Equipes Históricas – Tyrrell, parte XI

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“Nada se cria, tudo se copia”: a máxima de Lavoisier foi subvertida na Fórmula 1 e cópias do Lotus 79 surgiram aos montes, como o Tyrrell 009, despertando a ira de Mario Andretti

RIO DE JANEIRO – “Será que este homem não tem orgulho?”

A frase acima, que abre o décimo-primeiro post da trajetória da Tyrrell na série Equipes Históricas, foi proferida pelo campeão mundial de Fórmula 1 em 1978. Ao ver um carro totalmente pintado de azul num dos boxes do Autódromo 17 de Octubre em Buenos Aires, na Argentina, Mario Andretti mostrava toda sua indignação. Ele estava diante de uma cópia fiel do Lotus 79, o carro “demolidor” da época.

Dotado de efeito-solo, o Lotus 79 impulsionou Andretti a uma conquista inédita e recolocou Colin Chapman no panteão dos Construtores, com o sétimo título de sua equipe na categoria. É bom lembrar que, naqueles tempos, a Lotus era a equipe com maior número de conquistas, enquanto a Ferrari tinha apenas cinco. Como ter um carro-asa tornou-se condição sine qua non para ser competitivo na Fórmula 1, Ken Tyrrell encomendou a Maurice Philippe um novo projeto. E como no automobilismo, “nada se cria, tudo se copia”, subvertendo a lei de Lavoisier, o novo Tyrrell 009 era mesmo inspirado no melhor carro daqueles tempos – como, aliás, a grande maioria dos projetos preparados para 1979.

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Pela primeira vez, desde antes da fundação da Tyrrell, o velho Ken começava uma temporada sem qualquer patrocínio em seu bom carro

Na verdade, o Tio Ken tinha problemas maiores para se preocupar do que apresentar uma cópia da Lotus. Sem dinheiro algum, era a primeira vez desde o fim dos anos 60 que seus carros não apresentariam qualquer patrocinador. Não bastava manter o talento de Didier Pironi: a Tyrrell perdera Patrick Depailler após cinco temporadas e faltavam bons pilotos no mercado. A aposta do velho madeireiro recaiu em Jean-Pierre Jarier, francês como Pironi e Depailler, que tinha 32 anos e ressurgira na categoria após um início de ano sofrível pela ATS e brilhantes apresentações nas duas provas finais de 1978 como substituto de Ronnie Peterson.

O “Jumper” quase foi ao pódio no GP dos EUA-Leste em Watkins Glen, mas acabou fora da corrida por falta de gasolina. E no Canadá, largou da pole position para liderar por 49 voltas… até um vazamento de óleo arruinar sua corrida. Foram credenciais mais do que suficientes para justificar sua contratação pela Tyrrell, por dois anos, aliás.

A temporada foi inaugurada com o GP da Argentina, em que a Ligier surpreendeu todo mundo e pôs seus dois carros na primeira fila, na estreia de Depailler pela equipe e dos motores Cosworth V8 – o time francês anteriormente só usara os Matra V12. Jarier fez o quarto melhor tempo nos treinos, ironicamente à frente de Mario Andretti, que largou ao lado de Didier Pironi, em nova ironia. A corrida teve um acidente monstruoso após a primeira largada e o 009 de Pironi foi tão danificado que ele não pôde voltar para o reinício da disputa. Jarier pulou para segundo após o sinal verde e logo caiu para quarto e depois para sexto. Um vazamento de óleo tirou o piloto da disputa na 15ª volta.

No GP do Brasil, em Interlagos, Pironi obteve o oitavo tempo e Jarier largaria em 15º. Mas o “Jumper”, pole position no circuito paulistano em 1975, acabou não disputando a corrida, com problemas de ignição nas voltas de pré-aquecimento. Pironi fez ótima corrida, herdando a quarta posição quando o Copersucar F5A de Emerson Fittipaldi teve problemas mecânicos. O jovem piloto chegou em 4º lugar, seu melhor resultado até então na categoria – embora tivesse subido ao pódio como terceiro, numa confusão do sistema de cronometragem. Um resultado bem razoável para uma equipe às voltas com graves problemas financeiros.

