Equipes históricas – Copersucar-Fittipaldi, parte II

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O Copersucar-Fittipaldi FD04 ganhou o reforço de ninguém menos que o bicampeão Emerson Fittipaldi para a temporada de 1976

RIO DE JANEIRO – A segunda parte da história da Copersucar-Fittipaldi começa ainda em 1975, no primeiro ano de criação do time brasileiro. Wilsinho já estava decidido a abandonar o cockpit e a atividade de piloto de Fórmula 1 para ser o diretor geral da equipe, supervisionando o trabalho de Jo Ramirez como chefe de equipe e de Ricardo Divila na engenharia e projetos.

Numa tarde de novembro, em São Paulo, estavam reunidos o Barão Wilson Fittipaldi e o próprio Wilsinho com o presidente da Copersucar, Jorge Atalla. O patrocínio já estava mais do que renovado para 1976. Faltava, então, decidir o piloto que guiaria o novo carro que Divila tinha projetado. Na reunião, deu-se o seguinte diálogo:

“E o Emerson?”, perguntou Atalla.

“Está livre”, garantiu o Barão, ciente de que o bicampeão não tinha renovado seu contrato com a McLaren.

“Quanto ele ganha na McLaren?”, tornou a perguntar Atalla.

“500 mil dólares anuais”, afirmou Wilsão.

“Nós pagamos. Telefone para ele”, definiu o presidente da Copersucar.

“Pai, e se essa merda não andar, hein?”, perguntou Wilsinho, tremendo de emoção.

Trocando em miúdos: Emerson era da Copersucar – no que dependesse, é claro, da vontade de Atalla. Faltava combinar com o próprio bicampeão, que já mostrara, com um brilho nos olhos, o desejo de guiar o Fórmula 1 brasileiro, na fase inicial de construção do carro.

“Nessa barata aí eu teria vontade de sentar, sabe?”, segredou o Rato ao Tigrão.

Wilsinho fez saber a Emerson o conteúdo da reunião e que a Copersucar-Fittipaldi contava com ele para a temporada de 1976. O bicampeão respondeu com um sonoro “Topo!”, mas o irmão mais velho deu um prazo para que ele pensasse os riscos da decisão.

Foi aí que em 14 de novembro de 1975, Emerson Fittipaldi abalou as estruturas da Fórmula 1 ao confirmar para Teddy Mayer que deixava a McLaren para se unir definitivamente no sonho de uma equipe brasileira, com o peso de um bicampeão do mundo, detentor de 14 vitórias e de uma carreira sem qualquer contestação até aquela data. Emerson era um dos melhores pilotos da categoria, disso ninguém tinha dúvidas. A Copersucar, na opinião de muitos, passaria do papel de figurante a candidata a vitórias. Mas havia muito trabalho pela frente…

Entrementes, a equipe também deu oportunidade a um jovem piloto brasileiro: aos 22 anos, Ingo Hoffmann teve, ao fim da temporada de 1975, a chance de testar o Copersucar-Fittipaldi FD03 no circuito inglês de Silverstone. Ingo vinha de uma temporada bastante boa em seu primeiro ano de F-3 inglesa e já era observado com bastante atenção por Wilsinho desde o tempo da Fórmula Super Vê, categoria brasileira criada em 74. Naquele ano, Ingo fez a pole position em todas as corridas da temporada, mostrando rápida adaptação aos monopostos (seu início no automobilismo foi no Festival do Ronco, com um prosaico Fusca) e muita velocidade.

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Ingo fez um ótimo teste com o FD03 em Silverstone e foi contratado como segundo piloto e eventual reserva de Emerson Fittipaldi

Como prévia para o teste de F-1, o “Alemão” andou de Fórmula 5000, categoria com monopostos de potência semelhante, mas de constituição e construção mais espartana. E saiu-se muito bem: com o tempo de 1’20″9, ficou a apenas um segundo do tempo de classificação de Emerson Fittipaldi a bordo do McLaren M23 para o GP da Inglaterra daquele ano. O treino, acompanhado pelo bicampeão e por Wilsinho foi decisivo: Ingo estava contratado como segundo piloto e reserva do time, pelo prazo de três anos – no qual ele poderia concentrar seus esforços numa categoria de acesso, como a Fórmula 2.

