Saudosas pequenas – Forti Corse, parte I

guido-forti
O fundador do time, Guido Forti

RIO DE JANEIRO –  A penúltima equipe da série Saudosas Pequenas chega ao blog: fundada por Paolo Guerci e Guido Forti (foto ao lado), a Forti Corse começou no automobilismo na Itália, no popular e competitivo Campeonato Italiano de Fórmula 3 (nos bons tempos, é claro). Entre 1985 e 1989, quatro de seus pilotos levaram a taça para casa – pela ordem: Franco Forini (1985), Enrico Bertaggia (1987), Emanuele Naspetti (1988) e Gianni Morbidelli (1989). Nada mal. E de quebra, Bertaggia ainda venceu os GPs de Macau e Mônaco e Morbidelli, o Europeu de Fórmula 3.

A equipe continuou na categoria até 1992, quando deu prioridade à Fórmula 3000, categoria que já disputava regularmente desde 1987. No primeiro ano, o time usou chassis Dallara e entre seus pilotos estava Nicola Larini, que conseguiu um 16º posto no circuito de rua de Birmingham. No ano seguinte, ainda com os Dallara, Enrico Bertaggia foi sétimo em Monza.

Em 1989 e 1990, Guido Forti concentrou-se no preparo de apenas um carro, respectivamente para Claudio Langes e Gianni Morbidelli. Este último deu à equipe sua primeira vitória na Fórmula 3000 no circuito de Enna-Pergusa, na Sicília. Na temporada seguinte, Emanuele Naspetti ganhou quatro vezes de forma consecutiva, insuficientes, porém, para fazê-lo campeão – o título foi do brasileiro Christian Fittipaldi.

No ano de 1992, com três pilotos diferentes em seus carros, a Forti ganharia mais três provas na Fórmula 3000 – uma com Emanuele Naspetti e mais duas com Andrea Montermini. A equipe, que já passara pelo Brasil na Fórmula 3 sul-americana, inclusive dando a Rubens Barrichello a chance de estrear na categoria após o título europeu da Fórmula Opel – e vencer em Interlagos – estreitou os laços com o país com a chegada de Pedro Paulo Diniz em 1993 ao time.

O piloto paulista teve Olivier Beretta como companheiro e foi o monegasco quem venceu na primeira prova do ano em Donington Park, somando todos os 20 pontos do time naquele ano. Diniz teve como melhor resultado um 7º posto em Enna-Pergusa. O brasileiro melhoraria em 1994, ano em que fez um quarto lugar no Estoril, enquanto o japonês Hideki Noda foi 3º em Pergusa e quinto em Silverstone.

Para o ano de 1995, a Forti Corse – já com Carlo Gancia, filho do antigo presidente da CBA Piero Gancia como um dos sócios –  resolveu dar o seu mais ambicioso salto e, com o dinheiro vindo dos patrocínios generosos de Pedro Paulo Diniz, cujo pai Abílio era na época o poderoso dono dos Supermercados Pão de Açúcar, inscreveu-se para o Mundial de Fórmula 1. O principal apoio era da Parmalat que, somado aos outros sponsors, cobria (mas não muito) o orçamento necessário para a montagem de um time com dois carros.

r_forti_corsi_1995_diniz
Primeiro carro do time, o FG01 nasceu com problemas congênitos de concepção aerodinâmica

O primeiro bólido, o FG01, foi concebido pelo engenheiro argentino Sergio Rinland, com a colaboração de Giorgio Stirano. O carro foi apresentado no último dia de janeiro daquele ano em Alessandria, na sede do time, apenas com Pedro Paulo Diniz como o único piloto confirmado.

pedropaulodiniznurburgring
Pedro Paulo Diniz estreou na Fórmula 1 vindo da F-3000, categoria em que defendeu a Forti Corse

