Esporte Protótipos Inesquecíveis – Rondeau (1978/1983)

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RIO DE JANEIRO – Ele foi um dos últimos independentes a vencer em Le Mans e, desde 1980, o último piloto-construtor a alcançar a glória de ganhar a mais tradicional corrida de Endurance do planeta. Refiro-me a Jean Rondeau, que em breves 39 anos de vida deixou marcas indeléveis na história do esporte a motor na França.

A carreira de Jean Rondeau como piloto de monopostos foi breve. Ele começou na Fórmula Renault, mas rapidamente passou aos Saloon Cars, os carros de passeio – e depois disso aos Esporte Protótipos. Como piloto, tentou a sorte nas 24 Horas de Le Mans de 1972 ao lado de Brian Robinson, num Chevron B21 Ford Cosworth 1,8 litro. A dupla largou em 15º lugar, mas abandonou em decorrência de uma falha numa cabeça de cilindro do motor após completar 76 voltas.

Em 1973, não qualificou-se com um Porsche da equipe de Christian Poirot para Sarthe, melhorando sua sorte no ano seguinte: Rondeau foi 19º na geral (sétimo na classe Sport 3 litros) ao lado do próprio Christian Poirot. Na edição das 24 Horas de 1975, Jean Rondeau inscreveu-se com um modelo Turismo: foi para a disputa com um Mazda RX-3 ao lado de Claude Buchet – mas a dupla acabou por desistir, com falha mecânica.

Com o fim do investimento da Matra-Simca nos Protótipos, o projeto Alpine Renault pouco confiável e a Ligier caminhando para a Fórmula 1, os franceses precisavam desesperadamente de um novo projeto para tentar bater a Porsche. Por isso, a partir de 1976, Jean Rondeau foi o ponta de lança do projeto Inaltera, que os leitores já puderam conhecer aqui no blog. Já em 1978, quando os carros ainda corriam em Sarthe com outras cores, pilotos e equipe, Jean tinha construído o seu primeiro carro na sua sede, lá mesmo em Le Mans: o Rondeau M378.

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Com o número de inscrição #72, Jean disputou a prova de estreia de sua criação, ao lado de Bernard Darniche e Jacky Haran. O carro, que tinha motor Ford Cosworth V8 3 litros – igualzinho ao Inaltera, tão criticado pelos franceses – largou em 40º do grid, atrás até do Porsche dos brasileiros Paulão Gomes/Marinho Amaral/Alfredo Guaraná Menezes e resistiu bem à disputa. Chegaram em 9º lugar na geral, primeiro na divisão GTP.

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Em 1979, com novos patrocínios, Jean ampliou a empreitada para dois carros. O M378 ganhou melhoramentos e evoluiu para a versão M379. O velho amigo Henri Pescarolo assumiu o volante do #4 junto a Jean-Pierre Beltoise, na repetição da parceria já vista na Matra-Simca e também na Inaltera. Bernard Darniche e o piloto de Rali Jean Ragnotti alinharam no #5 e Rondeau se preocupou pela primeira vez apenas e tão somente com as operações nos bastidores.

O resultado foi razoável: Ragnotti/Darniche largaram em 6º no grid e Beltoise/Pescarolo em nono. Ao final, o carro #5 chegou em quinto na geral, vencendo na subclassificação Sport acima de 2 litros. O #4 cruzou a linha de chegada em décimo.

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No ano de 1980, Jean Rondeau regressou ao volante de sua criação, dividindo o carro #16 com ninguém menos que Jean-Pierre Jaussaud, vencedor das 24 Horas de Le Mans em 1978. Henri Pescarolo dividiu o #15 com Jean Ragnotti, uma vez que Beltoise anunciara sua aposentadoria das pistas, aos 53 anos de idade. E havia ainda um terceiro carro do construtor francês, nas cores dos cigarros Belga, com o numeral #17, para Gordon Spice/Jean-Michel Martin/Philippe Martin.

Nos treinos, Pescarolo/Ragnotti brilharam: marcaram a pole position entre 65 carros que treinaram em busca de 55 vagas no grid, com o tempo de 3’47″9. Rondeau/Jaussaud conquistaram o quinto tempo, enquanto Spice e os Martin ficaram na 19ª posição. O favoritismo, teoricamente, pertencia ao Porsche 908/80 de Jacky Ickx/Reinhold Jöst, mas a parceria belgo-alemã ficou em segundo.

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A corrida de Rondeau/Jaussaud foi perfeita e a dupla fez história ao completar 339 voltas com seu M379B, a uma média de 191,899 km/h. Aos 34 anos apenas, Jean Rondeau tornava-se campeão das 24 Horas de Le Mans como piloto e construtor, um feito nunca mais atingido por nenhum outro nome na história da competição.