Para 1976, Ricardo Divila projetou e concebeu em conjunto com seu auxiliar Odilon Costa um carro que, segundo Emerson, guardava semelhanças com o Shadow DN5, o Tyrrell 007 e o Lotus 72. Esse novo bólido seria, no mínimo, 25 kg mais leve que o FD03, com uma suspensão dianteira redesenhada e a traseira seguindo o modelo de 1975.

O lançamento do Copersucar-Fittipaldi aconteceu no Autódromo de Interlagos. Emocionados, Emerson e Wilsinho revelaram o novo bólido – que era realmente muito bonito. De linhas harmoniosas, frente agressiva e tomada de ar alta (como mandava o regulamento em vigor até maio), o FD04 em nada lembrava o FD01 e seus modelos subsequentes. Assim que entrou no circuito para o primeiro teste, Emerson não escondia o entusiasmo.

“O Copersucar é sensacional. A estabilidade é ótima e ele tem uma sensibilidade e uma transmissão de potência para as rodas traseiras que eu não vi em nenhum Fórmula 1”, afirmou o bicampeão em matéria da revista Quatro Rodas, publicada em fevereiro. Os treinos de pré-temporada foram bastante animadores e Emerson conseguiu o melhor tempo do circuito em caráter extra-oficial. Até Clay Regazzoni, que assistiu aos treinos do FD04, elogiou o bólido brasileiro. “Já nasceu bom. Pode dar trabalho à Ferrari”, afirmou ao manager de Emerson, o português Domingos Piedade.

A imprensa internacional, que não poupou críticas ao Rato por trocar a McLaren por um projeto com menos de um ano e meio de vida, voltou atrás e se derramou em elogios após o ótimo desempenho de Emerson a bordo do FD04. Um jornalista da Motoring News prometeu – e cumpriu – comer uma papeleta de marcação de tempos se visse Emerson veloz a bordo do Copersucar e a Autosport, que bateu no bicampeão sem dó, deu uma trégua no massacre.

Para o GP do Brasil, que abria o campeonato de 1976 em 25 de janeiro, a Copersucar-Fittipaldi alinharia pela primeira vez dois carros: o FD04 para Emerson e o FD03, mais antigo, para o estreante Ingo Hoffmann. E foi com grande responsabilidade e toda a torcida brasileira que o bicampeão fez sua estreia oficial pela equipe.

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Emerson chegou a marcar o 3º tempo nos treinos do GP do Brasil, largou em quinto, chegou ao quarto posto, mas uma falha na injeção de gasolina tornou sua corrida um tormento

Logo no primeiro dia de treino, o FD04 mostrou um desempenho impressionante: Emerson foi o terceiro mais rápido com 2’33″33, a apenas dois décimos da ultradesenvolvida Ferrari de Clay Regazzoni e a sete décimos da marca de Lauda. Entre os carros 100% novos, dentre os quais havia ainda o Ligier JS5 (equipe estreante na F-1), a Lotus 77, o Brabham BT45, a Williams FW05 e o March 761, o bólido brasileiro era disparado o melhor. O bicampeão não melhorou o tempo da primeira sessão, mas nem podia – nem devia – reclamar: o 5º lugar no grid, a oito décimos da impressionante pole position conquistada por James Hunt, era excepcional.

Ingo sabia que todas as atenções da equipe e dos torcedores estavam voltadas para Emerson e, despreocupado com tudo isso, fez um bom trabalho considerando as circunstâncias: virou em 2’40″35 na sua melhor volta em classificação e ficou com o vigésimo tempo, mais veloz que o britânico Ian Ashley e a italiana Lella Lombardi.

Dada a largada sob um sol de rachar catedrais, Fittipaldi conseguiu uma largada fantástica e chegou à curva 1 em quarto lugar. Mas logo na primeira volta, o motor Ford Cosworth do FD04 começou a apresentar um inesperado problema com o sistema de injeção de gasolina. Com isso, o bicampeão passou a primeira volta em oitavo, desapontando o imenso público que vibrara com sua arrancada inicial.

