Outsiders: Elio de Angelis, o “Príncipe Negro”

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RIO DE JANEIRO – Ele foi um dos mais regulares pilotos do seu tempo. Não chegava ao ponto de dar espetáculo na pista, mas era veloz quando necessário e constante sempre que preciso. Pilotou para uma das lendas da Fórmula 1 e encontrou a morte prematuramente, aos 28 anos. Refiro-me a Elio de Angelis, cujo apelido de “Príncipe Negro” caía bem pelos carros de cor escura que guiou quase toda a carreira na categoria máxima e por seus modos de garoto rico, filho de família abastada que mostrou classe e finesse dentro e fora das pistas.

O pai de Elio, Giulio de Angelis, também foi um esportista. Disputou corridas de Powerboats, aqueles barcos com motores enormes que disputam provas de Offshore, em mar aberto, semelhantes aos que vitimaram, por exemplo, o ex-piloto de Fórmula 1 Didier Pironi e Stefano Casiraghi, então marido da princesa Caroline de Mônaco.

Após uma breve experiência nos karts, Elio de Angelis subiu para os monopostos em 1977, quando tinha então 19 anos. Começou no Campeonato Italiano de Fórmula 3 e chegou à vitória no prestigioso GP de Mônaco, preliminar da Fórmula 1, em 78 – quando inclusive já estava na Fórmula 2, onde começou correndo pela Scuderia Everest de Giancarlo Minardi e depois pela ICI Chevron, substituindo Keke Rosberg. Com o modelo B42 do construtor britânico dotado de motor Hart, Elio foi ao pódio em Misano na penúltima etapa do campeonato, chegando em 14º lugar no Europeu da categoria, com quatro pontos somados.

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Apesar dos resultados tímidos, Elio não teve dificuldade para conseguir uma vaga na Fórmula 1 para a temporada de 1979. A opção foi a Shadow, já uma escuderia em franca decadência e que apostava em dois novatos naquele ano. Além dele, o holandês Jan Lammers, que tinha o patrocínio da Samson Shag, foi contratado para defender o time após conquistar o título europeu de Fórmula 3 em 78.

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Ainda sem ter completado 21 anos de idade, o garoto italiano surpreendeu em sua estreia: chegou em 7º lugar no GP da Argentina, resultado que repetiria em Long Beach, apesar da propalada pouca competitividade do Shadow DN9B. Com exceção ao GP de Mônaco, onde não conseguiu um lugar no grid, Elio largou em todas as demais 14 etapas do calendário, inclusive se colocando em 12º lugar no grid do GP da Inglaterra, disputado no velocíssimo circuito de Silverstone.

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Já conhecido pelos fãs na época por usar um lindíssimo modelo de capacete fabricado pela Simpson, ao estilo dos soldados do filme Star Warsde Angelis conseguiria uma façanha e tanto ao fim do campeonato: na última etapa, disputada sob temporal em Watkins Glen, o italiano salvou o ano da Shadow ao terminar aquela corrida em 4º lugar após largar em vigésimo. Foram os três primeiros pontos dele na categoria – e os três últimos da Shadow como equipe.

Quem enxergou potencial em Elio de Angelis foi Colin Chapman. A velha raposa não hesitou em lhe oferecer um lugar de segundo piloto em sua equipe para o ano de 1980, após a demissão do argentino Carlos Reutemann. O italiano aceitou sem pestanejar, acreditando que teria muito a aprender com Mario Andretti, campeão mundial de 1978.

Logo de cara, Elio mostrou quem daria as cartas na Lotus. A bordo do modelo 81, muito mais convencional que o malfadado Lotus 80, abandonado no meio da temporada anterior, o italiano fez o 5º tempo no grid do GP da Argentina, abandonando cedo por um problema de suspensão. Em Interlagos, surpresa: sétimo na largada, de Angelis termina em segundo atrás de René Arnoux. Um pódio inesperado e muito comemorado pela equipe, já experimentando os primeiros sintomas da decadência que depois tomaria conta do time britânico.

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Contudo, veio um período sem resultados, tanto para Elio quanto para Andretti, que não marcava pontos de jeito nenhum. O italiano abandonou sete GPs seguidos, mas recuperou-se na Áustria com um 6º lugar. Ainda foi quarto no único GP da Itália realizado fora de Monza e, de novo, em Watkins Glen. Terminou o campeonato em 7º lugar com 13 pontos. Mario Andretti fez somente um e Chapman não renovou-lhe o contrato. Elio passava ao posto de primeiro piloto da Lotus em menos de dois anos na Fórmula 1.

