Outsiders: Jacques Laffite, o Monsieur Simpatia das pistas

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Laffite no paddock do GP do Brasil de 2008 com o blogueiro (que era mais magro e tinha um pouquinho mais de cabelo)

RIO DE JANEIRO – Neste dia 21 de novembro, um dos pilotos mais queridos e simpáticos do automobilismo completa mais um aniversário. O francês Jacques-Henri Laffite chega a 71 anos muito bem-vividos e de muitas histórias dentro do automobilismo. Quis o destino que, no dia em que igualaria o recorde de participações na Fórmula 1, pertencente a Graham Hill, ele tivesse sua carreira interrompida por um acidente.

Nascido em Paris e batizado Jacques-Henri Marie Sabin Laffite, o francês começou como piloto nos anos 70, quando não era propriamente um garoto. Perto de completar 30 anos de idade, disputou pela primeira vez as 24 Horas de Le Mans, talvez a primeira grande corrida de que participou na vida. A bordo de um Ligier JS2 Maserati V6 inscrito na categoria Sport, Laffite competiu ao lado de Pierre Maublanc, com o dorsal #22. Abandonaram na 23ª hora, perto do final, por quebra de motor. Começava aí a grande ligação de Laffite com Guy Ligier, um antigo piloto de Fórmula 1 – de resultados pouco expressivos – e que se aventurava como construtor.

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Laffite disputou as 24h de Le Mans em 1973 com esta Ligier amarela, ao lado do construtor e ex-piloto Guy Ligier

Em 1973, Laffite voltou a Sarthe e Guy, então com 43 anos, dividiu com ele a tarefa de pilotagem do Ligier JS2 Maserati V6, dessa vez com o numeral #62. Daquela vez a aventura foi mais curta: o carro parou após três horas apenas, com problemas mecânicos. O que compensou para Jacques foi o título do Campeonato Francês de Fórmula 3, conquistado a bordo de um Martini MK12 da equipe Oreca. Foi o passaporte para a Fórmula 2 Europeia.

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Campeão de Fórmula 3 na França, Laffite ascendeu à Fórmula 2, onde foi 3º colocado com um March BMW

Laffite teve à disposição um March 742 com motor BMW preparado pelo ateliê do ex-piloto Jochen Neerpasch e alinhado pela BP Racing. Seu primeiro bom resultado foi o 2º lugar no GP de Pau, atrás do compatriota Patrick Depailler, que seria o campeão da temporada. Jacques venceu a prova de Salzburg, no veloz circuito austríaco e terminou num honroso terceiro lugar, com mais três pódios – dois em Hockenheim e um em Karlskoga, somando ao total 31 pontos.

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Com esta Ligier JS2, Laffite e seu parceiro Alain Serpaggi terminaram em 8º lugar nas 24h de Le Mans de 1974

De volta às 24h, Jacques fez sua terceira aparição na clássica prova longa, desta vez ao lado de Alain Serpaggi e novamente no Ligier JS2 Maserati. A dupla fez uma boa prova, terminando em 8º lugar na geral e quinto na classe, após 310 voltas. Um resultado mais do que razoável. E o ano de 1974 ainda reservaria mais ao piloto: a passagem para a Fórmula 1.

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Estreia na F-1 com o Iso-Marlboro no GP da Alemanha, em Nürburgring…

Seus resultados na F-2 foram mais do que suficientes para convencer Frank Williams a lhe dar um lugar a bordo do Iso-Marlboro FW03, como companheiro definitivo do italiano Arturo Merzario. A estreia foi nada menos que em Nürburgring, com o 21º lugar no grid do GP da Alemanha, abandonando com a suspensão quebrada. O melhor resultado do piloto foi um 15º posto no GP do Canadá, em Mosport.

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… e pódio com o FW04 da equipe de Frank Williams, na mesma pista, no ano seguinte

Em 1975, o francês renovou com Frank Williams, que passou a batizar os carros de sua equipe com seu nome. E foi a bordo de um Williams FW04 que Laffite conquistou um resultado surpreendente: 2º lugar no GP da Alemanha, atrás do argentino Carlos Reutemann, numa prova de muitos abandonos. Foi o primeiro pódio do piloto, então com 32 anos, na Fórmula 1. E a parceria Laffite-Ligier voltaria a entrar em ação no ano seguinte, 1976.

