Missão comprida… e cumprida

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SÃO PAULO – Mil Milhas a bordo de um carro por cinco dias, passando por três estados: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Trocando em miúdos: de quarta até hoje, domingo, participei da 3ª edição das 1000 Milhas Históricas Brasileiras, evento organizado pelo MG Clube do Brasil.

Sem experiência nenhuma de navegador, totalmente jogado às feras e sem interpretar uma planilha, cheguei com a clara intenção de aprender e ver como é um evento destes por dentro. Carros nacionais e importados, todos em excelente estado de conservação, e fabricados entre 1950 e 1980 estavam presentes na largada, no Shopping Iguatemi, aqui na capital paulista.

Meu nome chegou aos ouvidos do Gustavo Leme e o pessoal do Fox Sports não se opôs à ideia. Daí para aceitar o convite foi um passo e logo cedo, 7h45 de quarta-feira, largávamos para a primeira etapa, até Águas de Lindóia.

Não foi um bom dia. Logo no começo, antes de caírmos na estrada, o Gustavo, dono de um Porsche Carrera safra 1979, percebeu que havia um problema. Ele desceu do carro, mexeu no motor e aparentemente, correu tudo ok. Fizemos o trecho até o Velo Cittá, em Mogi-Guaçu, sem grandes problemas – exceto o primeiro erro deste navegador, que “cantou” errado uma referência, da qual passamos reto e, em plena rodovia, fiz o meu piloto dirigir de ré. O hodômetro deixou de ser referência e aí tivemos que nos virar com o que tínhamos.

No Velo Cittá, a sensacional pista erigida por Eduardo Souza Ramos, que ganhou rasgados elogios até de Nelson Piquet, que participou do evento fazendo “turismo” com sua turma e chamando a atenção por onde passava – principalmente por sua frota de carros antigos – tínhamos duas provas de regularidade onde o Gustavo ditou o tempo para a cronometragem e o objetivo era fazer o máximo de voltas perto de 2’55”.

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Porém, logo após as três primeiras voltas para “sentir” a pista, havia algo muito errado com o Porsche. Um problema elétrico. Pensou-se que era com a bomba de combustível e até houve como trocá-la, pois o Goi Cacciatore, piloto do Mini #2, tinha peças no estoque. Não era: a bomba original estava ok e foi reinstalada no carro. Perdemos quase toda a prova de regularidade na pista, o Gustavo, coitado, não almoçou naquele dia e, com a ajuda de uma bateria reserva, chegamos a Águas de Lindóia, dentro do tempo.

Lá na estância do interior paulista, o Gustavo conseguiu resolver o problema do Porsche, acredite quem quiser. Era uma falha banal num fio que não estava em bom estado. Problema solucionado, e lá fomos nós tentar recuperar o péssimo primeiro dia nas estradas.

Na quinta, saímos de Águas de Lindóia rumo a Angra dos Reis, litoral norte fluminense. Quase dez horas por várias estradas: saímos às 7h45 de novo e chegamos com o dia já escuro no hotel Meliá Angra. A viagem foi cansativa, mas ótima, passando por Taubaté e descendo a Serra do Mar rumo a Paraty e Angra.

O almoço daquele dia foi inesquecível. Um restaurante de beira de estrada chamado Bica do Curió, com a decoração mais kitsch que alguém poderia inventar. Um sem-fim de candelabros, estantes antiquíssimas, mesas e até penteadeiras do tempo da senhora minha avó, já falecida, ornando o estabelecimento. Lá fora, fervilhava a movimentação em torno do Fuscão de uma dupla de Portugal, que veio especialmente para as 1000 Milhas Históricas. Com o motor do #38 quebrado, Alexandre Calheiros, o piloto, e o falante navegador Mário Vital Melo – por coincidência, tão carioca quanto eu, mas com um potente sotaque alfacinha – a equipe de mecânicos deles (eram a única dupla a ter seu próprio apoio) trocou num espaço de tempo muito curto o motor do carro e eles seguiram viagem.

Depois, o Miguel, do carro #36, também português – mas com um humor tipicamente carioca – sacaneou a dupla do #38 comentando lá no Meliá que eles tinham sido vistos na descida da Serra do Mar levando à risca a placa “verifique os freios”, que havia na beira da estreita estrada. Sensacional!

A BR-101, como sempre, estava um canteiro de obras e muitos competidores foram atrasados pelos “pare” e “siga” das placas dos operários. Foi o momento em que rolou uma “lenha” inesquecível na estrada, envolvendo o Alpine #42 do Oscar Espejo e o nosso carro, com o Gustavo acelerando tudo o que podia, já que o Porsche Carrera estava inteiro. Chegamos sãos e salvos ao hotel onde, no jantar, soubemos que tínhamos melhorado 75% em relação ao nosso desempenho da véspera. Perdemos apenas 408 pontos e estávamos em 17º na geral. Nada mal.

No terceiro dia, subimos pelo caminho da famosa Estrada Real em direção a outra estância: Caxambu, homenageada pelo Império Serrano no carnaval carioca de 2013. Logo no começo, tráfego muito pesado e intenso, atrapalhando a navegação e nos atrasando. Mas rapidamente achamos as referências e o navegador leigo fez o que pôde.

