea do Gorila de Monza pela vitória no GP da Áustria de 1975, em Zeltweg

Na 19ª volta, após superar Lauda quatro passagens antes, o italiano deixou para trás o Hesketh do britânico James Hunt e seguiu na ponta até a 30ª passagem, quando a direção de prova exibiu bandeira vermelha e a quadriculada, encerrando a corrida antes das 54 voltas previstas. Brambilla não se conteve: emocionado pela primeira vitória, perdeu o controle do carro e, bem ao seu estilo, destruiu o bico do March 751. Aos 37 anos, o italiano vencia pela primeira vez uma corrida de Fórmula 1.

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Numa das muitas saídas de pista que sofreu, já em 1976. Ao longo da carreira, foram dezesseis acidentes em 74 corridas de Fórmula 1

Com 6,5 pontos somados, Brambilla acabou o Mundial de Pilotos de 1975 na 11ª posição e muito se esperava dele na temporada seguinte. Só que o ano do Gorila de Monza a bordo do March 761 reservou poucos bons momentos – e  justamente nas duas corridas extracampeonato: foi 4º colocado na Corrida dos Campeões, disputada em Brands Hatch e segundo no Troféu Internacional Daily Express, realizado em Silverstone. Num ano onde a March voltou a vencer graças ao talento e a garra do sueco Ronnie Peterson, em Monza, Brambilla pouco brilhou. Bateu quatro vezes nas 16 corridas de 1976 e só conseguiu um ponto, com a 6ª posição no GP da Holanda, em Zandvoort.

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“Patrocínio de preservativo no meu carro? Nem pensar!”, teria dito Brambilla a John Surtees

Acertou com a Surtees para competir a partir de 1977, com um contrato de dois anos com a equipe de “Big” John, o grande campeão do motociclismo e do automobilismo. Mas logo Brambilla se envolveria numa polêmica bem ao seu estilo: a equipe Surtees teria a partir daquele ano o patrocínio da Durex, uma marca de preservativos. Católico praticante, Brambilla levou a sério o papo da igreja, que é contrária a contraceptivos do gênero. E anunciou que não sentaria num carro patrocinado por uma camisinha. John Surtees cedeu ao apelo do seu contratado e retirou do TS19 número #19 os logotipos da Durex.

Apesar da velha propensão a acidentes, Brambilla conseguiu alguns bons momentos com o carro do time britânico. Novamente em Zolder e, tal qual na vitória da Áustria, debaixo de chuva, o Gorila de Monza voltou a liderar uma corrida, por quatro voltas. E ele ainda foi o piloto mais rápido em condições extremas. O resultado foi um excelente 4º lugar, atrás de Gunnar Nilsson, Niki Lauda e Ronnie Peterson.

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“Preju” para o patrão John Surtees no GP dos EUA de 1977, em Watkins Glen

Na segunda metade do campeonato, colecionou mais acidentes – foram cinco ao longo do ano – e somou pontos mais duas vezes: 5º colocado na Alemanha e sexto no Canadá, mesmo batendo na última volta. Outra corrida onde poderia ter pontuado – e acidentou-se – foi na Holanda, onde mesmo saindo de 22º era o quinto, à frente de Emerson Fittipaldi, quando estoporou seu carro fora da pista na 67ª volta.

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Campeão mundial de Carros Esporte com a Alfa Romeo em 1977

Também no ano de 1977, Vittorio mostrou sua versatilidade, disputando o Campeonato Mundial de Carros Esporte a bordo de uma Alfa Romeo 33SC12. Venceu em Monza, Vallelunga, Imola e Salzburgring, ajudando a marca milanesa a ser campeã mundial novamente, com oito vitórias ao longo do ano.

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A bordo do Surtees TS20 em Zolder, 1978

Em 1978, seguiu com Surtees e voltou a correr num carro pintado de laranja. Mas o ano de Brambilla e da equipe do velho John não foi dos melhores, onde só se salvaria um 6º lugar na Áustria, de novo sob chuva. O italiano pegou as rebarbas do grave acidente que causaria a morte do sueco Ronnie Peterson e um pneu que se desprendeu de outro carro bateu em seu capacete. Com traumatismo craniano, Brambilla ficou em coma por vários dias num hospital e sua temporada acabou ali, bem como o contrato com o Team Surtees, que não voltaria à categoria para o Mundial de 1979.

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Num teste com a Alfa Romeo 177

Já com 42 anos de idade, o Gorila de Monza assinou um contrato após se recuperar do trauma e do coma, com a Alfa Romeo. A turma da Autodelta o chamou para ajudar a desenvolver o primeiro carro da marca de Milão para a Fórmula 1 desde 1951. Fez duas aparições em 1979, a primeira com o modelo 177 e a segunda no novo 179, que correria a temporada seguinte: conquistou um 12º lugar em Monza.

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Aos 43 anos, uma de suas últimas corridas, no GP da Holanda de 1980

Brambilla foi mantido para 1980, como piloto de testes e reserva de Bruno Giacomelli e Patrick Depailler, que sofrera um acidente de asa delta após vencer o GP da Espanha pela Ligier, fraturando ambas as pernas. Temia-se que o francês não tivesse mais condições físicas de guiar um F-1 e por isso mesmo o italiano permaneceu sob contrato. Além disso, a Alfa Romeo tinha pretensões de iniciar o desenvolvimento de um motor turbo e Brambilla seria um dos pilotos de teste.

O carro com motor V-12 tinha potencial e estava melhorando a olhos vistos, quando Depailler morreu em decorrência de um grave acidente em testes particulares realizados em Hockenheim, no dia 1º de agosto.

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Last, but not least: o acidente sofrido em Imola, na última corrida do Gorila de Monza

A Autodelta escalou Brambilla para os GPs da Holanda e Itália, mas as duas corridas do velho Gorila de Monza acabaram em acidentes. Aos 43 anos, ele deu adeus à Fórmula 1, sendo substituído para as duas corridas finais por um herdeiro direto de seu folclore e espalhafato na condução de um carro de corrida: Andrea De Cesaris.

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Troféu: até o fim da vida, Brambilla conservou na oficina mecânica que possuía o bico destruído do March 751 de sua única vitória na Fórmula 1

Aposentado, Brambilla seguiu a vida como dono de oficina mecânica. Na parede de seu local de trabalho, um troféu que guardou até o fim de seus dias: o bico destruído do March 751 com que venceu sua única corrida de Fórmula 1, categoria onde correu por 74 oportunidades, marcando 15,5 pontos e abandonando em 41 Grandes Prêmios. Vittorio liderou também por 32 voltas, somando 151 km na ponta e um total de 14.113 km percorridos.

Aos 63 anos, no dia 26 de maio, sofreu um ataque cardíaco quando cuidava dos jardins de sua casa em Camparada di Lesmo, na região de Monza. A mesma Monza em que nasceu, cresceu e levou como uma marca registrada de sua carreira, tão folclórica quanto inesquecível.

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