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A volta aos pódios: Jarier e a Tyrrell conseguiram um brilhante 3º lugar em Kyalami, no GP da África do Sul

Em Kyalami, os dois pilotos do time britânico largaram no mesmo segundo do pole position Jean-Pierre Jabouille, a bordo do Renault Turbo. O bom desempenho do 009 provou que era possível – ainda – investir na Tyrrell. Embora Pironi tenha sido alijado por uma falha no acelerador, na 25ª volta, Jarier fez excelente corrida: a partir da 35ª passagem, superou a McLaren de Patrick Tambay, que vinha em terceiro. E foi ao pódio, terminando à frente de Mario Andretti e Carlos Reutemann a bordo do Lotus 79, outrora dominante na Fórmula 1.

Não seria no GP dos EUA-Oeste, em Long Beach, que um patrocinador estamparia sua marca nos carros do Tio Ken. E a corrida nas ruas daquela cidade da Califórnia foi atribulada: Jarier somou mais um pontinho com um suado 6º lugar. Pironi largou em 17º, escapou dos acidentes, mas acabou desclassificado porque, ao rodar, recebeu ajuda externa para pôr sua Tyrrell 009 outra vez em movimento. Em Jarama, no travado circuito próximo à capital espanhola Madri, os dois pilotos partiram do meio do pelotão, mas com paciência conseguiram chegar aos pontos novamente – e juntos, com Jarier cruzando em quinto, 18 segundos à frente de Pironi.

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Um patrocinador, enfim! A Candy, empresa italiana de eletrodomésticos, estampou seu nome a partir do GP da Bélgica

O GP da Bélgica marcou a estreia do tão aguardado reforço para a Tyrrell: o patrocínio da Candy, empresa de eletrodomésticos com sede em Brugherio, na Itália, nas proximidades de Milão. Mesmo largando da sexta fila do grid, Didier Pironi alcançou o 3º lugar na quadriculada, conquistando seu primeiro pódio na Fórmula 1 e o segundo da equipe em 1979. Retorno garantido ao patrocinador. E o sorriso voltou ao rosto do velho Ken. Jarier, contudo, teve problemas: vinha em quinto quando despencou para as últimas posições. Acabou em 11º, três voltas atrasado.

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A foto acima mostra que não foi só Niki Lauda que ficou irado com Didier Pironi em Mônaco…

Mônaco seria uma ótima oportunidade para os dois carros voltarem a pontuar, mas Pironi, no arroubo da juventude, prejudicou a própria corrida e também a de Niki Lauda: os dois brigavam pela 3ª posição, quando bateram na curva Mirabeau. O austríaco saiu do carro inconformado com o acidente e Pironi, que tão boa impressão deixara com o pódio na Bélgica, teve sua reputação meio chamuscada pelo episódio – e cabe lembrar que o piloto do carro #3 também aprontara nos treinos com Patrick Depailler, deixando o experiente compatriota uma “arara”. Jarier alcançou o 5º posto, mas abandonou com problemas de suspensão na curva Ste Dévote.

Em Dijon-Prénois, no GP da França, enquanto todos os olhos estavam na disputa épica entre Gilles Villeneuve e René Arnoux, Jarier pescava mais dois pontinhos com o 5º lugar ao final da corrida. Pironi nunca saiu do pelotão intermediário, desistindo na 71ª volta com a quebra da suspensão de sua Tyrrell. Na pista de Silverstone, os dois 009 padeciam de uma absurda falta de velocidade nos treinos oficiais: Pironi e Jarier foram quase quatro segundos mais lentos que a pole de Alan Jones, obtida com o Williams FW07, que se transformava na melhor cópia do Lotus 79 na segunda metade do campeonato. Apesar disto, Jarier fez uma corrida de regularidade e paciência – com o acerto correto para não destruir os pneus Goodyear, maltratados pelas altíssimas velocidades, Jarier chegou num excelente 3º lugar. Pironi não soube ter a mesma paciência e destruiu seus pneus. Acabou em 10º, duas voltas atrasado. Detalhe: com um jogo novo em seu carro, o francês fez a terceira melhor volta da corrida.