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Colin tinha perdido o privilégio dos carros mais rápidos e avançados daqueles tempos, mas ainda aprontava das suas. Lançou o natimorto modelo 88, com dois chassis, considerado ilegal pela FIA e que tinha sido exaustivamente testado por Elio de Angelis. O novo piloto titular, um inglês estabanado chamado Nigel Mansell, ainda era um zero à esquerda.

A Lotus começou o campeonato de 1981 ainda com o patrocínio da petroleira Essex, o mesmo do ano anterior, com o modelo 81 transformado em 81B com o fim do efeito asa. Elio fez pontos em três das cinco primeiras etapas, com um 5º lugar no Brasil e outro na Bélgica, além de um sexto posto na Argentina. Em San Marino, por conta dos problemas da legalidade do 88, nem ele e nem Mansell correram.

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Em Mônaco, Chapman estreou o Lotus 87 enquanto ainda tentava dar ao 88 uma sobrevida, que quase custou caro à escuderia no GP da Inglaterra, patrocinado pela John Player Special – que voltaria a estampar suas cores nos carros do time após os problemas da Lotus com a Essex. Elio começou os treinos com o 88 por interferência do RAC, mas a FIA entrou na ciranda, vetou definitivamente o carro e, com pouco tempo para acertar o 87 para a pista inglesa, ficou em 22º no grid. Já Mansell foi desclassificado e não correu. Elio atingiu a 6ª posição na corrida após menos de 20 voltas, mas levou uma bandeira preta da direção de prova e acabou excluído da disputa.

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No fim do campeonato, o italiano voltou a frequentar a zona de pontos: foi 5º colocado na Holanda, quarto na Itália e sexto no temporal do Canadá. Somou mais pontos que em seu primeiro ano de Lotus, mas acabou uma posição abaixo no Mundial, em 8º lugar.

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Para 1982, a Lotus preparava o lançamento do 91 e no início do ano, Elio e Mansell guiariam o 87B. Na África do Sul, na famosa ocasião onde os pilotos se rebelaram contra a FOCA e a FISA e fizeram uma greve de 30 horas, dormindo juntos num dos salões do hotel Kyalami Ranch, de Angelis mostrou uma outra habilidade além das pistas de corrida: brindou os demais colegas presentes com peças clássicas tocadas ao piano. Daí subentende-se a pilotagem refinada e classuda do italiano, pouco afeito a erros.

A temporada foi bastante razoável. Elio pontuou em sete oportunidades, com a costumeira regularidade, terminando três vezes em quarto lugar, duas em quinto e noutra em sexto. Mas foi o GP da Áustria, em Zeltweg, que marcou definitivamente a passagem do italiano na Fórmula 1.

A Lotus não vencia uma corrida desde o GP da Holanda de 1978 e num campeonato que acabaria com onze vencedores diferentes em 16 etapas, tudo parecia crer que este triunfo não aconteceria. O time não era uma das forças da categoria e os carros com motor turbo já dominavam as ações. Contudo, não eram confiáveis e ainda abriam espaço para os triunfos dos modelos equipados com o velho e ainda competitivo motor Ford Cosworth V8.

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Numa dessas oportunidades, em 15 de agosto daquele ano de 1982, Elio de Angelis teve a faca e o queijo nas mãos quando o motor turbo da Renault RE30 de Alain Prost quebrou na 49ª volta, ofertando a liderança ao italiano. Só que Keke Rosberg, da Williams, vinha babando na gravata com um carro muito mais rápido. Elio deu uma aula de defesa de posição e na reta de chegada, recebeu a quadriculada com apenas 0″050 de vantagem para o rival. Somente ele e Rosberg completaram as 53 voltas do GP da Áustria.

O bom ano da equipe, que somou 30 pontos e terminou o Mundial de Construtores em 6º lugar, fez Colin Chapman pensar em voos mais altos e o britânico assinou um contrato de fornecimento de motores turbo com a Renault, ainda em 1982, para o ano seguinte. Contudo, em 8 de dezembro, o fundador da Lotus e criador de carros lendários na Fórmula 1, morreu em circunstâncias até hoje misteriosas, sem poder ver o primeiro carro de sua equipe com um motor turbo.

A temporada de 1983 foi sofrível para Elio de Angelis. Por sua paciência em testar carros, ao contrário de Mansell, acabou escalado desde o início do ano para andar com o modelo 93T, que só quebrava. A Lotus também estava com os pneus Pirelli, que ao contrário dos Michelin e Goodyear das outras equipes tidas como de ponta, não eram competitivos.