O motor não respondia como Emerson gostaria e o piloto foi perdendo terreno à medida que a prova avançava. Ele ainda passou em 7º na segunda volta, mantendo-se à frente das duas Tyrrell de Jody Scheckter e Patrick Depailler, mas aí as falhas se tornaram mais e mais constantes. Por várias vezes, o carro morria na curva 2 e quase parava na Ferradura. Sem poder fazer muito, Emerson caiu para 11º e, quando o problema não se manifestava, o carro virava bem e o bicampeão voltou a ocupar o 8º lugar entre a 14ª e 15ª passagens.

Pura ilusão: o FD04 praticamente se arrastava no miolo do circuito e a segunda metade do GP do Brasil foi um pesadelo para a equipe Fittipaldi. Furioso com o problema e feliz com a establidade do carro, Emerson nada podia fazer e já estava em décimo-quarto quando resolveu parar no boxe para trocar a caixa elétrica, achando que o problema era uma pane no sistema elétrico do carro. Não resolveu nada e, como efeito, Emerson chegou num frustrante 13º posto, três voltas atrasado.

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Ingo Hoffmann estreou com um convincente 11º lugar: melhor que o “patrão”…

Ingo fez sua melhor volta na prova logo no início e, ciente de suas poucas possiblidades, fez uma corrida honesta. Acabou em 11º lugar, atrás de José Carlos Pace, outro que também não teve um fim de semana dos mais felizes a bordo de sua nova Brabham com motor Alfa Romeo de 12 cilindros opostos. Ciente de que fizera o que estava a seu alcance, o “Alemão” deixou o velho FD03 ovacionado pela torcida.

A segunda prova do campeonato aconteceu em Kyalami, no GP da África do Sul. E todo o otimismo mostrado na estreia do FD04 esvaneceu-se assim que o carro riscou o asfalto do circuito próximo a Johanesburgo. Emerson fez o tempo de 1’18″40, 21º de um grid de 25 pilotos e a dois segundos e três décimos da pole de James Hunt. Para seu consolo, a Lotus, com o novo modelo 77, experimentava a humilhação do 23º tempo de Bob Evans, que substituía Mario Andretti e a última posição de Gunnar Nilsson, estreante sueco contratado para o posto de Ronnie Peterson.

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Fittipaldi alcançou a 9ª posição no decorrer do GP da África do Sul, mas o motor de seu carro quebrou

Apesar do mau desempenho na classificação, Emerson progrediu volta após volta com o Copersucar. O bicampeão fez a décima volta mais rápida da disputa, provando que o carro em ritmo de corrida era bom. Tanto que chegou a alcançar a 9ª posição, logo atrás de Chris Amon, que regressava pela Ensign. Mas aí foi o motor que deu problema e Fittipaldi abandonou a prova.

No GP dos EUA-Oeste, que marcou a estreia do circuito urbano de Long Beach, na Califórnia, a Copersucar conseguiu enfim finalizar a construção do segundo chassi do FD04, que foi entregue a Ingo Hoffmann. Sem nenhum teste prévio, com zero de quilometragem, a equipe iria tentar qualificar mais uma vez os dois pilotos brasileiros.

Emerson teve que fazer tudo o que sabia e não sabia para levar o carro prateado #30 para o grid. Somente 20 pilotos de um total de 27 inscritos largariam e o bicampeão do mundo marcou 1’24″779 para conseguir a 16ª colocação. Ingo Hoffmann teve um desempenho excelente para quem nunca havia guiado numa pista de rua e por pouco não se qualificou com o segundo Copersucar. Virou em 1’25″557, somente oito décimos pior que Fittipaldi e apenas três décimos mais lento que o último colocado do grid, Gunnar Nilsson.

Aliás, Ingo chegou a comemorar que estava classificado – mesmo que em último – porque a cronometragem oficial chegou a colocá-lo como o 20º do grid. Constatou-se que os tempos estavam errados e veio a notícia fatal de que ele não largaria.

Emerson fez uma ótima largada, considerando sua posição difícil e passou a primeira volta em 14º. Mas logo depois, na terceira volta, levou uma batida do March 761 do alemão Hans-Joachim Stuck e rodou. Caiu para 15º, à frente somente do Penske PC3 do irlandês John Watson. E tratou de recuperar terreno: a prova teria 80 voltas e muita coisa poderia acontecer – principalmente batidas e quebras.