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Geoff Lees estreou em substituição ao adoentado Jarier no GP da Alemanha. E quase pontuou: chegou em 7º

No intervalo entre as etapas da Inglaterra e da Alemanha, Maurice Philippe introduziu um novo aerofólio dianteiro no Tyrrell 009 para melhorar o downforce, inovação que seria apresentada apenas no carro de Didier Pironi. Acometido por uma hepatite viral, Jean-Pierre Jarier foi vetado para a corrida de Hockenheim e seu substituto foi o britânico Geoff Lees, de 28 anos, que faria sua estreia na Fórmula 1. Mesmo com um carro defasado em relação ao companheiro de equipe, Lees quase pontuou: foi 7º colocado. Pironi chegou em nono.

Em Zeltweg, com Jarier ainda fora de condições para assumir a pilotagem do carro #4, Ken Tyrrell chamou Derek Daly, irlandês que pagava o pão que o diabo amassou a bordo dos esquálidos carros da britânica Ensign. Ele chamou a atenção ao andar no mesmo ritmo que Didier Pironi nos treinos, o que inclusive seria determinante para o futuro de Daly na Fórmula 1. E na corrida, os dois terminaram bastante próximos, com o francês em sétimo e o irlandês em oitavo. No GP da Holanda, Jarier voltou a bordo, mas largou apenas de 16º e rodou na 21ª volta da disputa. Pironi abandonou após completar 51 voltas.

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Mantido para a temporada de 1980, Jarier (atrás de Andretti) chegou ao final do GP da Itália em 6º lugar

No GP da Itália, Jarier não passou de novo do 16º lugar nos treinos – mas fez uma boa corrida e ganhou várias posições, terminando em sexto lugar. Pironi precisou parar nos boxes logo no início, com problemas na minissaia do Tyrrell 009. Voltou à prova em último e terminou em décimo. Mas para o jovem piloto a corrida de Monza foi decisiva mesmo nos bastidores…

A Ligier anunciara dias antes o interesse em manter Patrick Depailler, então em convalescença após um acidente de asa-delta, no qual fraturara ambas as pernas, sob contrato para a temporada de 1980. Só que Jacques Laffite, na equipe desde a estreia (em 1976), exigiu de Guy Ligier ser o primeiro piloto. Depailler recusou-se a assinar nos termos que Laffite queria, não aceitou ser segundão e demitiu-se, indo para a Alfa Romeo. No fim de semana de Monza, a Ligier assinava com Didier Pironi para ser o companheiro de equipe de Jacques Laffite.

Para a penúltima corrida de 1979, no Canadá, a Tyrrell teria três carros, incluindo o irlandês Derek Daly, que tão boa impressão deixara na Áustria – fundamental para que Ken Tyrrell lhe oferecesse um contrato para substituir Pironi no ano seguinte. Daly, porém, largou apenas em último no circuito de Montreal, abandonando por quebra de motor. Jarier também desistiu, com problemas de ignição. E Pironi, já de saída, conseguiu um bom 5º lugar.

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Pironi despediu-se da Tyrrell com o pódio no GP dos EUA-Leste em Watkins Glen

O encerramento do campeonato foi em Watkins Glen, no GP dos EUA-Leste. Sob chuva, Pironi despediu-se da Tyrrell com um pódio, o segundo dele na categoria e o quarto da equipe britânica em 1979. Daly, de novo a bordo do terceiro carro, largou em 15º… e bateu. Jarier rodou sozinho na 19ª volta. E apesar de todas as dificuldades inerentes a uma equipe que começou o ano sem dinheiro e manteve um bom nível ao longo do ano, a Tyrrell ainda terminou o Mundial de Construtores em 5º lugar, à frente da inconstante Renault. Irônico foi constatar que Jarier e Pironi terminaram empatados no Mundial de Pilotos em décimo – com o mesmo total de pontos do campeão de 1978, Mario Andretti.

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