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Na segunda metade do campeonato, estreou um novo carro. Projetado por Gérard Ducarouge, que saíra da Alfa Romeo, o 94T foi lançado em tempo recorde e os resultados melhoraram. Elio até fez uma pole position no GP da Europa, em Brands Hatch, a primeira dele na Fórmula 1. Mas só pontuou no GP da Itália, com um 5º lugar. Acabou o campeonato com a 17ª colocação, empatado com Danny Sullivan, da Tyrrell.

Para 84, a Lotus tinha enfim um carro razoavelmente competitivo e a esperança de conquistar resultados bem mais expressivos que os do ano anterior. O falastrão Ducarouge injetava esperança no time e os resultados dos treinos de pré-temporada foram bastante animadores, com Elio e Nigel a bordo do novo 95T.

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Foi, de fato, um bom ano para o piloto italiano, que terminou 12 das dezesseis corridas, embora em San Marino o combustível acabasse – insuficiente para tirar de Elio o 3º lugar ao fim da disputa. O piloto marcou pontos em onze corridas, somou três pódios e completou o campeonato num honroso 3º lugar, com 34 pontos. É bem verdade que somando menos da metade dos pontos do campeão Niki Lauda e do vice Alain Prost. Mas não deixava de ser um feito de Elio de Angelis.

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Porém, o italiano mal podia prever que seus dias na Lotus estavam contados, quando o time já chefiado por Peter Warr contratou a jovem promessa brasileira Ayrton Senna, então na Toleman. Senna, aliás, dera em Elio um baile no GP da Inglaterra, com uma ultrapassagem magistral na Paddock Bend, que nunca saiu da memória dos fãs do futuro tricampeão do mundo.

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De saída, de Angelis sentiu que teria problemas dentro da escuderia. Ayrton mostrou serviço com uma vitória apoteótica no GP de Portugal, numa chuva incrível no circuito do Estoril. Elio chegou a ser líder do campeonato após a vitória no GP de San Marino, herdada com a desclassificação de Alain Prost, cuja McLaren estava fora do peso regulamentar. O italiano ainda saiu de Mônaco na frente da pontuação do Mundial de Pilotos, mas no Canadá perdeu a liderança para Michele Alboreto.

A partir daí, nada mais deu certo para Elio de Angelis dentro da equipe e nas pistas. O italiano foi subjugado pela velocidade estrondosa de Senna em qualificação, embora o brasileiro sofresse um bocado para pontuar após a vitória em Portugal. Quando isto aconteceu com frequência na segunda metade do campeonato, Elio já estava liquidado na Lotus. Sem clima para poder continuar e sem condições de submeter a ser segundo piloto de Senna, o italiano aceitou uma oferta de Bernie Ecclestone e foi para a Brabham.

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A exemplo da Lotus, a equipe britânica vivia de glórias passadas e os resultados já rareavam. A única vitória em 1985 fora obra e graça do talento de Nelson Piquet e do desempenho incomum dos pneus Pirelli em Paul Ricard. E só. Nem os motores BMW eram competitivos como antes e não havia garantia que os compostos italianos devolveriam velocidade aos carros da Brabham.

Formula One World Championship

Para piorar, o designer Gordon Murray apresentou um projeto de Fórmula 1 tão revolucionário quanto problemático. O modelo BT55, conhecido como “Skate”, era ultrabaixo e obrigava os dois pilotos do time – Riccardo Patrese e de Angelis – a guiarem praticamente deitados dentro do cockpit. Até o ângulo do motor foi modificado, sendo montado no chassi a uma inclinação de 72º.

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Tamanhas inovações não se provaram competitivas, mas mesmo assim Elio de Angelis jamais reclamou do carro e nem perdeu a classe quando uma roda do BT55 foi embora da ponta de eixo em Jacarepaguá, ou quando o câmbio falhou na Espanha, ou quando o motor quebrou em San Marino ou quando classificou-se, com grande dificuldade, na última posição do grid do GP de Mônaco, abandonando a corrida com problemas no turbo.

A equipe queria deixar o BT55 minimamente competitivo ao longo do ano e Elio de Angelis foi escalado para uma sessão de testes no circuito francês de Paul Ricard. No dia 14 de maio de 1986, o piloto perdeu o controle da Brabham na sequência de esses Verrière, logo após a reta dos boxes. No impacto com as barreiras de proteção, o carro capotou e pegou fogo.