Com muita paciência, Emerson foi galgando posições. Passou o Ensign de Chris Amon e se beneficiou dos problemas da Brabham de José Carlos Pace e também do Surtees de Alan Jones. Ronnie Peterson, em sua segunda prova pela March, também se atrasou e na metade da corrida, com as quebras e batidas de praxe em circuitos de rua, Fittipaldi já era o 7º colocado.

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Com o 6º lugar no GP dos EUA-Oeste, Emerson conquistou o primeiro ponto da história da equipe brasileira

A partir da 57ª passagem, a última posição pontuável pertencia a Jean-Pierre Jarier, com o Shadow DN5. O francês resistiu o quanto pôde na sexta posição, mas cometeu um erro na antepenúltima volta e Fittipaldi, esperto, aproveitou para fazer a ultrapassagem. O 6º lugar, comemorado como uma vitória nos boxes da Copersucar, representou muito para a escuderia de Emerson e Wilsinho. A Copersucar-Fittipaldi passava a fazer parte da FOCA, a Associação dos Construtores de Fórmula 1.

“É a recompensa para o sacrifício de Wilsinho, Ricardo e dos mecânicos, porque ficaram trabalhando duro e sofrendo por dois anos. Esse ponto foi, de fato, uma vitória”, comentou Emerson em sua coluna na revista Quatro Rodas, publicada na edição de abril.

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Com problemas num cilindro do motor de seu carro, Ingo mal treinou para o GP da Espanha, em Jarama

Veio então o GP da Espanha, em Jarama. A corrida seria a primeira dentro do novo regulamento técnico da Fórmula 1, em que o periscópio dos motores era abolido em prol de uma altura mínima determinada pela FIA. Os dois Copersucar FD04 estavam novamente juntos numa mesma pista e Ingo Hoffmann teve um fim de semana para esquecer: vazava gasolina diretamente num cilindro pifado, provavelmente em decorrência de uma falha de mola de válvula ou do cabeçote do propulsor. A Copersucar recebera a unidade revisada pela própria Cosworth e mostrara o primeiro sinal de insatisfação com o construtor dos motores que levavam o nome da Ford.

Abrindo mão de treinar, Ingo automaticamente ficou de fora e permitiu assim a Emerson ter melhores possibilidades com dois carros à disposição. No entanto, o bicampeão não ficou satisfeito com nenhum deles e conseguiu apenas o 19º lugar no grid, a 2″19 da pole de James Hunt. Emerson largou com o carro reserva e conseguiu passar para décimo-sétimo. Mas o câmbio Hewland apresentou uma falha grave e na quarta volta ele foi obrigado a abandonar.

O GP da Bélgica era o quinto da temporada e aconteceria em Zolder, circuito travado e exigente para os freios dos Fórmula 1. E representaria, naquela altura dos acontecimentos, talvez a maior frustração de toda a carreira de Emerson Fittipaldi.

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Frustração: o bicampeão fica de fora pela primeira vez por deficiência técnica de uma prova de Fórmula 1

Usando molas de 600 libras de pressão em substituição as de 350 usadas em Jarama, Emerson não conseguiu extrair o melhor do Copersucar em estabilidade e aderência. O tempo foi passando nas sessões oficiais e nada do bicampeão melhorar seu desempenho. O máximo que Fittipaldi conseguiu foi marcar 1’29″81, cinco centésimos acima do tempo do estadunidense Brett Lunger, que corria com um Surtees. Humilhação total: pela primeira vez em sua trajetória vitoriosa nas pistas, Emerson ficava fora de uma corrida por deficiência técnica.

Se serve de consolo, Jacky Ickx, ídolo local, fez papel pior com o Williams FW05 e também não se classificou para a corrida de Zolder. Emerson, em sua coluna na Quatro Rodas, afirmou que a equipe partiria para a revisão dos motores com a Nicholson-McLaren para a prova seguinte, em Mônaco, e que também já estudavam alternativas para as temporadas seguintes. Como, por exemplo, a adoção de motores com turbocompressor.

“Sabemos que a Porsche pretende desenvolver um motor de 1,5 litro e que os franceses da Renault também estão desenvolvendo unidades com turbocompressor para a F-1. Mas eu acho que isso não resolverá nada a curto prazo”, contou o piloto. Inclusive, a imprensa brasileira veiculou o suposto interesse da Copersucar numa parceria com a Porsche que, como todos sabemos, nunca se concretizou.