Iniciados os testes de pré-temporada, ficou claro que a equipe, embora tivesse tradição na Fórmula 3 e Fórmula 3000, iria penar um bocado em seu primeiro ano na categoria máxima. Embora os tempos mostrassem o progresso do estreante Diniz a bordo do carro amarelo, faltava velocidade e a comparação com os tempos obtidos pelos times grandes chegava a ser covardia.

robertomorenobrasil
O velho recruta: aos 36 anos, Roberto Pupo Moreno regressa para mais uma temporada de Fórmula 1

Aí a Forti Corse, que ainda não tinha segundo piloto definido, trouxe o “pau para toda obra” Roberto Pupo Moreno, figura de proa em muitas das equipes da série, que a princípio correria apenas nas duas primeiras provas do ano: o que não faltava era gente com grana, disposta a pegar o cockpit do carro #22. E a Forti Corse, para ficar segura, precisaria de mais alguns milhões de dólares para completar o orçamento e assegurar, pelo menos, o pagamento em dia das revisões dos seus motores Ford Cosworth ED.

E três anos após o Andrea Moda S921, lá foi Moreno andar num carro em que não testou um metro na pré-temporada, no fim de semana do GP do Brasil de 1995. Em Interlagos, o Baixo conseguiu uma façanha notável: qualificou-se à frente das duas Simtek de Jos Verstappen e Mimmo Schiattarella. Mas abandonou em decorrência de uma rodada na 47ª volta, quando vinha em décimo-primeiro. Diniz cumpriu à risca o objetivo de terminar a corrida – mesmo que sete voltas atrás do vencedor, foi o 10º colocado.

Na Argentina, os FG01 padeciam de absoluta falta de velocidade de ponta em reta – segundo consta, eram 70 km/h mais lentos que todos os outros adversários com os motores Ford Cosworth ED. E tome tirar pressão da asa traseira, o que tornou os bólidos inguiáveis nas curvas. Como efeito, Moreno e Diniz levaram nove voltas do vencedor Damon Hill e não receberam classificação, embora tenham visto a quadriculada em Buenos Aires.

Em Imola, Paolo Guerci, o antigo fundador e engenheiro, se juntou novamente ao time, já que Sergio Rinland pediu as contas. Nada mudou: o carro tinha um erro conceitual de projeto, era excessivamente pesado e para piorar, tinha câmbio manual e não semi-automático (é com ou sem hífen?), como 90% dos times da época. Claro que o carro continuava lento. O jeito para Moreno e Diniz era ganhar quilometragem e dar horas de voo ao time. No circuito Enzo e Dino Ferrari, terminaram sete voltas atrás de Hill, novamente vencedor.

No GP da Espanha, a equipe já tinha conseguido reduzir o peso do carro em sete quilos, o que certamente daria mais alguns décimos e velocidade ao FG01. Mas ninguém terminou a corrida de Barcelona: Diniz teve o câmbio quebrado e Moreno, problemas na bomba d’água do #22. Em Mônaco, os novos chassis, mais leves (ou menos pesados, como queiram) já estavam à disposição de ambos. Pedro Paulo conseguiu um excelente 21º posto no grid e Moreno foi o vigésimo-quarto. Na corrida, enquanto o paulista chegava ao fim em 10º, o Baixo quase sofreu um gravíssimo acidente: ficou sem freio na tomada da Ste. Dèvote e conseguiu fazer o carro rodar antes de ser destruído na barreira de proteção.

