Discos eternos – Tim Maia Racional (1975)

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RIO DE JANEIRO – Houve um dia em que Tim Maia trocou o profano dos funks, souls, sambas e xaxados que fizeram parte dos seus quatro primeiros discos – três deles sensacionais, aliás – para mergulhar de cabeça no proselitismo e no sagrado do Racional Superior. Foi a época em que o cantor e compositor se converteu à seita Universo em Desencanto, de Manoel Jacintho Coelho, e fez dois álbuns que entraram para a história.

Primeiro, porque marcaram a única e radical guinada de Tim para algo que ele renegaria para todo o sempre. E segundo porque, apesar das letras repletas de lavagem cerebral, as músicas eram excepcionais, de uma qualidade poucas vezes ouvida neste país nos anos 70.

Autodenominado Tim Maia Racional, ele já estava a pleno vapor com os músicos da Banda Seroma na pré-produção de um disco duplo que seria lançado pela RCA Victor, a primeira gravadora dele após a ruptura de contrato com a Philips, de onde saiu no fim de 1973. As músicas estavam com as bases prontas e empolgavam o cantor e os músicos. Mas aí houve a guinada para o Racional Superior, a conversão do cantor ao Universo em Desencanto e a RCA assustou-se. Não quis fazer o disco com mensagens filosófico-religiosas e excusou-se de se associar a qualquer seita. Como resultado, Tim lançou-o de forma independente pelo seu selo Seroma (a junção das iniciais do seu nome, Sebastião Rodrigues Maia).

Com a conversão, Tim partiu para a troca das letras de TODAS as canções que já estavam prontas, mas com os mesmos arranjos. “Adiós San Juan de Puerto Rico”, uma composição bastante percussiva de letra do paraguaio Fábio, transformou-se em “Quer queira, ou não queira”. Uma das músicas que seriam dedicadas a Geisa, mãe de seu filho Carmelo e do adotado Márcio Leonardo (o Léo Maia, que é cantor), transmutou-se em “Leia o livro Universo em Desencanto”. Uma música de Edson Trindade, o mesmo que compusera “Gostava tanto de você” e ia pela mesma linha de samba-soul, virou a confessional “Paz interior”.

Já não dependo das loucuras
Agora sei o que fazer
Agora sei outra verdade
Estou vivendo com prazer de viver

E agora
Já não dependo de você

Voltou o brilho dos meus olhos
Voltou a paz interior
No Universo em Desencanto
Que reencontrei com muito amor
Racional

E agora
Chegando o bem se afasta o mal

O proselitismo só não atingiu as belíssimas “Ela partiu” e “Meus inimigos”, que ficaram de fora dos dois álbuns originais da série Racional e viraram faixas-bônus nas versões posteriores lançadas em CD. O primeiro disco abre com “Que beleza”, já conhecida do público quando Tim cantou na inauguração do Teatro Bandeirantes, em São Paulo, já com o subtítulo de Imunização Racional.

Em meio a pequenas vinhetas – uma delas, celebrando Manoel Jacintho Coelho como o “Grão Mestre Varonil”: Manoel… o maior homem do mundo… homem sábio e profundo… semeou conhecimento… missionário da pureza… fez brilhar, oh! que beleza… essa nova geração – músicas sensacionais como o deep funk “Bom senso”, mais uma de letra lembrando do passado.

Já virei calçada maltratada
E da virada quase nada
Me restou a curtição
Já rodei o mundo quase mudo
No entanto, num segundo
Este livro veio a mão

Já senti saudade
Já fiz muita coisa errada
Já dormi na rua
Já pedi ajuda

Mas lendo atingi o bom senso
Mas lendo atingi bom senso
A imunização racional

Os batidões que não fariam feio em nenhum disco dos mestres soul e funk da época, ganharam até letras em inglês celebrando a Cultura Racional e o Universo em Desencanto, feito “Rational Culture” e todas as demais faixas seguiam os mesmos preceitos, a mesma linha de pregação e proselitismo, que assustaram também os músicos da Banda Seroma, obrigados que foram a pintar seus instrumentos e a se vestir de branco da cabeça aos pés, por exigência de Manoel Jacintho Coelho, naturalmente.

Foi uma época difícil financeiramente para Tim Maia. Morando na Figueiredo Magalhães, rua das mais movimentadas de Copacabana, ele abandonou a Zona Sul e foi viver em Belford Roxo, então um distante distrito de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Celebrava Manoel Jacintho junto a nomes como João Roberto Kelly, Jackson do Pandeiro e o bandolinista Luperce Miranda – todos, assim como ele, convertidos ao Universo em Desencanto. Quem quase entrou para a turma foi Wilson Simonal, na época de sua rumorosa condenação pelo caso em que o cantor fora acusado de mandar torturar seu contador, Raphael Viviani.

Com a produção, lançamento e distribuição do disco feita de forma independente, Tim Maia, que estava à época com 32/33 anos e abandonara as drogas e o álcool, mostrando uma limpidez e uma potência sonoras que nunca mais se ouviu em seus discos, ganhou pouco dinheiro e só teve aborrecimentos, como quando foi chamado para fazer o show de entreato no Festival Abertura, promovido por uma emissora de TV em 1975. O diretor da atração implicou com o branco das roupas e dos instrumentos, o vídeo estouraria em tempos de TV a cores ainda incipiente no país. Tim brigou nos bastidores, mas foi todo carinhos com a inesquecível apresentadora Márcia Mendes, que fez uma matéria com ele, acompanhada pelo país inteiro em horário nobre, num domingo.

