Equipes Históricas – Tyrrell, parte IX

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Talvez a mais bela imagem de um ano complicado: Peterson e Depailler entram ‘atravessados’ na curva do Sol em Interlagos

RIO DE JANEIRO – Antes da temporada de 1977 começar, não se falava noutra coisa na Tyrrell: além da saída conturbada de Jody Scheckter para um time semi-estreante, é claro que o assunto era Ronnie Peterson. Se o sueco fizera milagres com o complicado March 761, todos se perguntavam se o casamento entre o veloz piloto e o Tyrrell P34 daria certo. Como Patrick Depailler, que fizera um ótimo campeonato em 1976, tinha um estilo tão aguerrido e agressivo quanto seu novo companheiro de equipe, muita gente punha a equipe do Tio Ken como uma das favoritas ao título.

O ano começou com o GP da Argentina, disputado em 9 de janeiro, num quente domingo de verão em Buenos Aires. Ninguém diria que Scheckter, a bordo de um projeto novo e sem menos invencionices que o P34 da Tyrrell, pudesse ganhar. Só que o sul-africano surpreendeu todo mundo e venceu na estreia do Wolf WR1, vindo de décimo no grid. A estreia da dupla Peterson-Depailler foi um desastre: o sueco largou em 14º e logo caiu para último na primeira volta. Recuperou-se e estava em nono quando rodou, na vigésima-oitava volta. Patrick também não saiu bem: era o terceiro no grid, despencou para décimo e desistiu com problemas de superaquecimento.

No GP do Brasil, os dois tiveram desempenho próximo na qualificação: o francês largou em 6º e Peterson foi o oitavo. A corrida de ambos acabou graças ao famigerado asfalto que se soltou na Curva 3 de Interlagos. Peterson bateu primeiro, na 12ª volta, junto a Jochen Mass e Clay Regazzoni. Depailler acidentou-se sozinho, na 23ª.

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O Sueco Voador desfilou um rosário de abandonos nas primeiras provas e só terminou pela primeira vez em Jarama, com um 8º lugar na Espanha

Em Kyalami, alguma alegria para a Tyrrell, no dia da trágica morte do galês Tom Pryce, que atropelou com sua Shadow o fiscal Jensen Reed Van Wuuren: Depailler conseguiu o primeiro pódio do ano após largar em quarto com seu P34. Peterson, que ficou atrás do companheiro de equipe pela terceira vez num grid de largada, partiu em sétimo mas foi o primeiro a abrir a lista de desistências: problemas com a pressão de combustível acabaram com sua corrida logo na quinta volta.

A sorte do sueco definitivamente não estava em alta: no GP dos EUA-Oeste, em Long Beach, justo na primeira corrida em que conseguiu um tempo melhor que o de Depailler, a corrida acabou de novo por uma falha mecânica antes do final. Na 63ª volta, uma mangueira de gasolina rompeu-se. Depailler foi bem mais feliz e chegou em quarto. O GP da Espanha foi o primeiro que Ronnie terminou, só que fora dos pontos. O Sueco Voador foi apenas o 8º colocado, uma volta atrasado. Já o francês desistiu na 12ª volta, por quebra de motor.

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Buscando explicações para a queda de desempenho do P34: Depailler e Peterson fracassaram no GP de Mônaco, com problemas nos freios dianteiros do seis-rodas

Àquela altura, sem nenhum ponto marcado contra sete de Depailler, Peterson era um piloto em crise dentro de sua própria equipe. Encontrar motivação era um ponto crucial para o sueco, apesar de que a March, sua ex-equipe, vivia as agruras do fim do pelotão – isso quando os carros do time de Max Mosley não corriam, como em Mônaco, quando Ronnie conseguiu o 4º tempo e abandonou cedo por problemas de freios, que também vitimaram Depailler e revelaram ser um crônico problema do seis-rodas, especialmente nas pequenas rodas dianteiras de 10 polegadas de diâmetro. Para deixar a Tyrrell mais injuriada, Jody Scheckter venceu pela segunda vez com o Wolf. Pior: o sul-africano era o líder do campeonato com 32 pontos, sete à frente de Niki Lauda.

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A única alegria: quando a Tyrrell usou a configuração de 1976 em Zolder, no GP da Bélgica, Ronnie chegou ao pódio: 3º colocado

Resumindo: só um acontecimento fora da curva para o P34 voltar a brilhar como nos velhos tempos. E quase aconteceu em Zolder, por ocasião do GP da Bélgica, quando a Tyrrell – assim como em Mônaco – usou o seis-rodas na configuração que deu resultado no ano anterior. Choveu na hora da largada, a pista ficou um sabão e a corrida foi muito interessante e movimentada. Até Vittorio Brambilla, o “Gorila de Monza”, liderou. Peterson, que largou em oitavo, teve uma atuação destacada e inteligente. Com um carro bem melhor que nas etapas anteriores, ultrapassou Brambilla na 54ª volta e conquistou o terceiro lugar para levar o P34 ao pódio pela segunda vez em 1977. Depailler teve uma corrida mais atribulada que o colega de equipe e chegou apenas em 8º.

