Outsiders: “King” Hiro Matsushita

HIro!

RIO DE JANEIRO – A segunda personagem da série dos Outsiders deu muito o que falar no automobilismo nos anos 90. Uma geração mais recente de fãs do esporte certamente se lembra dele, de suas patacoadas, acidentes e histórias que entraram para o folclore do esporte. E será o primeiro de vários japoneses que aparecerão por aqui. Refiro-me a “King” Hiro Matsushita, herdeiro da Matsushita Electric Industrial Co., dona da marca Panasonic.

Por que seu apelido era “King” Hiro? Bem… saberemos daqui a pouco.

Nascido em 14 de março de 1961 e batizado Hiroyuki Matsushita, na cidade de Kobe, Hiro começou de forma pouco prosaica o seu contato com o esporte a motor: foi motociclista no fim da adolescência, entre 1977 e 1989. Quando tinha 25 anos, por volta de 1986 – e já com o patrocínio da Panasonic, é bom lembrar, foi correr nos EUA.

Matsushita iniciou sua carreira pela Fórmula Ford, passando pela American Racing Series (futura Indy Lights) e Fórmula Atlantic Toyota. Nesta última, disputou a West Division, venceu quatro corridas e sagrou-se – pasmem – campeão. Além disto, em 1988, esteve presente em quatro provas da série IMSA de protótipos, com um Argo JM19 equipado com motor Mazda de pistões rotativos Wankel. Foi 13º colocado nas 24 Horas de Daytona e nos 500 km de Road Atlanta; 14º nas 12 Horas de Sebring e 15º nos 500 km de Mid-Ohio.

Com o apoio da família, Hiro seguiu para a Fórmula Indy. O patrocínio da Panasonic era um chamariz para um cockpit em equipes pequenas e o japonês – o primeiro na história da categoria – não tardou a conseguir um bólido na equipe de Dick Simon.

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O acordo com o astuto e veterano dono de equipe não previa a temporada inteira e sim um número limitado de corridas, mais as 500 Milhas de Indianápolis, onde Hiro apenas fez o Rookie Orientation Program. Estreou em Long Beach com um 19º lugar e até o fim do ano só terminaria mais três corridas – uma delas, em Portland, lhe rendeu seu primeiro e solitário pontinho do ano. Terminou a temporada na 31ª posição.

Em 1991, Matsushita enfim disputou todas as dezessete corridas do ano. Terminou 14 delas, mas sem muito brilho e resultados de vulto. Foi quatro vezes aos pontos, com um 10º posto em Milwaukee, um 12º lugar em Meadowlands, Road America e Nazareth. E só. Nos super ovais, chegou em 16º na sua primeira 500 Milhas de Indianápolis e em Michigan, onde obteve o melhor grid de sua carreira com a 9ª colocação nos treinos, problemas insolúveis de câmbio o fizeram abandonar cedo a disputa.

A temporada de 1992 seria a terceira do japonês ao lado de Dick Simon e logo em Long Beach ele repetiu o 10º posto alcançado em Milwaukee no ano anterior. Mas nos treinos das 500 Milhas de Indianápolis, ele sofreu um acidente pavoroso a bordo do Lola Chevrolet T92/00 do time e fraturou o fêmur da perna direita. Foi substituído por Raul Boesel pelas seis corridas seguintes e, enquanto o brasileiro conquistava excelentes resultados com o carro que seria de Matsushita, este convalescia. Voltou em Cleveland, na 11ª etapa, mas até o fim do ano só conseguiria a 13ª colocação em Vancouver.

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Seu dinheiro não interessava mais a Dick Simon, que manteve Boesel para 1993 e não mostrou a menor intenção em renovar com Matsushita. A grana da Panasonic foi muito bem-vinda na Walker Racing e o japonês fez o que pôde. Acabou de novo tendo um 10º lugar como melhor resultado, daquela vez no oval de Phoenix, no Arizona. Foi ainda 11º na abertura do campeonato em Surfers Paradise, na Austrália, 12º em Cleveland e Vancouver. Ele só abandonou em Portland, mas por ter pontuado apenas quatro vezes em dezessete etapas, ficou em 26º lugar na classificação final de pilotos.