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O socorro demorou a chegar, pois por se tratar de um teste particular, não havia bombeiros e equipamento suficiente para o resgate do piloto, que não conseguiu sair dos escombros do BT55 pelos seus próprios meios. Houve um atraso de pelo menos meia hora até que chegasse um helicóptero para o transporte de Elio de Angelis a um hospital mais bem aparelhado. Infelizmente não foi possível salvar o piloto italiano, que morreu em Marselha, 29 horas após o acidente em Paul Ricard, por ter inalado a fumaça decorrente do incêndio que se seguiu após o acidente.

O acidente fatal sofrido pelo italiano foi o primeiro desde o trágico ano de 1982, quando morreram Gilles Villeneuve e Riccardo Paletti. Mas não seria o último da Fórmula 1, pois em 1994, vimos outra tragédia, com as mortes de Roland Ratzenberger e Ayrton Senna. A perda de Elio trouxe consequências drásticas para o circuito de Paul Ricard, que permaneceu no calendário com o uso de uma variante menor, de 3,813 km de extensão ao invés dos 5,810 km usados até 1985. E o acidente foi o estopim para a revolução que traria de volta os motores de aspiração normal à Fórmula 1 em definitivo em 1989, começando gradualmente a partir de 87. Decisão de Jean-Marie Balestre.

Non-Championship Formula One

O currículo de Elio de Angelis nos mostra que ele disputou 108 corridas, vencendo duas, com três pole positions, nove pódios, 43 resultados entre os seis primeiros colocados, 122 pontos somados, 28 voltas na liderança e um total de 4.753 voltas percorridas, o equivalente a 22.053 km cumpridos em quase oito temporadas de Fórmula 1.

Comentários

  • Parabéns pela matéria,mas só adicionaria uma coisa:

    nos testes em Paul Ricard,a Brabham tinha escalado Riccardo Patrese pra fazer os testes,mas de Angelis pediu pra substituí-lo no primeiro dia,justamente na seesão em que morreu.

    • outra coisa: Alan Jones,Alain Prost e Nigel Mansell foram quem ajudaram ou tentaram ajudar de Angelis em seu resgate,e só depois chegou um fiscal(vestindo shorts e camiseta) com um extintor,as ao invés de jogá-lo no motor,jogou o pó quimico no cockpit.

      de Angelis também sofreu graves lesões cerebrais,que também ajudaram a leva-lo ao óbito.

      e a vaga deixada por ele na Brabham,foi preenchida por Derek Warwick,que ironicamente quase o substituiu na Lotus no fim de 85,e acabou não acontecendo graças ao famoso episódio do veto de Senna.

      Dizem que Ecclestone só escolheu Warwick,porque foi o único que não ligou pra ele se oferecendo pra pilotar,imediatamente após a morte de Elio.

  • Vi uma foto certa vez, não sei onde, escrito em um boxe, acho que na época que ele andava de Lotus: “where is Elio? drinking? smoking? No, Elio….. não lembro o resto. O comentário é que os mecânicos haviam escrito aquilo sobre o comportamento de Elio. Alguém sabe disso?

  • Excelente piloto y persona Elio; lo recuerdo con mucho cariño de sus años con Chevrón en F3 y F2 (1977 y 1978), y con el DN9B de Shadow en 1979.
    ¡Maldito Brabham!
    Abrazos!

  • Pessoa muito educada e sedutora, além de ótimo piloto, este foi um dos motivos que ele era o n°1 da Lotus a família Chapman adorava ele. Mansell disse que nos seus 4 anos de convivência com De Angelis na Lotus todas as melhores peças e melhores mecânicos iam para o italiano e que ele era discriminado, aliás o Mansell sempre reclamou que durante toda a sua vida que sempre foi o n°2, exceto na Williams em 92/93 e disse que Senna quando assinou contrato com a Lotus que iria sofrer nas mãos de De Angelis. Não sei se é verdade, mas prefiro a explicação de Senna a Lotus não tinha estrutura para manter 2 grandes pilotos…o que ia para um faltava para outro. Em 1985 quando De Angelis era o n°1 Senna teve muita dificuldade, principalmente por causa do motor Renault EF15 de De Angelis que era superior ao EF4 de Senna, mas quando Senna virou o piloto n°1 a partir do GP da Áustria aí Senna começou a dominar o De Angelis…partindo do pressuposto de De Angelis vencia Mansell com o mesmo carro, acredito que De Angelis talvez fosse o melhor piloto italiano dos últimos 30 anos. Já pensou se a Ferrari em 1985 em vez de Michele Alboreto tivesse De Angelis, acredito que a Ferrari seria campeã. Coloco ele no nível de Berger, Boutsen, Mansell e Hill.