40 anos do bi, parte XV – GP dos EUA de 1974

250a
O pôster promocional da decisão do campeonato. Notem que o GP dos EUA pagava os melhores prêmios para os pilotos: a dotação em 1974 era de US$ 300 mil

RIO DE JANEIRO – A hora da decisão do Mundial de Fórmula 1 de 1974 chegou: no fim de semana de 6 de outubro, há 40 anos, Emerson Fittipaldi, Clay Regazzoni e Jody Scheckter estavam no circuito novaiorquino de Watkins Glen, nos EUA, para disputar o título de pilotos. O brasileiro e o ítalo-suíço chegavam empatados em pontos – 52, com Fittipaldi tendo ganho três provas (Brasil, Bélgica e Canadá) dentre as 14 anteriormente disputadas e Regazzoni apenas uma, na Alemanha. Scheckter, com sete pontos a menos que os rivais e vitórias na Suécia e Inglaterra, corria por fora.

A pista de 5,435 km de extensão presenciara, no ano anterior, a despedida de Jackie Stewart das pistas, totalmente ensombrada pela trágica morte de François Cévert. Desta vez, os organizadores tinham certeza que o clima seria mais festivo – mesmo com a constatação que os perigos da precária segurança passiva do circuito de Glen ainda não tinham sido totalmente eliminados.

Desta vez, o GP dos EUA seria marcado por outras despedidas: o neozelandês Denny Hulme, aos 39 anos, faria sua última prova da carreira. Quem também pretendia abandonar a Fórmula 1 era Jean-Pierre Beltoise, que com 37 anos já estava cansado da categoria e da BRM. Só que o francês nem teve como fazer sua despedida de fato: ele acidentou-se durante os treinos classificatórios, machucou o joelho direito e, sem carro reserva, ficou de fora da corrida.

Dentre os 30 inscritos, a única novidade era a participação do neozelandês Tim Schenken, na malfadada Lotus 76 que Peterson e Ickx julgavam pouco competitiva. E o carro era mesmo ruim: Schenken sequer se classificou para a corrida. Além dele, Hans-Joachim Stuck e Ian Ashley não puderam participar da última prova do campeonato.

USGPReutemannHunt74001
Carlos Reutemann e James Hunt dividiram a surprendente primeira fila do grid da última prova de 1974

Na qualificação, surpresas: o argentino Carlos Reutemann estabeleceu a pole position com o tempo de 1’38″978, média de 197,680 km/h. Em segundo, o britânico James Hunt, no melhor momento dele com a Hesketh naquela temporada. E logo a seguir, o ídolo local Mario Andretti, em excelente performance naquela que era somente a segunda aparição do Vel’s Parnelli VPJ na Fórmula 1.

José Carlos Pace, que no domingo da corrida decisiva do campeonato comemoraria seu 30º aniversário, também estava confiante: fez o 4º tempo, a apenas 0″306 da pole de Reutemann. Niki Lauda ficou com o quinto tempo e o melhor dos postulantes ao título de campeão foi Jody Scheckter, com a sexta colocação.

emerson_fittipaldi___john_watson__usa_1974__by_f1_history-d5nay0q
No grid, Emerson largou em oitavo, logo à frente de Regazzoni e ao lado do irlandês John Watson, da equipe John Goldie Racing with Hexagon

Os grandes rivais da decisão – Emerson Fittipaldi e Clay Regazzoni – se classificaram bem próximos no grid. O brasileiro não estava contente com o desempenho de sua McLaren M23. Tanto que ficou com o oitavo tempo – 1’39″538, a cerca de meio segundo da pole position. Rega não estava menos infeliz que o brasileiro. Sem conseguir extrair o potencial da 312 B3 – e ainda por cima com o motor estourado durante a sessão classificatória, o que encharcou a pista de óleo – o piloto ficou em nono, a 0″622 de Reutemann.

No fim do treino, Emerson procurou o adversário para uma conversa e viu que Regazzoni não conseguia esconder o nervosismo. A direção de prova reuniu todos os pilotos autorizados para a largada e advertiu:

“Senhores, a decisão do campeonato será entre Emerson e Regazzoni. Não atrapalhem e nem prejudiquem os dois”.

Era um lembrete de que, em caso de bloqueio de Lauda contra Fittipaldi e Mass ou Hulme contra Rega, seriam tomadas providências imediatas.

Na véspera do domingo, 6 de outubro, o brasileiro confessou ter tido um sono bastante agitado. Movido pela ansiedade, Emerson pouco dormiu. Em contrapartida, Regazzoni admitiu, tempos depois, que seu caráter não lhe permitia apenas e tão somente pensar no título e dormiu profundamente do sábado para o dia seguinte.