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Após a desclassificação em Zolder, Emerson conseguiu um excepcional 7º posto em Monte-Carlo

Em Mônaco, a equipe brasileira esperava dar a resposta aos críticos e piadistas, que praticamente decretaram a Copersucar-Fittipaldi como um fracasso sem precedentes na história do automobilismo nacional. Mas, escaldado pela desclassificação em Zolder, Emerson não escondia sua apreensão. “Tinha muito medo em não me qualificar para a corrida”, revelou.

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Emerson conquistou o segundo ponto a bordo do FD04 nas ruas do Principado de Mônaco

Só que o desempenho do FD04 nas ruas de Monte-Carlo foi bem razoável: Emerson largou em 7º com o tempo de 1’30″39 e logo na primeira volta o bicampeão passava em sexto, melhorando para quinto na 27ª volta, quando Ronnie Peterson bateu com seu March, após passar na poça do óleo deixado pelo motor explodido do McLaren de James Hunt. Fittipaldi foi logo depois superado por Jacques Laffite e também por Hans-Joachim Stuck e Jochen Mass. Problemas de câmbio e freio minaram a performance do Rato e ele só voltou à zona de pontuação porque Clay Regazzoni e Jacques Laffite se acidentaram nas voltas finais. Com a conquista do segundo ponto na temporada após a frustrante experiência da Bélgica, o bicampeão se sentia vingado – palavras do próprio – de todas as críticas sofridas.

Entretanto, apesar dos dois pontos somados e dos desempenhos pouco animadores após o GP do Brasil, considerando-se que o Copersucar tinha um bicampeão do mundo a bordo, a Rede Globo não exibiu a prova seguinte, o GP da Suécia, em Anderstorp. Mesmo assim, o então diretor de esportes Pedro Luiz Paoliello reforçou o compromisso das transmissões das provas seguintes, condicionadas – claro – ao desempenho do carro brasileiro dali em diante.

A corrida escandinava durou muito pouco para o FD04. Emerson largou em 21º lugar a pouco mais de três segundos da pole e esteve entre os últimos – ou em último – até a décima passagem. Com sérios problemas de dirigibilidade, fruto de uma estabilidade deficiente e de pouquíssima aderência no traçado de Anderstorp, o piloto decidiu deixar a disputa.

Para o GP da França, marcado para Paul Ricard, a Copersucar-Fittipaldi fez um esforço hercúleo para alinhar seus dois carros. Colocou Ingo Hoffmann, que não guiava o FD04 desde o GP da Espanha e estava com a temporada de F-2 a todo vapor, para andar numa pista que não conhecia. Lógico que o “Alemão” não se classificou e a equipe, com toda razão, reconheceu não haver condições de dar um mínimo de competitividade ao segundo carro – se mal o primeiro tinha bom desempenho. E logo de quem era o primeiro carro…

Com a longa reta Mistral, de 1,8 km de extensão, a performance do Copersucar em relação aos times de ponta foi posta em dúvida. Emerson foi apenas o 21º colocado, mais de quatro segundos mais lento que a pole position de James Hunt. Enquanto deu, o bicampeão se manteve de forma honesta na pista francesa, chegando a alcançar o 16º lugar. Mas o motor Cosworth recondicionado na Nicholson-McLaren apresentou queda de pressão de óleo e o brasileiro desistiu após 20 voltas completadas.

Em Brands Hatch, no famoso e polêmico GP da Inglaterra ganho por James Hunt, que seria posteriormente desclassificado por desrespeitar a regra do uso do carro reserva após a primeira largada, anulada em razão de um acidente do qual o próprio Hunt fora protagonista, Emerson chegou ao terceiro ponto conquistado a bordo do FD04.

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O 7º lugar no GP da Inglaterra, em Brands Hatch, transformou-se no terceiro ponto de Emerson e do Copersucar, graças à desclassificação de James Hunt

Tudo isso após mais um treino complicado, no qual conseguira apenas a 21ª posição entre 26 pilotos. Na segunda largada, autorizada quase duas horas após o imbroglio da primeira, Fittipaldi passou em décimo-sétimo e pouco antes da metade da corrida, já estava em 11º. Com os problemas nos carros de Brett Lunger, Ronnie Peterson e Carlos Reutemann, sem contar a Lotus de Gunnar Nilsson, que abandonou quando era o quarto colocado, o bicampeão cruzou em sétimo – transformado em 6º nos tribunais com a desclassificação do vencedor.