Passamos por cidadezinhas como Bananal, Arapeí e São José do Barreiro (todas com aqueles portais de entrada e saída), além de Queluz. E foi o único dia em que estivemos nos três estados do percurso: SP, RJ e MG, num espaço de horas. O almoço foi em Itamonte, no Hotel São Gotardo, a 1.800 metros acima do nível do mar, onde ventava muito e a sensação térmica era péssima. Detesto frio…

Foi outro trecho onde mandamos uma “lenha” inominável com o Porsche na serra e chegamos sãos e salvos ao famoso Hotel Glória, onde – segundo consta – o elevador despencou certa feita com Juscelino Kubitschek. E não só isso: deixou em muita gente a impressão de que era meio fantasmagórico. Com decoração antiga, tinha imensos salões e isso se explica: o Glória foi Hotel-Cassino por curto espaço de tempo, até o presidente Eurico Gaspar Dutra ter um ataque de caspa e fechar os “caxinos”, como ele dizia em sua dicção peculiar.

A etapa foi bem legal – chegamos a “zerar” um PC e a fazer o quarto melhor tempo no último, e conseguimos melhorar na classificação, subindo para 15º na geral. Para quem nunca tinha participado de um Rally de Regularidade, considerava essa posição ótima, excelente. E eu mal tinha ideia do que viria no sábado…

Ontem, o destino seria Campos do Jordão, o famoso – e gelado – reduto turístico, a Suíça brasileira. A primeira “volta” foi ok. Mas a segunda, à noite… um desastre.

A chamada “Noite do Saci” nos deu uma pernada. O navegador aqui se distraiu com a passagem de um carro que vinha muito mais à frente do que o nosso Porsche e aí perdemos uma referência de retorno, que nos levaria a fazer o mesmo trecho pelo qual o VW alemão safra ’55 estava passando. Resultado: uma etapa para esquecer. Chegamos antes do tempo, perdemos vários postos de controle e jogamos o 15º lugar no ralo.

O último dia teve um trecho cronometrado curto e o deslocamento final até o ponto de partida, o Shopping Iguatemi. Acabamos o dia em 17º na etapa com apenas 46 pontos perdidos e o 24º posto na geral (décimo-quarto na categoria) por causa da “pernada” do Saci. Não fosse por isso, acho que eu e Gustavo Leme teríamos conseguido completar em P15 sem sustos.

Apesar da queda na classificação, fiquei contente. Aprendi bastante, foi uma aula prática de cinco dias sobre Regularidade em Rally. Agora sei que tulipa não é apenas e tão somente um copo de chopp, que existe margem de erro em hodômetro e o que são referências.

Valeu a experiência! Missão comprida… e cumprida!

Ah! E eu ia me esquecendo: a bordo de uma Mercedes, Rogério Franz e Mário Nardi venceram o Rally 1000 Milhas Históricas Brasileiras, dentro da premissa da competição, ou seja, com uma regularidade irritante. Christian Casal de Rey e seu irmão Thiago chegaram em segundo, trocando de posição com Carlos Souza e Laurival Calçada na terceira colocação.

Comentários

  • Caro Rodrigo:
    Parabéns pelo profissionalismo! Quem me dera fazer um rali e ainda ser pago prá isso.
    Imaginei sua angústia “perdido” pelas estradas e Le Mans acontecendo…
    Aos amigos que procuram informações sobre as 1000 Milhas Históricas, tem esse link que deverá ser atualizado nos próximos dias:
    http://1000milhashistoricas.blogspot.com.br/

  • Muito legais a aventura e o relato!

    Agora, quanto ao problema mecânico, só podia ser um fio velho mesmo. Como dizia o Barão Huschke von Hanstein, o lendário chefe de competições, “Porsches não quebram”!

  • Legal que você curtiu, pena que o frio tenha sido um problema . Dizem que navegador de rally é alguém que tem medo de se suicidar e quer que outro resolva o problema dele rs , rs, mas sem dúvida foi uma bela experiência, com um bom piloto e um bom carro.

  • Será que o o canal do futebol FOX vai passar alguma coisa ? Nos tempos do SPED foram dois anos consecutivos com reportagens de 2 capítulos, mas enfim é mais importante a mesa redonda de futebol, corrida da Nascar anunciada ao vivo e iniciando transmissão já com 1/3 da prova, afinal tinha que ser completado o jogo de tênis, que tenho certeza possui muito menos audiência que automobilismo. Enfim, SOFREMOS JUNTOS!

  • Otazú pelo pouco que te conheço, só uns 20 anos, ahahahah sei que vc faz tudo com amor, o que é fundamental para o sucesso. Parabéns querido amigo. Tamujunto, abração, Marcelo Zebra. ps: obrigado por abrir as portas para meu humilde programa, ACELERA MOTOR, que em breve vai mostrar um pouquinho desse grande evento.

  • So um pequeno detalhe mais importante , voce disse no texto que almoçaram em Sao Gotardo , na verdade Sao Gotardo é o nome do hotel . A cidade é Itamonte – MG … Muito bom o texto, parabens .

  • Quem puder, participe!!! vale muito a pena…é diversão garantida!!! A primeira a gente não esquece, curti muito a minha … excelente texto como sempre…abs