Após anos nas 24h de Le Mans, Guy Ligier deu o salto mais ambicioso como construtor e encomendou a Gérard Ducarouge e Paul Carillo, com o dinheiro da Seita (Societé d’Exploitation Industrielles des Tabaques et des Allumettes), através da marca Gitanes, um carro de Fórmula 1 a ser equipado com o motor Matra V12, de ronco lendário e que arrepia os corações mais empedernidos. Até hoje.

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Ligier JS5 Matra, mas pode chamar de “Corcunda de Notre Dame”

O Ligier JS5 foi concebido com um enorme periscópio e ganhou imediatamente o apelido de Corcunda de Notre Dame. De aparência desengonçada, o carro estreou no GP do Brasil com a 11ª colocação no grid em Interlagos, abandonando por quebra de câmbio. O primeiro bom resultado foi o quarto posto no GP dos EUA-Oeste, em Long Beach e o primeiro pódio veio em Zolder, durante a disputa do GP da Bélgica, onde o JS5 já tinha uma aparência bem mais elegante.

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No ano de estreia da equipe francesa, Laffite chegou num razoável 7º lugar no Mundial de Pilotos de 1976

O desempenho de Laffite e da estreante equipe francesa foi mais do que razoável, com direito a mais um pódio no GP da Áustria, em excelente atuação do piloto e a pole position em Monza, no GP da Itália. Saldo: 7º lugar para Jacques com 20 pontos e quinto lugar para a Ligier no Mundial de Construtores, resultado excepcional para um time novato na F-1.

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Atacando a zebra de Anderstorp para vencer – e convencer – no GP da Suécia de 1977

Em 1977, o esquema seguiu o mesmo e o carro foi o novo JS7 também equipado com o motor Matra V12. Com ele, após alguns desapontamentos, o francês conquistou a primeira vitória com o Ligier. Foi no GP da Suécia, em Anderstorp. Laffite ainda foi 2º no GP da Holanda, quinto no Japão (abandonando na última volta por falta de gasolina) e sexto em Silverstone. Numa temporada de altos e baixos, Jacques foi o 10º no Mundial de Pilotos e a equipe fechou o ano em oitavo.

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Dois pódios com o JS9 e a parceria com a Matra foi desfeita ao fim do campeonato de 1978

Para o ano seguinte, a Ligier iniciou a temporada com o JS7 enquanto o seu sucessor não ficava pronto. No calor da Argentina e do Brasil, o motor Matra sofreu. Os resultados começaram com o 5º lugar no GP da África do Sul em Kyalami e evoluíram aos poucos, com o JS7 equipado com peças do JS9, que estrearia enfim no GP da França. Laffite somou dois pódios – 3º lugar na Espanha e Alemanha – e acabou o ano em 8º lugar com 19 pontos. No Mundial de Construtores, a Ligier pescou um razoável sexto posto.

Pausa na F-1: depois de um tempo ausente, Laffite voltou a disputar as 24h de Le Mans. Em 1977, abandonou a bordo de um Alpine Renault A442, dividido com o amigo e compatriota Patrick Depailler. A dupla largou em segundo, mas o motor do protótipo se “entregou” na 20ª hora. No ano seguinte, o piloto estava num Mirage M9 Renault Turbo ao lado de Vern Schuppan e Sam Posey. O trio terminou a corrida na 10ª colocação.

A Lotus dominara a temporada de 1978 com o revolucionário modelo 79 de efeito asa e na pré-temporada de 1979, todo mundo correu atrás do conceito aperfeiçoado por Colin Chapman para dar um ou mais passos à frente. Guy Ligier percebeu que para ganhar corridas tinha que abrir mão do motor Matra V12, mais pesado e comprido, embora muito potente, em prol do Ford Cosworth V8, mais tradicional e em contrapartida bem mais confiável.