O circuito de Watkins Glen estava ensolarado no momento em que os carros ganharam a pista para o alinhamento. Mas fazia frio, como aliás durante todo o fim de semana. E no alinhamento, os mecânicos da Vel’s Parnelli verificaram problemas no motor do carro de Mario Andretti, que assim não participou da corrida. O francês José Dolhem, que estava como primeiro reserva, foi assim autorizado a largar.

Quando a placa de um minuto para a bandeirada subiu, o motor da Tyrrell de Jody Scheckter não pegava, o que aumentou ainda mais a tensão que já se sentia no ar. Ted Hopkins, com seu indefectível charuto na boca, terno cor-de-rosa e camisa roxa (que figura, hein…) deu a largada.

Os motores rugiram para o começo das 59 voltas previstas e Reutemann partiu muito bem, com Hunt em segundo e Pace ganhando a terceira posição. Fittipaldi e Regazzoni ganharam posições de John Watson, mas o brasileiro não sabia que a primeira volta seria a mais dura de todo aquele campeonato de 1974.

“O primeiro minuto do GP dos EUA foi um dos mais longos da minha vida”, confessou Emerson na reportagem da revista Quatro Rodas, publicada em novembro daquele mesmo ano. “Nesse minuto, Clay Regazzoni esteve atrás de mim, na minha frente e ao meu lado. Por duas vezes me fechou, perigosamente, em linha reta”, afirmou.

“Como a rotação do motor estava muito baixa para a segunda marcha e o carro muito pesado, com tanques cheios, engatei a primeira, correndo por dentro ao lado de Regazzoni, sempre com medo de levar uma batida por trás. Mas olhei pelo retrovisor e não vi ninguém muito perto. Então concentrei-me em Regazzoni. Foi bom eu estar atento, porque numa subida ele me deu um ‘chega pra lá’ e me apertando contra o acostamento, para fora da pista. Como estávamos lado a lado e percebi que ele estava me fechando, tirei o pé do acelerador”, disse o brasileiro na mesma reportagem.

“Mas ao fim da primeira volta, consegui passar e me adiantei um pouco, mantendo a linha preferencial para a tomada de curva. Entrei primeiro na curva e quando saí, olhei pelo espelho retrovisor e percebi que ele ficava para trás. Não pensei que se atrasasse tanto: ele perdeu velocidade numa curva em terceira, a mais ou menos 180/190 km/h e quando completei a primeira volta ele estava uns 100 metros para trás. Imaginei que errara a mudança de marcha em alguma curva e logo se aproximaria”, contou o piloto da McLaren.

Entretanto, Regazzoni nunca mais incomodou Emerson. O suíço não tinha o rendimento adequado em sua Ferrari e enquanto o brasileiro começava a receber a surpreendente pressão do italiano Arturo Merzario, com o Iso-Marlboro andando bem no início, Rega ficava mais e mais para trás. Na 14ª volta, quando era o décimo-primeiro colocado, parou nos boxes queixando-se de instabilidade na sua 312 B3. Os mecânicos, tão tensos quanto seu piloto, trocaram apenas um pneu da Ferrari e Rega voltou à disputa muito atrasado. Com 16 voltas, ele era o vigésimo colocado.

dd66331fc4a93b911b713b91bf471bc0
O austríaco Helmut Koinigg, de apenas 25 anos na época, sofreu um acidente fatal com seu Surtees na nona volta. Em respeito aos leitores do blog, não publicaremos as fotos do acidente

Nesse interregno, um acidente marcou o GP dos EUA. O austríaco Helmut Koinigg, que fazia sua segunda prova de Fórmula 1 pelo Team Surtees, perdeu o controle de seu TS16 na décima volta, quando vinha na 21ª posição. Seu carro passou por baixo do guard-rail e o piloto de apenas 25 anos foi decapitado pela lâmina da barreira de proteção. Morte instantânea – a segunda consecutiva apenas em Watkins Glen e mais uma entre as tantas que aconteceram na Fórmula 1 em tempos de segurança precária nos circuitos.

250
Com um carro ruim e instável, Regazzoni, que confessou ter dormido “profundamente” na véspera da corrida, viveu um dia infernal no GP dos EUA: quatro voltas atrasado, acabou em décimo-primeiro.

Vida que segue, a corrida prosseguiu normalmente. Com Regazzoni muito atrasado e sem mais nenhuma condição de brigar pelo título, Fittipaldi continuou na pista, pensando nos pontos suficientes para derrotar o rival, desde que Scheckter, que estava à sua frente, em quinto, não ganhasse. Mas para o sul-africano a tarefa da vitória era complicada: Reutemann, Hunt e Pace, os três primeiros, tinham desempenho excelente em Glen. E Lauda era o quarto colocado, também com bom rendimento.