Esta foi mais uma corrida que os telespectadores brasileiros ficaram sem acompanhar – não pela vontade da Rede Globo, mas sim porque a BBC considerava “de mau gosto” os patrocínios do Surtees de Alan Jones (os preservativos Durex) e do Hesketh de Guy Edwards (a revista erótica Penthouse). E tampouco o GP da Alemanha seria transmitido.

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Em respeito a Niki Lauda (em primeiro plano, de macacão vermelho), Emerson recusou uma oferta de Daniele Audetto para substituir o austríaco na Ferrari após o acidente do GP da Alemanha

A equipe tentava tudo para melhorar o desempenho do FD04 e até Maurice Phillipe, que ajudara Colin Chapman a conceber a lendária Lotus 72, foi chamado para colaborar com soluções que fizessem o carro evoluir. Mesmo assim, no GP da Alemanha o acerto do carro ainda estava longe do ideal e Emerson classificou-se em vigésimo para a corrida que aconteceria em 1º de agosto, no circuito de Nürburgring.

Chovera horas antes da largada e os pilotos, com exceção feita a Jochen Mass, partiram com pneus biscoito, próprios para pista molhada, sem saber se a pista estava totalmente seca ou não. A liderança de Mass, logo na primeira volta, provou que a troca dos pneus de chuva pelos slicks era a escolha certa, ainda que alguns pontos estivessem com poças d’água. Foi aí que aconteceu o tenebroso acidente de Niki Lauda, que bateu na curva Bergwerk com a quebra de um braço de suspensão traseira em sua Ferrari. Brett Lunger e Harald Ertl, que vinham a seguir, não conseguiram desviar do carro incendiado e a pista ficou bloqueada, interrompendo a disputa.

Lunger, Ertl e mais Guy Edwards e o italiano Arturo Merzario resgataram Lauda, que ardia em chamas e com gravíssimas queimaduras na cabeça. Emerson e John Watson também pararam para ajudar. E o brasileiro, mesmo com todos os acontecimentos, não só voltou para a segunda largada (ao contrário de Chris Amon) como também fechou a disputa em 13º lugar.

O mundo da Fórmula 1 estava em choque com o acidente e as condições críticas do austríaco, que estava num hospital em Manheim e até recebera a visita de um padre, que lhe dera a extrema-unção. Num ato de profunda insensibilidade, o diretor da Ferrari Daniele Audetto, que sucedera Luca Di Montezemolo na chefia executiva da equipe italiana, fez – no próprio hospital de Manheim onde muitos pilotos faziam vigília – um convite a Emerson para substituir Lauda a partir do GP da Áustria, visando o título do Mundial de Construtores. Considerando as circunstâncias e a amizade que unia o austríaco campeão de 75 ao brasileiro bicampeão em 72 e 74, Fittipaldi recusou a oferta. E não fora a primeira vez: em 1971, o próprio Enzo Ferrari o chamara para guiar F-1 e protótipos e o brasileiro não quis, pelo desejo de apenas e tão somente acelerar e ser campeão na F-1.

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O Copersucar-Fittipaldi FD04 melhorou um pouco quando Maurice Phillipe juntou-se à escuderia brasileira

Vida que segue e a categoria foi para a Áustria, no veloz circuito de Zeltweg. Emerson conseguiu o 17º lugar no grid e na metade da disputa, já estava em décimo-segundo – posição bastante razoável. Com a quebra da Brabham de Pace, que também atravessava uma temporada tão infeliz quanto a do compatriota, o Copersucar FD04 subiu uma posição e, na disputa com o perigoso “Gorila de Monza” Vittorio Brambilla, Fittipaldi acabou abalroado pelo March 761 e os dois bateram no guard-rail, não sem antes destruir uma porção de telas de proteção da curva Rindt. Fim de corrida para os dois.