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Laffite (centro) festeja com Depailler e Pironi a vitória no GP do Brasil de 1979: a Ligier teve um início avassalador de campeonato, mas depois deu chabu…

Gérard Ducarouge desenhou o JS11 e com o aumento da verba da Seita, a Ligier pôde ampliar suas operações para dois carros e contratar Patrick Depailler, tirado da Tyrrell, para correr ao lado de Laffite. O início de temporada dos carros azuis #25 e #26 foi assombroso: duas vitórias, uma delas em dobradinha, na perna sul-americana – Argentina e Brasil – com um domínio avassalador. Houve uma pequena queda de desempenho na primeira metade da temporada e em Jarama o JS11 venceu sua terceira prova, desta vez com Depailler. E parou por aí: de potencial campeão de 1979, Laffite passou a mero coadjuvante, com três terceiros lugares nas provas finais, afora três abandonos consecutivos. O piloto fez sua melhor temporada na F-1 até então: 4º lugar com 36 pontos. E a Ligier fechou o Mundial de Construtores em terceiro, superada apenas por Ferrari e Williams.

Depailler fraturou uma perna e foi demitido por Guy Ligier, que contratou o jovem Didier Pironi, egresso da Tyrrell, para fazer companhia a Laffite na equipe francesa. Vencedor das 24h de Le Mans em 1978 ao lado de Jean-Pierre Jaussaud, ele compôs uma boa dupla com o veterano Jacques-Henri, então com 37 anos. Com o modelo JS11/15, os dois estiveram quase sempre na linha de frente na temporada de 1980.

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A bordo do JS11/15 de 1980 no GP do Canadá: o piloto terminou o Mundial de Pilotos em 4º lugar e a Ligier levou o vice de Construtores

Laffite fez uma pole no GP da França, venceu o GP da Alemanha e conquistou ainda mais quatro pódios. Mas não foi páreo para Alan Jones e Nelson Piquet, os dois protagonistas daquele ano. O piloto se manteve como 4º no ranking, desta vez somando 34 pontos, mas a Ligier, com uma dupla mais coesa que a Brabham, conquistou o vice-campeonato do Mundial de Construtores.

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Quase deu: a bordo do Talbot-Ligier JS17, Laffite chegou pertinho do título mundial de 1981

Para 1981, a equipe voltaria a usar os motores Matra V12: a Simca fora comprada pela Talbot, que se associou à Guy Ligier para voltar com os lendários propulsores. E quase deu certo: foi uma ótima temporada de Laffite, que com duas vitórias (Áustria e Canadá) e um total de sete pódios, além de mais uma pole position, quase foi campeão. Talvez a colisão com Carlos Reutemann numa disputa durante o GP da Holanda, em Zandvoort, tenha sido decisiva. O piloto terminou em 4º novamente no Mundial, desta vez com 44 pontos – apenas seis atrás do campeão Piquet e a Ligier fechou o ano igualmente em quarto.

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A bordo do malfadado JS19, rumo ao único pódio de 1982, no GP da Áustria

A eficiência do ano anterior não se repetiu em 82 e Laffite teve naquele ano sua pior temporada na Fórmula 1 desde 1975. A equipe investiu todas as suas fichas no Talbot Ligier JS19 e o ano foi repleto de desapontamentos. Jacques foi 6º colocado em Detroit e terceiro na Áustria. E foi só. Perto de completar 40 anos, o francês deu um até breve para Guy Ligier e assinou um contrato de dois anos com a Williams, justamente com quem o piloto trabalhara no seu início na categoria máxima do automobilismo.

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O bom filho à casa torna (I): Laffite voltou para a Williams e por lá ficou por mais duas temporadas

A bordo do modelo FW08C da equipe britânica, Laffite começou muito bem a temporada de 1983: foi 4º colocado no GP do Brasil e também em Long Beach. Na primeira metade do ano, o carro ainda respondia bem, mas à medida que os concorrentes com motor turbo tomavam conta do grid, o francês ficava mais e mais para trás. Tanto que em Monza e Brands Hatch, sequer conseguiu classificação por deficiência técnica. Humilhante. A equipe trocou para o motor Honda V6 Turbo, mas o francês só fez cinco pontos em 1984 com um 4º lugar em Dallas e um quinto em Detroit. Foi o suficiente e Laffite, já com 41 anos de idade, regressou à Ligier.