De repente, o austríaco da Ferrari ficou para trás. Scheckter o passou na 24ª volta e Emerson, logo depois. Mas o brasileiro tinha mais com o que se preocupar. Merzario, que nada tinha a perder, não desgrudava da McLaren #5, tentando roubar de Fittipaldi a quinta colocação. Mas os acontecimentos a seguir decidiriam o destino do campeonato.

Ao mesmo tempo em que o italiano abandonava com um insólito problema no extintor de incêndio de seu Iso-Marlboro, Scheckter também dava adeus às suas esparsas chances de título. Um vazamento de óleo provocou a saída da Tyrrell #3 da pista e o sul-africano bateu no guard-rail, abandonando a prova e deixando Emerson em 4º lugar, atrás de Reutemann, Hunt e Pace.

20120317-25 José Carlos Pace capacete em 1974 - Cópia
José Carlos Pace fez uma grande corrida e chegou em 2º com a Brabham. Notem a diferença entre o capacete usado nos treinos, à esquerda, e o da corrida

Aliás, no dia de seu aniversário, Moco fez uma corrida sensacional, a melhor dele até então na Fórmula 1. Além de marcar a volta mais rápida em prova – 1’40″608 – o brasileiro da Brabham ultrapassou e despachou James Hunt. Conquistou a segunda posição depois de uma atuação brilhante em Watkins Glen. Um presente e tanto.

A melhor história desse pódio, aliás, foi contada pelo próprio Pace. Ele estava no hotel, descansando dos treinos quando teria visto seu pai – Angelo Pace, falecido – dando-lhe um recado. “A seta apontada para baixo em seu capacete atrapalha, filho. Livre-se desse peso”. Certo é que Moco atendeu o “conselho” paterno. Com uma gilete, raspou as laterais da seta e modificou o desenho de seu casco. Contente, apontava o capacete com visual novo no grid. “Está tudo aqui”. E não é que estava?

moremsportshistory
Com toda a calma do mundo, Emerson Fittipaldi, aos 27 anos de idade, conquistava o bicampeonato mundial de Fórmula 1

Carlos Reutemann chegou à terceira vitória dele em 1974 após pouco mais de 1h40min. Mas faltava o campeão. E cerca de um minuto e dezessete segundos após o argentino, Emerson Fittipaldi apontou na reta de chegada com a McLaren M23 para se tornar bicampeão mundial de Fórmula 1.

Nos boxes, muita festa de Teddy Mayer, Tyler Alexander, do projetista Gordon Coppuck, do chefe de mecânicos Alastair Caldwell e dos demais membros do time. Não só Emerson se consagrava campeão em seu primeiro ano no time britânico, como também a McLaren levava o título mundial dos Construtores, pela primeira vez em sua história. A equipe somou 73 pontos em 15 etapas, oito a mais que a Ferrari, que amargou o vice-campeonato.

74usa12
A festa merecida do Rato no pódio

Assediado como nunca, Fittipaldi quebrou o protocolo e juntou-se à festa de Reutemann, Pace e Hunt no pódio. Trabalhando para a rede estadunidense de televisão ABC, da qual era comentarista e eventualmente repórter, Jackie Stewart entrevistou o mais novo bicampeão na passagem simbólica do cetro de campeão do mundo. O Vesgo e o Rato se abraçaram e Stewart diria depois:

“A Ferrari tinha o melhor carro do ano. Mas a McLaren tinha o piloto mais inteligente. E por isso venceu o campeonato”.

Sábias palavras.

E obrigado, Emerson, por todas essas emoções revividas aqui. A série “40 anos do bi” chega ao fim. Foi uma delícia contar a história de cada uma das 15 corridas daquele ano histórico aqui no blog. Espero que vocês, leitores, tenham gostado.

O resultado final:

1º Carlos Reutemann (Brabham), 59 voltas em 1h40min21seg439, média de 191,714 km/h
2º José Carlos Pace (Brabham), a 10seg735
3º James Hunt (Hesketh), a 1min10seg784
4º Emerson Fittipaldi (McLaren), a 1min17seg753
5º John Watson (Brabham), a 1min25seg804
6º Patrick Depailler (Tyrrell), a 1min27seg506
7º Jochen Mass (McLaren), a 1min30seg012
8º Graham Hill (Embassy-Lola), a uma volta
9º Chris Amon (BRM), a duas voltas
10º Jean-Pierre Jarier (Shadow), a duas voltas
11º Clay Regazzoni (Ferrari), a quatro voltas
12º Rolf Stommelen (Embassy-Lola), a cinco voltas
13º Mike Wilds (Ensign), a nove voltas (não classificado)
14º Tom Pryce (Shadow), a doze voltas (não classificado)

Não completaram:

15º Ronnie Peterson (Lotus), 52 voltas (condutor de gasolina)
16º Jody Scheckter (Tyrrell), 44 voltas (vazamento de óleo)
17º Arturo Merzario (Iso-Marlboro), 43 voltas (extintor de incêndio)
18º Niki Lauda (Ferrari), 38 voltas (suspensão)
19º Jacques Laffite (Iso-Marlboro), 31 voltas (semi-eixo)
20º Mark Donohue (Penske), 27 voltas (suspensão)
21º José Dolhem (Surtees), 25 voltas (retirou-se)
22º Vittorio Brambilla (March), 21 voltas (injeção de combustível)
23º Helmut Koinigg (Surtees), 9 voltas (acidente fatal)
24º Denny Hulme (McLaren), 4 voltas (motor)

Desclassificados:

Tim Schenken (Lotus), por não estar autorizado a largar e Mario Andretti (Parnelli), por largar empurrado

Volta mais rápida: José Carlos Pace, na 54ª – 1’40″608, média de 194,478 km/h

Classificação final do Mundial de Pilotos:

1. Emerson Fittipaldi – 55 pontos; 2. Clay Regazzoni – 52; 3. Jody Scheckter – 45; 4. Niki Lauda – 38; 5. Ronnie Peterson – 35; 6. Carlos Reutemann – 32; 7. Denny Hulme – 20; 8. James Hunt – 15; 9. Patrick Depailler – 14; 10. Mike Hailwood e Jacky Ickx – 12; 12. José Carlos Pace – 11; 13. Jean-Pierre Beltoise – 10; 14. Jean-Pierre Jarier e John Watson – 6; 16. Hans-Joachim Stuck – 5; 17. Arturo Merzario – 4; 18. Graham Hill, Vittorio Brambilla e Tom Pryce – 1.

Classificação final do Mundial de Construtores:

1. McLaren – 73 pontos; 2. Ferrari – 65; 3. Tyrrell – 52; 4. Lotus – 42; 5. Brabham – 35; 6. Hesketh – 15; 7. BRM – 10; 8. Shadow – 7; 9. March – 6; 10. Iso-Marlboro – 4; 11. Surtees – 3; 12. Embassy-Lola – 1.

Comentários

  • Valeu Rodrigo, por esse belíssimo post de toda a temporada de 1974. Pena que o nosso bi-campeão abriu mão de outras vitórias e de mais títulos para tentar realizar um sonho ser campeão mundial com seu próprio carro. Pelo que você descreveu foi uma das mais duras temporadas.
    Assim com o Wallace postou em seu comentário foi mesmo uma bela coincidência nossos maiores nomes no automobilismo nos anos 1970 terem o dia 6 de outubro como uma data especial.
    Começo agora a contar os dias para o post da temporada de 1987 quando Piquet conquistou seu primeiro tri-campeonato.
    Valeu Rodrigo

  • Muito legal a série!
    Me lembro bem dessa corrida, foi tensa, nessa época os carros tinham muitas quebras e problemas mecânicos, daí enquanto a corrida não acabava a gente ficava ali pregado na frente da tv. Fora que o narrador e comentaristas não tinham computador, daí as informações eram precárias; o que a imagem não mostrava (e eram poucas câmeras), a gente demorava prá saber, ou até ficava sem saber. O acidente do Helmut Koinigg, pelo que me lembro, só foi noticiado depois da corrida.

  • Rodrigo,

    Novamente, PARABÉNS pelo maravilhoso trabalho feito. Já havia adorado a série dos 30 anos do segundo título do Nelson Piquet, mas os 40 anos do bi do Emmo foram fantásticos.

    Leio seus textos há muito tempo e garanto que visualizei cada uma das 15 etapas da temporada de 1974 como se eu estivesse acompanhando pelo rádio ou vendo pela Tv.

    Espero que continue contando como foram títulos históricos e corridas históricas também. Sua coluna sobre a conquista do Rato em Indianápolis 1989 foi sensacional também, e todo este conteúdo sobre as conquistas de Piquet e Emmerson deveriam virar um livro! (PENSE NISSO!!!)

    Um grande abraço e obrigado por tudo!

  • Valeu Mattar !!
    Nós é que agradecemos sua dedicação, sua busca pela história do melhor piloto que o Brasil já teve. Fittipaldi é, antes de tudo, caráter.
    Abrax !!

  • Grato por narrar este título histórico. E cada fera que correu contra o Emerson! Peterson, Reutemann, Regazzoni, Lauda, Scheckter.
    Agora olhando os construtores que pontuaram no mundial dá uma certa tristeza.
    De doze só sobraram McLaren, Ferrari e Iso-Marlboro (antecessora da Williams). O restante se perdeu no meio do caminho. Não falem de Lotus, eles não conseguiram emular o espírito de Chapman, Warr, etc.

  • Valeu Rodrigo, nós agradecemos também a você por essa série que nos fez viver aquela temporada. Muito legal a história do Pace, não conhecia. E o título do Emerson é de emocionar, épico.