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Em Zandvoort, uma falha na ignição tirou Emerson da corrida; o desempenho foi animador, com o brasileiro marcando um tempo apenas 1″17 inferior à melhor volta de Clay Regazzoni no GP da Holanda

O GP da Holanda, em Zandvoort, seria o melhor do carro brasileiro após a chegada de Maurice Phillipe. Emerson largou em 17º novamente e chegou a fazer o tempo de 1’23″76, apenas 1″17 mais lento que a melhor volta da disputa. Quando vinha em décimo-terceiro, satisfeito com o desempenho do carro, Emerson foi obrigado a desistir por uma falha na ignição que fez parar o FD04 em plena pista.

A “normalidade” das performances frágeis do FD04 voltou no GP da Itália. Emerson ficou com o 20º lugar no grid e não pôde ir além do 15º posto ao fim da disputa, por conta de um erro raro do bicampeão, que parou nos boxes para trocar pneus quando a pista não estava suficientemente molhada para tanto. No GP do Canadá (novamente não transmitido pela Globo, que preferiu exibir Disneylândia e Moacyr TV, antes da quadriculada final, exibida ao vivo), Emerson largou em 17º e abandonou após 41 voltas, em decorrência de problemas de superaquecimento.

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Após o último ponto somado em Brands Hatch, o 9º lugar em Watkins Glen foi o melhor resultado de Emerson e do Copersucar na segunda metade do campeonato

Em Watkins Glen, noutra prova que a emissora não transmitiu em sua totalidade (apenas as primeiras e as últimas voltas), até que o Copersucar-Fittipaldi saiu-se bem nos treinos: Emerson conseguiu o 15º lugar no grid e levou o carro até o final, com a nona posição, mesmo duas voltas atrasado. A corrida dos EUA-Leste marcou a estreia de Alex Dias Ribeiro com o Hesketh 308 até então guiado por Guy Edwards. De 22º no grid, terminou num honroso 12º lugar.

Para o GP do Japão, a equipe cogitou seriamente a possibilidade de não participar da última prova do campeonato. Mas os organizadores dobraram a equipe com o argumento de que a popularidade de Emerson Fittipaldi era enorme entre os fãs japoneses. No inócuo circuito construído no sopé do Monte Fuji, o bicampeão não foi além de um melancólico 23º posto no grid. Chovia a cântaros na hora da prova que decidiria o campeonato e Niki Lauda, que chegara ao Japão como líder do campeonato, abandonou voluntariamente ao fim da segunda volta. Emerson, que andou em último desde a primeira volta, desistiu igualmente de modo voluntário ao fim de nove voltas apenas.

O pior, talvez, para Emerson, foi constatar que, com o mesmo carro do título de 74 e do vice de 75, James Hunt consagrou-se campeão mundial de Fórmula 1 de 1976, um ponto à frente de Niki Lauda. O saldo do campeonato do bicampeão foram três pontos em 15 corridas que disputou e a Copersucar acabou o Mundial de Construtores em 11º lugar, à frente da Ensign e da Parnelli – esta última sequer terminou o campeonato.

Seria possível um ano pior que este na temporada de 1977 na história da Copersucar? Respostas, só no próximo post da série.

Comentários

  • se colocarmos em uma escala de produtividade
    e de resultados , tem muita equipe atual na formula 1
    que não chegou nem perto da copersucar em dois
    anos de Formula 1.
    e ainda esta la tentando .
    otima historia , que coisa linda
    esta valendo rodrigo.

  • Rodrigo,

    Parabéns por resgatar um capítulo único de nosso automobilismo. Eu era criança e vibrava com o idealismo e a odisseia dos Fittipaldi.

    Me junto aos demais e peço um livro sobre a saga dos Fittipaldi na F1 (pode começar pelo Barão)

  • Rodrigo
    Mandou muito bem !!!
    Seria genial um livro sobre a saga Fittipaldi e/ou Copersucar.
    Se um dia precisar, tenho todas as copersucar’s em miniatura 1/43, inclusive tenho o a copersucar 6 rodas que foi esboçado em desenho somente.
    Ao todo são 1.660 carros de F1 1/43
    Abs

  • Trabalho de pesquisa e texto maravilhosos, Rodrigo. Queremos um livro ! E por outro lado, como a imprensa “esportiva” brasileira é medíocre , com sr. Frenando Calazans a frente . Se os Fitipaldi tivessem rolado um jabá teriam apoio até do jornal do partido comunista .