O mundo dá muitas voltas e Matsushita foi chamado novamente para correr com Dick Simon em 1994, desta vez ocupando a vaga deixada aberta com a saída de Scott Brayton. Logo na segunda corrida em Phoenix, o japonês pegou as rebarbas de um entrevero entre Teo Fabi e Paul Tracy. Seu Lola Cosworth T93/00 ficou atravessado na saída da curva 4 e o canadense Jacques Villeneuve, que era estreante na Fórmula Indy, veio com tudo e bateu no carro de Hiro. Um acidente plasticamente forte e que, felizmente, não trouxe consequências sérias para ninguém. Tanto que Matsushita machucou apenas o ombro e a boca.

Num ano onde ficaria de fora por três oportunidades (Long Beach, Detroit e Vancouver), porque o número de inscritos superava o máximo permitido de carros para estes circuitos de rua, Matsushita foi à forra nas 500 Milhas de Michigan. Largando em 20º, o japonês sobreviveu a uma quebradeira generalizada. Dos 28 carros presentes, seis estouraram seus motores e ainda houve três acidentes – afora outros problemas mecânicos. Somente oito pilotos viram a quadriculada, entre eles o japonês, que chegou em 6º lugar, mas a onze voltas do vencedor, Scott Goodyear.

Em 1995, Matsushita acertou seu ingresso na Arciero Wells Racing, equipe cuja sociedade era dividida entre o vinicultor Frank Arciero e o futuro revendedor Toyota Cal Wells III. Com um Reynard do ano anterior, Hiro disputou 16 corridas, terminou 12 delas e finalmente conseguiu marcar pontos nas 500 Milhas de Indianápolis: acabou a corrida na décima posição – que também obteve como grid de largada. Ainda fez um 11º posto em Surfers Paradise, na Austrália.

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No ano seguinte, o japonês foi guiar para a pequena Payton Coyne Racing, outra equipe de dois sócios: a lenda da NFL Walter Payton e o ex-piloto e batalhador Dale Coyne. Na temporada de 1996, Matsushita teve como companheiro de equipe ninguém menos que o brasileiro Roberto Pupo Moreno, que conseguiria um inacreditável 3º lugar no super oval de Michigan. Hiro foi apenas 10º em Surfers Paradise, prova onde largou da última posição. Foram seus únicos pontos somados ao longo de todo o campeonato.

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A Fórmula Indy ficava a cada dia mais competitiva e Matsushita, cada vez mais para trás. Ainda assim, sempre com o apoio da Panasonic, foi para a sua última temporada completa em 1997, novamente com a Arciero Wells, que na época alinhava modelos Reynard com motor Toyota. Os japoneses queriam crescer na categoria e a Arciero fora o primeiro time a acreditar nos propulsores do fabricante.

Como sempre, os resultados do nipônico foram pífios. Salvou-se apenas a 9ª colocação nas 500 Milhas de Michigan, onde do sétimo posto para trás só terminou gente que andava no chamado “pelotão da merda”, como ele, Dennis Vitolo, Max Papis, Juan Fangio II e Arnd Meier. Cansado e já com 37 anos, Matsushita deu seu definitivo adeus à Fórmula Indy na Rio 400 de 1998, onde terminou em décimo quinto lugar. Seu carro passaria a ser conduzido por Robby Gordon, que ficara sem cockpit para competir na categoria.

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Interessante observar que, em paralelo à atividade de piloto, Matsushita era também um próspero empresário na construção de chassis. Desde 1991, ele era o dono da Swift Engineering, que fazia carros da Fórmula Atlantic Toyota e depois da própria Fórmula Indy, onde sua mais famosa cliente foi a escuderia Newman-Haas Racing. Consta que Carl Haas, ao negociar o fornecimento dos chassis, teria dito o seguinte:

“Não quero Hiro como piloto.”

E por que o “King” Hiro do início do texto e do título do post? Ah… isso vem de uma história entre ele e o bicampeão mundial de Fórmula 1 e das 500 Milhas de Indianápolis, Emerson Fittipaldi.

Certa vez, o brasileiro se deparou com Matsushita, muito lento, à sua frente. Sem hesitação, Emerson se preparou para superar o retardatário, mas não teve sucesso em sua manobra. Era um circuito oval e o japonês espremeu Fittipaldi contra o muro. Para não bater, Fittipaldi tirou o pé e por um triz evitou o choque. Aí, pelo rádio, o piloto da Penske resolveu desabafar como manda o figurino.

“Fucking Hiro, fucking Hiro! God damn’it! Fucking Hiro!”