A saída da Simtek após a corrida de Monte-Carlo não mudou muito as coisas em Montreal. Os dois pilotos da Forti dividiram a última fila e nenhum deles chegou ao fim. O caso de Moreno, confirmado no time até o fim do ano, foi o mais cruel: com o sistema de alimentação quebrado, parou no meio do circuito sem combustível…

dinizfranc3a7a
A Forti Corse esforçou-se para melhorar o FG01 ao longo do ano; uma revisão geral foi feita e o carro nitidamente evoluiu

Na França, o chassi que já tinha emagrecido um pouco fez uma bela dieta: perdeu 23 kg e além disto, o FG01 ganhou novos pontões laterais e um bico alto, estilo Benetton. Como as revisões à Cosworth estavam sendo pagas de forma correta e a Pacific já devia grana aos fornecedores, a Forti passou a receber motores mais potentes. O fosso em relação ao time britânico diminuía a olhos vistos, mas em Magny-Cours os problemas prosseguiram: com o revestimento do pedal do acelerador solto, a cola grudou na sapatilha, melecou a sola e Moreno foi apenas o 16º colocado e Diniz se envolveu numa carambola no início da corrida, abandonando.

thumbnail_526_pedrodinizforti1995britaincrop
Em Silverstone, Diniz conseguiu o 20º lugar, uma das melhores posições de largada da Forti Corse em 1995

Nas velozes pistas que vieram na sequência – Silverstone e Hockenheim – a sorte da equipe e dos pilotos não mudou muito. Diniz ainda conseguiu o 20º posto no grid do GP da Inglaterra e na Alemanha os dois se classificaram melhor que a dupla da Pacific, numa evidente evolução mecânica do time. Mas não houve resultados. Ainda penando com o câmbio manual Hewland, os pilotos levavam do jeito que dava e pelo menos na Bélgica conseguiram terminar a corrida, na 13ª e 14ª posições, respectivamente, com Moreno atrás de Pedro Paulo.

O tão esperado câmbio semi-automático deveria ter estreado na Itália, mas ficou só na promessa. Mesmo assim, em Monza, no país-sede do time, Pedro Paulo conseguiu um excelente 9º lugar, o que para aquela época onde os carros quebravam muito mais do que nos dias de hoje, era mesmo muito bom. Imaginem só uma HRT da vida fazendo, em 2013, o que fez o brasileiro em Monza? Somaria pontos no Mundial de Construtores!

Pulemos essa parte, portanto: em Portugal, a situação voltou a ser a de sempre: pit stops problemáticos, carro ainda lento e pilotos com problemas ao longo da corrida. Resultado: Diniz em 16º e Moreno logo atrás. E o veterano brasileiro não mudou sua sorte no GP da Europa, em Nürburgring, abandonando aquela corrida. Já Pedro Paulo conseguiu uma façanha que merece ser escrita em caixa alta: por sete voltas, ANDOU NA FRENTE DAS DUAS McLAREN DE MARK BLUNDELL E MIKA HÄKKINEN.

Pode parecer mentira, mas foi isso mesmo que aconteceu naquele dia 1º de outubro de 1995, numa pista traiçoeira e molhada. Até, claro, a McLaren desfazer a cagada que foi mandar seus dois pilotos para largar com pneus de pista seca rezando para que não chovesse mais – e é claro que choveu. Diniz fez o que pôde: com a 18ª melhor volta da corrida, completou em décimo-terceiro, cinco voltas atrás de Michael Schumacher, que na época soltou uma frase sobre o piloto brasileiro.

“Um dos que mais admiro hoje na Fórmula 1 é o (Pedro Paulo) Diniz. Confesso que não sei de onde ele tira tanta motivação para guiar um carro tão lento”, falou o então campeão mundial.

__00Brasil045
Diniz e Moreno dividindo cada metro de pista em Aida

O que Schumacher não sabia é que Diniz já estava negociando com outros times para 1996 e Moreno estava com os dias contados dentro da própria Forti Corse, antes do ano de 95 terminar. Para o GP do Pacífico, em Aida, a Forti Corse anunciara a sua substituição pelo japonês Hideki Noda, que tentara com alguns ienes salvar a Larrousse da falência no ano anterior. Engraçado que o japonês consumara um acordo com a Simtek para aquele mesmo ano de 1995 e ficara a pé porque o time de Nick Wirth faliu. Mais engraçado ainda é que a FIA não cedeu a Superlicença a Noda, que ficou chupando o dedo.