Em 1981, seu exército de carros aumentava de novo. Não eram só dois, nem três Rondeau na pista. Eram cinco bólidos para bater a Porsche mais uma vez e voltar a fazer história nas 24 Horas em Sarthe. Dois dos protótipos estavam na classe GTP e os demais na Sport acima de 2 litros.

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No carro #7, que assim como o #24 dos campeões do ano anterior estava pintado com o patrocínio da companhia de elevadores Otis, estavam o veterano ex-Fórmula 1 François Migault e o britânico Gordon Spice. O #8 tinha a volta de Jacky Haran a bordo de um Rondeau após três anos, liderando a tripulação que continha ainda o jovem Philippe Streiff e Jean-Louis Schlesser, sobrinho do malogrado Jo Schlesser, morto num acidente no GP da França de Fórmula 1 em Rouen, 1968. No quarto carro, com o numeral #25, estavam Jean-Louis Lafosse e Jean Ragnotti. Patrick Tambay e o grande Henri Pescarolo correram com o #26.

Nos treinos, Rondeau/Jaussaud conseguiram o 5º tempo e se destacaram, cinco posições à frente de Lafosse/Ragnotti e logo atrás de Pescarolo/Tambay, com os outros dois bólidos largando no meio do bolo. Mas desta vez, a química da dupla campeã de 1980 não foi suficiente para evitar o abandono do M379C #24 por problemas de dirigibilidade, enquanto Pescarolo/Tambay foram vítimas de uma falha na bomba de combustível do protótipo. Para completar, houve o dissabor causado pelo acidente fatal de Jean-Louis Lafosse, na 28ª volta da corrida. O piloto tinha 40 anos. Veja no vídeo abaixo o momento da batida. Aviso: as imagens são fortes!

Apesar do falecimento de Lafosse, os outros dos carros inscritos por Jean Rondeu ainda conquistaram um ótimo resultado. Haran/Schlesser/Streiff chegaram em segundo, com um total de 341 voltas completadas. Migault/Spice cruzaram em 3º lugar. A vitória foi do Porsche 936/81 de Jacky Ickx/Derek Bell, vingando a derrota de 1980.

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Em 1982, Jean Rondeau deu seu passo mais ambicioso: inscreveu-se no World Sportscar Championship com um novo projeto: o Rondeau M382, concebido para ser uma sombra incômoda aos Porsche 956 e Lancia-Ferrari LC1. A campanha da equipe começou bem: nos 1000 km de Monza, vitória para o carro tripulado por Giorgio Francia e Henri Pescarolo. Ainda houve um carro particular inscrito por Christian Bussi/François Sérvanin, que ficou pelo meio do caminho na disputa.

Nas 6 Horas de Silverstone, Pescarolo andou com Gordon Spice, que conhecia bem a pista britânica. A dupla largou em nono lugar e chegou em quinto, 13 voltas atrás do Lancia de Riccardo Patrese/Michele Alboreto. Veio a terceira etapa, os 1000 km de Nürburgring e quem assumiu o volante do bólido francês foi Rolf Stommelen, outro que conhecia o Nordscheleife como a palma de sua mão. A dupla Pesca/Stommelen chegou em 2º no Inferno Verde, logo atrás do Lancia de Alboreto/Fabi/Patrese.

A quarta etapa do WSC foram as 24h de Le Mans. Ironicamente, um velho M379C, baseado no primeiro carro construído por Jean Rondeau, foi o melhor representante do piloto-construtor na pista. O carro de Pierre Yver/Bruno Sotty/Lucien Guitteny salvou um honroso 10º lugar numa corrida dominada amplamente pelos Porsche 956. Christian Bussi/Bernard de Dryver/Pascal Wittmeur concluíram em décimo-quinto num Rondeau M382 não oficial. Os outros quatro carros inscritos abandonaram, entre eles o #24 de Henri Pescarolo/Jean-Pierre Jaussaud, cujo motor quebrara após 111 voltas completadas.

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Nos 1000 km de Spa-Francorchamps, Jean Rondeau voltou ao volante de sua criação para ajudar Jaussaud e Pescarolo. Não adiantou muito: o trio chegou em 8º lugar na geral e quinto no Grupo C, doze voltas atrás dos vencedores Jacky Ickx/Jochen Mass, a bordo de um Rothmans Porsche 956. A equipe não disputou a etapa de Mugello, na Itália e o M382 reapareceria na penúltima corrida do WSC em Fuji, no Japão, com as cores da Italya Sport e Thierry Boutsen na dupla com Pescarolo: largaram em 5º, mas acabaram fora da disputa após 180 voltas. Em Brands Hatch, nenhum Rondeau competiu.

O construtor francês considerou-se prejudicado na luta pelo título do Mundial de Marcas contra a Porsche, pelo seguinte motivo: nos 1000 km de Nürburgring, foram considerados os pontos conquistados por um modelo do construtor alemão inscrito no Grupo B e que terminara em 9º lugar na ocasião.