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Enquanto Depailler sorri… Peterson, sisudo, refletia sobre o futuro e sua situação ruim na Tyrrell no meio do ano

Em Anderstorp, pista em que a Tyrrell vencera com o P34 pela primeira vez, o carro não repetiu o desempenho de 1976, embora Depailler tenha conquistado um razoável quarto lugar. Peterson, pole position nessa mesma pista em 1973 e ídolo máximo dos nórdicos, largou em décimo e foi o primeiro a desistir: a ignição de seu carro falhou com menos de dez voltas. Era demais para um piloto competitivo feito Ronnie, que a partir daí começou a considerar seriamente a possibilidade de deixar a Tyrrell ao fim do contrato.

Nos treinos do GP da França, na volta do carro à configuração de 1977, o desempenho do P34 foi sofrível: Depailler fez o 12º tempo e Peterson ficou apenas na décima-sétima posição. A corrida foi uma nova desilusão, com o francês se envolvendo num acidente e Ronnie tendo uma série de problemas para terminar em 12º lugar, três voltas atrasado. No veloz circuito de Silverstone, o seis-rodas era no mínimo um segundo mais lento que a McLaren de James Hunt, o pole position. Nada dava certo: os dois pilotos abandonaram o GP da Inglaterra em menos de 20 voltas.

A Tyrrell não tinha mais o que fazer com o carro em pistas rápidas. Se em Silverstone, foi aquele drama, imaginem em Hockenheim, com três retas longas: os dois pilotos foram quase três segundos mais lentos que a pole. Peterson lutou além das forças do seu próprio equipamento: chegou a figurar em 6º lugar, para marcar mais um pontinho. Mas o motor de seu carro explodiu a cinco voltas do final. Depailler largou apenas em 15º e vinha em último quando desistiu.

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Várias tentativas foram feitas para salvar o P34, inclusive o uso de três frentes diferentes. Esta é a terceira, adotada na reta final do campeonato. Notem as entradas de ar para os freios dianteiros, embutidas na carenagem

Em Zeltweg, novamente numa pista primeiro molhada e depois seca, Peterson quebrou o jejum e chegou em quinto, somando mais dois pontos. Depailler chegou em 13º lugar. Na Holanda, problemas mecânicos afetaram os dois pilotos e em Monza, Ronnie conseguiu terminar na 6ª posição. Foi uma corrida especial, pelo menos para Niki Lauda, que deu a volta por cima após o acidente do ano anterior em Nürburgring e sagrou-se bicampeão. Nada mal para quem foi tido como acabado…

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Juntos e infelizes: Peterson fechou uma temporada pífia, com apenas sete pontos no Mundial de Pilotos. Depailler somou vinte. A Tyrrell desistiu do P34 e o sueco, da equipe, voltando para a Lotus

Antes da fase final do campeonato, com as corridas da América do Norte e Japão, a Tyrrell já decidira pôr um fim à aventura do seis-rodas, aposentando de vez o P34. Derek Gardner começou a trabalhar num modelo convencional, de quatro rodas. Nem isso foi capaz de segurar Ronnie Peterson. Resoluto, o sueco decidiu não renovar com Ken Tyrrell para 1978, aceitando uma proposta “indecente” de Colin Chapman para voltar à Lotus.

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O ponto culminante de um ano desastroso: o acidente com Villeneuve no GP do Japão, que matou duas pessoas, pôs um ponto final na trajetória de Peterson na Tyrrell

Nas últimas provas da trajetória do P34, Depailler ainda conseguiu alguma coisa: chegou em 2º num acidentado GP do Canadá e foi terceiro no Japão, fechando seu ano com 20 pontos e a 8ª posição no Mundial de Pilotos. Já Peterson fechou sua magra temporada pela equipe britânica com um acidente em Fuji, no qual sua Tyrrell serviu como rampa de lançamento para a Ferrari de Gilles Villeneuve, que capotou e provocou a morte de duas pessoas. Um fim de ano melancólico para o Sueco Voador, que fez apenas sete pontos e encerrou o ano como 14º colocado do ranking.

Figurante em 1977, a Tyrrell ainda fazia o máximo de esforço para se manter como equipe grande na Fórmula 1. A dúvida é que se isso aconteceria na temporada seguinte. Assunto para o próximo post…

Comentários

  • Estas atravessadas tão comuns na época com talentosos pilotos a bordo, já não mais são possíveis,Os carros atuais não permitem as atravessadas e faltam talentos.
    Abração!!

  • Rodrigo,

    Estava em Lua de Mel em Buenos Aires em janeiro de 77 e fui ao treino. Fiquei na arquibancada na saída da Horquilla e tive o prazer de ver o Peterson fazê-la ligeiramente atravessado com uma leve corrigida, inesquecível.

    Abraço,

    Barba.

  • Não tenho nada a acrescentar, mas não podia deixar de escrever um comentário aqui para prestigiar esse grande trabalho de pesquisa que resulta nesses maravilhosos relatos.

    Tenho para mim que justamente esta temporada marca o divisor de águas da equipe, quando deixa de vez o pelotão da frente e passa ao intermediário.