20131121154168_429770_298044550250834_1571646048_n_II
Decola, Moreno! O voo no GP do Japão não passou de um susto

Moreno foi localizado em Hong Kong e, graças a proximidade com o Japão, chegou a tempo de participar dos treinos, onde os dois FG01 bateram facilmente os Pacific. Na corrida, devagar e sempre, Moreno chegou em 16º e Diniz em décimo-sétimo. Em Suzuka, no GP do Japão, Moreno foi protagonista de um dos momentos mais plásticos de todo o ano no automobilismo, ao decolar com sua Forti Corse em razão de (mais) uma falha de câmbio. Diniz não conseguiria nada melhor: rodou na 32ª volta e abandonou.

Forti-F1-1995-Roberto-Moreno-436x291
Despedida: o veterano brasileiro deixou a F-1 no GP da Austrália

Veio então a última corrida do ano em Adelaide, na Austrália. Àquela altura, o FG01 não era mais o carro mais lento do lote e tanto Moreno quanto Pedro Paulo se classificaram confortavelmente à frente dos dois Pacific, com o Baixo a menos de um segundo do tempo do horroroso Taki Inoue, da Footwork. A última corrida de Moreno na Fórmula 1 acabou num incidente insólito, que também vitimaria o escocês David Coulthard, da Williams (em momentos diferentes, que fique claro): ambos bateram na mureta de acesso aos boxes do circuito urbano.

agp_95_diniz_forti_corse (1)
Quase! Com uma corrida consistente, Diniz chegou em 7º na Austrália e por pouco não fez seu primeiro ponto

Mas Pedro Paulo Diniz levou o carro até o fim. Valente, o brasileiro driblou as dificuldades e andou a corrida inteira à frente do franco-luxemburguês Bertrand Gachot – outra figurinha fácil da série Saudosas Pequenas, visto noutras escuderias. Recebeu a quadriculada em sétimo – no seu melhor resultado do ano – e se a corrida tivesse pelo menos mais três voltas, poderia ter pontuado: a Ligier de Olivier Panis tivera o motor Mugen quebrado e o carro azul era uma verdadeira ‘maria fumaça’ a 200 km/h. Não se sabe como, mas o francês ainda chegou em segundo, duas voltas atrás do vencedor Damon Hill.

A Forti Corse não conseguiu marcar ponto algum em 1995, mas mostrou evolução e disposição para tentar melhorar na categoria. Quer saber se isso aconteceu? Espere então o próximo post…

Comentários

  • Os patrocínios de Parmalat, Arisco e Kaiser eram meio que uma parceria, troca de favores, cada quotista tinha garantida a compra de seus produtos no mínimo em igual valor ao investido na equipe e tinham lugares privilegiados naas gondôlas dos supermercados da rede

  • Realmente são saudosas pequenas equipes! Foi ótimo lembrar a Forti Corse! Seu peso excessivo… Sergio Rinland, Guido Forti, o carro amarelo, azul e um pouco de verde…. que aliás, eu só gostava das cores, pq o design do carro…. mto feio! Já em comparação, aquela Minardi verde, preto e branco ali atrás do Diniz era linda!!!

  • Uma pena a série estar acabando. De longe uma das mais divertidas sobre automobilismo que eu já tive a chance de ler. Vai fechar com a Minardi meu caro Rodrigo? Abraços.

  • Rm, a caixa de velocidade da forti se não me engano era seqüencial e não em H como em anos anteriores. Apesar disso não é nenhuma grande coisa pois todas as outras equipes ja estavam usando o cambio semiautomático. Valeu, grande série, gostaria tb que nao tivesse acabando.

  • O Diniz mostrou que era um piloto com bom potencial para um estreante. O Moreno foi contratado para ensinar o Diniz. O Diniz perdeu nos treinos para o Moreno por 9×8. Mas nas corridas o professor Moreno foi amplamente batido pelo aluno Diniz por 8×2.