  • Porque nessa época os direitos de TV da F1 eram tão bagunçados e emissoras como a BBC se recusavam a transmitir nem que seja para mandar sinal internacional por causa de falso moralismo ? Andei lendo que as coisas tomaram jeito só quando a FOM assumiu os direitos de imagem da F1.

    • A FOM, Cuca, não existia oficialmente e sim “oficiosamente”, quando o Bernie tomou as rédeas da FOCA. Mas essa questão da negociação de direitos começou mais ou menos com o GP do Japão de 1976, embora a BBC novamente tenha se recusado a transmitir o GP da Inglaterra de 1977.

    • Não tenho ideia em que corrida era, mas na mesma fila em que estão Ronnie, Lauda e o Rato, tem Hans-Joachim Stuck e Chris Amon. Na fila de trás, Jochen Mass, James Hunt e Mario Andretti.

      • Vou ainda mais longe: o piloto cuja cara está coberta pelos papéis, na primeira fila é o Gunnar Nilsson. Atrás, ainda está o John Watson (de barba), o Tom Pryce (tapado pelo Stuck) e o Jacques Laffite, na ponta, tapado pelo Amon.

        Na última fila, sentados, ainda se podem ver Ken Tyrrell e Teddy Mayer.

  • O Copersucar que nasceu em 1975, renasceu a partir de 1976 graças ao talento, trabalho e teimosia de Emerson Fittipaldi. Esse gigante que sacrificou a segunda metade de sua carreira na F-1, em prol de um sonho, que na época, soava praticamente impossível.

  • Parabéns pelo texto e resgate dessa bela história da equipe Fittipaldi. Acompanhei toda a sua trajetória (rsrs, era pequeno mas já entendia alguma coisa de F1) e, diferente da maioria, torcia muito pela equipe e em especial pelo Rato. Bons tempos da F1… Abraços.

  • Parabéns pelo texto e resgate dessa bela história da equipe Fittipaldi.
    Contudo, Emerson não foi para a equipe porque Wilsinho resolveu parar de correr.
    E o patrocínio não estava renovado para 1976. A coisa não foi tão cor-de-rosa assim!
    Incomodado com a conotação negativa que o nome Copersucar começava a receber por causa do fraco desempenho do carro, o “dono” da cooperativa pressionou para que Emerson viesse para a Equipe ou cortaria o patrocínio. Ele teve essa “‘idéia” quando o Wilson não pôde correr em Monza. E passou a pressionar o Wilsinho desde aquele setembro de 1975.
    Os Irmãos Fittipaldi foram meio que constrangidos a assumir uma nova estrutura ou não teriam dinheiro para por o carro na pista.
    Emerson ganhava na McLaren (leia-se Texaco e Marlboro) pelo menos três vezes mais que o valor que você mencionou no texto. $500 mil era quanto ele ganhava na Lotus ANTES de ser campeão em 1972! E teve que abrir mão de uma renovação de contrato para manter a sua equipe (ele era sócio do Wilson) viva!

    Quanto ao FD-04, Divila projetou uma suspensão dianteira de ancoragem intercambeável. Conforme o circuito, a base de ancoragem do braço superior seria trocada por outra, mais alta ou mais baixa conforme a necessidade. Em teoria, isso permitiria adaptar o carro para a condição perfeita de cada pista. Na prática, o carro ficava muito flexível, e não tinha como por a frente no chão! Sambava para todo lado! Em pistas de baixa, o chassis funcionava bem, mas em curvas de alta…era o terror! Pesadelo que o Rato reviveria no F-06.

    No GP do Brasil, entre o primeiro treino e o segundo (no dia seguinte), a Cosworth ofereceu um motor “melhor”, pois aquele montado no carro estaria “cansado” depois dos testes e treinos. Ingenuamente, os Irmãos aceitaram o motor novo – e quebraram a cara! O motor era fraco, não estava devidamente amaciado e o treino do sábado foi cheio de problemas. Quando pediram o motor antigo de volta, a Cosworth disse que o tinha repassado para a March…não tinham outro…mas aquele motor era bom, eles garantiam! Comentou-se nos boxes em Kyalami que Lotus e Tyrrell estavam por trás da “generosidade” da Cosworth em Interlagos…
    Por essas lambanças, até hoje não corre sangue bom entre os Irmãos Fittipaldi e a filial local da empresa que punha o logo na tampa do cabeçote do motor…