Tendo feito os 20 pontos do primeiro lugar, pois os carros dos Grupos 5 e  6 não competiam no Mundial de Marcas, os franceses tinham todo o motivo de reclamar, pois o segundo Grupo C naquela corrida foi o Ford C100 de Klaus Ludwig/Manfred Winkelhock, que nem a quadriculada viu. Não houve conversa: a Porsche foi mesmo declarada campeã por cinco pontos de vantagem (75 a 70) e Jean Rondeau retirou sua equipe do WSC. O patrocinador, a Otis, foi junto.

Apesar deste arranca-rabo, Jean Rondeau tinha muito crédito e a Ford da França resolveu entrar de sola patrocinando o ambicioso projeto do construtor francês para tentar mais uma vez derrotar a Porsche nas 24 Horas de Le Mans de 1983.

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O modelo Rondeau M482, concebido para aquele ano, é até hoje um dos mais impressionantes Esporte-Protótipos já projetados. Com soluções inteligentes de aerodinâmica, se notabilizava também pela insólita seção traseira. Vista de frente, formava um W invertido. Era um carro avançado para a época. Talvez até demais.

Três novos carros com o motor Ford Cosworth DFL de 3,9 litros foram concebidos para a empreitada: o #24 foi alinhado para Henri Pescarolo/Thierry Boutsen, o #25 ficou com Philippe Streiff/Jean-Pierre Jaussaud e o próprio Jean Rondeau voltava ao volante a bordo do #26, partilhado com Alain Ferté. Os carros mais antigos também estavam presentes: havia ainda três bólidos M382 e um vetusto M379C, de equipes particulares, sendo que um dos M382 era do time de Jean Rondeau.

A luta contra os Porsche 956 e os Lancia LC2 foi inglória. Desde os treinos classificatórios os resultados dos novos Rondeau M482 foram apenas razoáveis e o melhor grid foi um 16º lugar, com Boutsen/Pescarolo. A corrida foi um desastre completo: num espaço de tempo de sete horas, os sete protótipos Rondeau quebraram. O último foi justamente o de Boutsen/Pescarolo, alijado da disputa após completar 174 voltas.

A Ford da França se viu pressionada a pôr um fim no apoio ao projeto de Esporte-Protótipo da Rondeau por exigência vinda de Detroit, na matriz. A própria Ford já dispendia um caminhão de dinheiro no projeto do C100 em parceria com a Zakspeed e não via sentido em ver na pista dois carros com motores da companhia concorrendo um contra o outro. Assim, a trajetória de Jean Rondeau dentro dos Grupo C chegava irremediavelmente ao fim. Como compensação, Jean Rondeau recebeu a chancela da Ford para construir monopostos de Fórmula Ford do Campeonato Francês da categoria nos dois anos seguintes – 1984 e 1985.

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Mas o piloto-construtor não romperia totalmente os laços com as 24 Horas de Le Mans: ele dividiu o comando do Porsche 956 #26 da equipe de Preston Henn com o estadunidense John Paul Jr. e chegou nada menos que em 2º lugar na edição da prova em 84. No ano seguinte, foi 17º na geral e 13º no Grupo C1, pilotando um WM Secateva-Peugeot P83B em companhia dos compatriotas Michel Pignard e Jean-Daniel Raulet, a convite de Gerard Welter, que quase fora seu parceiro de projeto na Inaltera.

Ironicamente, foi como se fosse o fechamento de um ciclo de Jean Rondeau nos Esporte-Protótipos, pois a 27 de dezembro de 1985, quando o contrato do construtor com a Ford já tinha sido expirado para a concepção de chassis monopostos, o carro em que Jean viajava foi pego em cheio por um trem numa passagem de nível, próxima a Champagné. Terminava assim, de forma trágica, uma vida marcada por uma incontida paixão pelo automobilismo. A notícia da morte do piloto-construtor foi divulgada até nos EUA, como visto aqui.

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Apesar da morte de Jean Rondeau, suas criações ainda continuaram nas pistas por alguns anos. Em 1985, alinharam quatro carros Rondeau por equipes particulares nas 24 Horas de Le Mans, tendo sido o melhor deles um velho M382 para Bruno Sotty/Jean-Claude Justice/Patrick Oudet, em 18º lugar na geral e décimo-quinto no Grupo C1. No ano seguinte, foram três na pista, com dois na quadriculada – 13º lugar geral para Jean-Philippe Grand/Jacques Goudchaux/Marc Menant num M482 da Graff Racing. Nos anos seguintes, somente um carro inscrito em cada e o melhor resultado foi o décimo-segundo posto de Jean-Philippe Grand/Gaston Rahier/Jacques Terrien em 1987.

A partir daquele mesmo ano, aliás, a Federatión Française du Sport Automobile (FFSA) instituiu o “Prêmio Jean Rondeau” para eleger o melhor piloto jovem da França no esporte a motor. Nomes como os de Emmanuel Collard, Franck Montagny e Sébastien Bourdais fizeram jus ao galardão.

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