Mas chegou o dia em que Tim Maia cansou de buscar “a verdadeira luz da humanidade”. Depois de tantos livros lidos (alguns foram enviados, acreditem, para James Brown, Curtis Mayfield e até John Lennon), teve uma ‘desiluminação’ e abandonou o Universo em Desencanto bem ao seu estilo, quebrando tudo e desfilando uma torrente de palavrões na janela do apartamento da Figueiredo Magalhães, esculachando o antigo guru.

Tim optou por voltar ao profano dos bailes, souls e funks. Bom para seus fãs e para ele, que voltou a despejar uma torrente de sucessos que invadiram as rádios do país inteiro até sua morte prematura e inesperada em 1998, aos 55 anos.

Apesar de nunca mais querer ouvir falar dos discos da fase Racional, disputados a tapa nos sebos por serem raríssimos, Tim Maia teve algumas músicas relembradas por outros artistas. Marisa Monte foi uma que regravou “Que beleza”, assim como Gal Costa. E “O caminho do bem” fez parte da trilha sonora do filme Cidade de Deus.

Em 2011, graças a uma descoberta do produtor Dudu Marote, que encontrou as matrizes com bases já gravadas de músicas inéditas, foi lançado Tim Maia Racional Vol. 3, com seis faixas – anteriormente disponíveis através de downloads piratas. Entre as pérolas nunca lançadas, a sensacional “I am Rational” (I don’t need no dope… I am Rational… And when you read the book… The Universe in Disinchaintment… You don’t need no dope… You gotta be Rational) e “Universo em Desencanto Disco”, já antevendo a chegada da discothéque em terras brasileiras, mas com o proselitismo que foi marca registrada neste período de exceção na vida e na obra do “síndico” Sebastião Rodrigues Maia.

Ficha técnica de Tim Maia Racional
Selo: Seroma (relançado em CD pela Trama)
Gravado entre 1974 e 1975
Produzido por Tim Maia

Músicas (vol. 1)

1. Que beleza [Imunização Racional] (Tim Maia)
2. O Grão Mestre Varonil (Tim Maia)
3. Bom senso (Tim Maia)
4. Energia racional (Tim Maia)
5. Leia o livro Universo em Desencanto (Tim Maia)
6. Contato com o Mundo Racional (Tim Maia)
7. Universo em Desencanto (Tim Maia)
8. You don’t know what I know (Tim Maia)
9. Rational Culture (Tim Maia)
10. Ela partiu [bônus] (Tim Maia)
11. Meus inimigos [bônus] (Tim Maia)

Vol. 2

1. Quer queira ou não queira (Fábio/Tim Maia)
2. Paz interior (Edson Trindade)
3. O caminho do bem (Beto Cajueiro/Serginho Trombone/Paulinho Guitarra)
4. Energia Racional (Tim Maia)
5. Que legal (Tim Maia)
6. Cultura Racional (Beto Cajueiro)
7. O dever de fazer propaganda desse conhecimento (Robson Jorge)
8. Guiné Bissau, Moçambique e Angola (Tim Maia)
9. Que beleza [Imunização Racional] (Tim Maia)

Comentários

  • Em 2011 lançaram o terceiro da série, ao qual Tim não queria que saísse.
    Uma pena que depois de mortos os artistas tenham que levar ainda em seus nomes lançamentos irregulares, mal acabados.
    Nem é bem o caso deste Vol 3, mas acontece muito.

    • Este podia. Lembra quando ele marcou um especial com a Globo e não deu as caras no dia do especial!!! A Globo teve que se virar e editar partes dos ensaios e colocou no ar. Outra, a Globo incluiu um música sua em uma determinada novela, mas aí exigiu dele que ele fosse ao programa do Faustão e ele não deu a mínima e nem compareceu para o programa. A Globo, em represália, tirou a sua música da novela. Este era o Tim Maia, um cara que tinha muito talendo e não se submetia a caprichos de ninguém. Jovino

  • Disco Gospel, no melhor sentido da palavra, a despeito da polemica seita.Graças ao culto, sampleagens e a proibição do Tim, é um disco raro em vinil da época.

  • não é seita, religião, nem espiritismo, filosofia ou doutrina, por que não admite fé, crença ou espiritualidade de espécie alguma.
    É o verdadeiro conhecimento da Natureza do ser humano, que está equilibrando milhares de pessoas (leitores) no mundo inteiro.
    E você? o que está fazendo pelo seu semelhante? Mantendo a prática das mentiras inventadas pelas religiões que só enganam e mentem? Que bem você está fazendo pela humanidade?
    Lave a boca antes de falar dos Livros Universo em Desencanto de Cultura Racional. Porque a vida teve início e terá fim e depois? Só quem não se conhece fica por conta do acaso, da sorte, das crenças e do desconhecido. Estude Cultura Racional e passe a se conhecer; saber de onde veio, para onde vai e porque vai.