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O bom filho à casa torna (II): Laffite regressou para a Ligier e fez boa campanha em 1985

O time francês vinha de dois anos terríveis e buscava a reconstrução em 1985: com o modelo JS25 de motor Renault Turbo, desenhado por Claude Galopin sob a supervisão de Michel Bèaujon e pesquisa aerodinâmica de Henri Durand, a equipe voltou a respirar ares mais saudáveis. O bom desempenho do carro equipado com os pneus Pirelli deu a Laffite três pódios, com dois terceiros lugares e um 2º posto em Adelaide, mesmo após uma colisão totalmente evitável com Philippe Streiff, que estreara no time sucedendo o estabanado Andrea De Cesaris. A equipe somou 23 pontos no Mundial de Construtores e Jacques chegou em 9º no Mundial de Pilotos. Nada mal.

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Dividindo o pódio do GP do Brasil de 1986 com Ayrton Senna e Nelson Piquet, em Jacarepaguá

Em 1986, a equipe prometia mais, com o regresso de René Arnoux e a estreia do modelo JS27, mais baixo e compacto, ainda com o motor Renault e pneus Pirelli. Logo na prova de abertura do campeonato, Laffite alcançou um excelente 3º lugar no GP do Brasil. Foi ainda 6º em Mônaco, 5º na Bélgica, 6º na França e levou seu carro a outro pódio com o segundo posto no GP de Detroit. Na ocasião, Laffite completava 174 GPs disputados e estava a dois do recorde histórico de Graham Hill.

Após pontuar no GP da França, o piloto seguiu para Brands Hatch, onde aconteceria o GP da Inglaterra. Nos treinos, um mau presságio: o JS27 do francês não andou bem e o piloto conseguiu apenas a 19ª colocação do grid. Experiente, ele sabia que largar no fim do pelotão representava riscos que ele não gostava de correr. Principalmente para quem, como ele, tinha 42 anos e estava contando os dias e os meses para terminar sua trajetória na Fórmula 1.

Dito e feito: após uma largada claudicante do pole position Nigel Mansell, o belga Thierry Boutsen, da Arrows, perdeu o controle e foi para o acostamento, rodando na grama e trazendo junto com seu A8 destruído uma faixa publicitária. Vários carros se envolveram no salseiro e no afã de evitar a Ferrari de Stefan Johansson, Laffite entrou de frente numa barreira de pneus.

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O JS27 de Laffite rebocado após a pancada na largada em Brands Hatch: fim da carreira para Jacques Laffite

Varado de dor, o piloto francês preocupava porque não conseguiu sair de sua Ligier pelos próprios meios. O socorro chegou para assisti-lo e após uma angustiante demora, Laffite foi retirado dos destroços com suspeita de fratura de bacia, confirmada depois no hospital. Era o fim da trajetória do experiente piloto, o maior vencedor da equipe Ligier, com seis vitórias das nove conquistadas pelo time. Jacques completou um total de 176 GPs, com seis triunfos, sete poles, seis recordes de volta em prova, 32 pódios e 228 pontos somados. O francês liderou ainda 283 voltas, com um total de 1519 km na ponta.

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Allez, Jacques-Henri!

Laffite recuperou-se bem do acidente e da fratura, passando a atuar como comentarista das provas de Fórmula 1 para o canal francês TF1 e disputar, eventualmente, uma ou outra corrida. Ainda faria mais quatro aparições nas 24h de Le Mans entre 1990 e 1996, inclusive fazendo parte da equipe Bigazzi ao lado do tricampeão mundial Nelson Piquet, com um McLaren BMW F1 GTR. Na sua última participação em Sarthe, formou tripulação no carro de Steve Soper e Marc Duez, terminando a prova em 11º lugar na geral e nono na GT1.

Comentários

  • Belo texto Rodrigo! Já pensou em fazer um livro com as boas histórias que você escreve, aposto que sim! Lembro da largada do GP Inglês de 1986, eu estava torcendo para o Laffite quebrar o recorde do Hill, mas Mansell fez uma largada muito atrapalhada… ABRAÇO!

  • Tirei uma foto com ele nas 24 Horas de Le mans do ano passado e logo em seguida uma com Henri Pescarollo. Alem do simpatico Dr Wolfgan Urich e de vários pilotos.