Quem entende um pouco de inglês sabe muito bem que Emerson queria esganar Matsushita e mandá-lo praquele lugar. A ESPN estadunidense, que transmitia a corrida ao vivo, editou o áudio para posterior replay e eliminou o palavrão proferido por Fittipaldi. Por isso o brasileiro rebatizou o japonês como “King” Hiro.

Matsushita encerrou sua participação na Indy com um cartel de pouco ou nenhum brilho. 117 largadas, um 23º lugar como melhor classificação entre os pilotos (em 1991) e um 6º posto como melhor performance em corrida. Marcou apenas 37 pontos.

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Em 1999, o japonês ainda foi requisitado pelo Team Goh, que alinhava uma BMW V12 LM98 Protótipo para disputar a edição daquele ano das 24 Horas de Le Mans. Com os compatriotas Hiroki Katoh e Akihiko Nakaya, Hiro largou na 15ª posição do grid, mas a trinca abandonou com a quebra do câmbio do carro. Sua aposentadoria definitiva do esporte aconteceu após a disputa de uma prova de Rali muito conhecida nos EUA, a Baja 1000, onde guiou um Pajero Montero, da Mitsubishi.

Hoje, aos 52 anos, Hiro Matsushita é o presidente da Matsushita Electric Industrial Co., mantendo a tradição familiar dos negócios que no Oriente passam de geração para geração.

Comentários

  • Muito interessante a história do “King” Hiro. Lembro dele com o seu patrocínio Panasonic. Não sabia de sua relação com a Swift. E como os carros da Indy eram bonitos nos anos 1990, não? Hoje, são horríveis.

  • Sempre lembro do tom de voz que o Teo José usava pra dizer o nome de Hiro toda vez que passeava pela grama ou se ralava no muro, era algo entre a resignação e a profunda reprovação.

  • Ótima história… Com certeza ele é um dos maiores ícones dessa legião japonesa que invadiu o automobilismo do ocidente!
    Eu não sabia mesmo dessa história do chassis Swift,..

  • Sabia de outra versão para o “King” Hiro:
    Emerson de fato soltou o verbo, mas demorou um microssegundo para pressionar o botão do rádio, dessa forma só sendo ouvido o “king” do palavrão. . .
    Zé Maria

  • Lembro bem dele na Formula Indy, que n época, dividida, já era chamada de “Fórmula Mundial” quando transmitida pelo SBT…um trapalhão das pistas…bons tempos que marcaram minha adolescência…foi a primeira vez que acompanhei uma categoria que não se chamasse F1, pois a única semelhança era o fato de ser monopostos, mas a dinâmica das provas, os ovais, a largada, a competitividade e o equilíbrio entre as equipes, tudo era bem diferente. Em paralelo ainda conferiamos a velocidade descomunal da IRL, que corria exclusivamente nos ovais e tinha a tradicionalíssima Indy 500…foi a categoria que realmente despertou em mim o gosto pelo automobilismo. Sou muito grato a Formula Indy, mesmo que hoje, entre algumas boas corridas como a do Anhembi, ainda não seja nem sombra do que foi até esta época.

  • Seria muito dificil trazer biografias como a de Caracciola,Rosemeir,Nuvolari,Fangio,Ascari,Hawthorn,Collins,Musso,Clark,Hill,Stewart, e outros que tornaram o automobilismo este esporte apaixonante que é hoje,a história do japones pode ser muito interessante mas o que ele fez de “grande”.Uma revista nacional especializada a muito,muito tempo apresentou uma série sobre os grandes pilotos,na minha opinião (só uma opinião)seria bom rememorar os grandes idolos,só para os mais novos saberem como era o automobilismo do tempo do “bateu morreu” onde uma Alfa 158 passava dos 300 Km,lógico que levava muito mais tempo para atingir a velocidade e frearrr ??????????????O automobilismo esta no nivel que esta graças aos grandes pilotos e projetistas do passado e não a um japones indinherado.
    É só uma opinião para uma futura pauta que só voce podera dispor a seus leitores se for da sua vontade,mas creio que muitos gostariam de ler e saber.

  • Sempre que eu leio a história de como surgiu o apelido do Hiro eu caio na risada.

    Alegrias, tristezas, frustrações e raiva, sentimentos que as corridas de veículos (incluo as motos nessa lista) de hoje não parece proporcionar, mesmos nas categorias que eu mais gosto, como a Nascar e a MotoGP. Tá tudo muito insosso.