Equipes Históricas – Tyrrell, parte XIV

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Apostando todas as fichas: para sair do limbo, Ken Tyrrell contava com o talento emergente do italiano Michele Alboreto

RIO DE JANEIRO – Em 1982, a Tyrrell apostava todas as suas fichas no emergente talento do italiano Michele Alboreto para tentar alguma coisa na Fórmula 1. Com apenas 25 anos, “Il Marocchino” despontava como o melhor piloto de seu país e alguns, com algum exagero, já viam nele o possível sucessor do mito Alberto Ascari.

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Ainda de branco, a Tyrrell começou a temporada de 1982 com Slim Borgudd, o baterista do ABBA, a bordo do carro #4

Devaneios à parte, Alboreto teria que lutar muito para conquistar espaço, já que a equipe do velho Ken começaria a temporada a exemplo da anterior e também do ano de 1979, sem nenhum patrocinador de vulto. Por isso, o segundo carro seria a princípio leiloado a quem viesse com alguma garantia financeira e o primeiro que veio foi o sueco Slim Borgudd, o mesmo que tivera o nome do grupo ABBA (do qual era o baterista) pintado no seu ATS em algumas provas de 1981.

O começo de temporada da F1 foi muito tumultuado pela sequência da batalha política entre Jean-Marie Balestre e Bernie Ecclestone, que teria consequências bem graves ao longo do ano. As minissaias e o efeito solo voltavam aos carros, que tornaram a ser rápidos e ao mesmo tempo perigosos. Sem dinheiro, Ken Tyrrell não poderia, por exemplo, dispor de motores turbo feito a Brabham, que assinou um contrato de exclusividade com a BMW. Além dos bávaros, a Ferrari e a Renault tinham seus próprios motores com esta configuração, além do independente Brian Hart, fornecedor da Toleman. Nos bastidores, falava-se do envolvimento futuro da Alfa Romeo e até da Porsche.

A guerrinha entre os principais dirigentes da categoria rendeu inclusive um movimento grevista liderado por Niki Lauda – que voltava às pistas – e que deixou Balestre mais iracundo do que normalmente já era. Ecclestone também não ficou satisfeito, principalmente com Nelson Piquet. Mas a corrida inaugural, marcada para 23 de janeiro em Kyalami, na África do Sul, aconteceu normalmente. Alçado à condição de primeiro piloto da Tyrrell, Michele Alboreto fez uma boa corrida e quase marcou seu primeiro ponto – chegou em sétimo. Slim Borgudd andou em último – ou entre os últimos – por muito tempo e terminou apenas em 16º lugar.

Com o cancelamento do GP da Argentina, por falta de garantias financeiras, a segunda prova do ano foi o GP do Brasil, em Jacarepaguá. Foi a famosa corrida na qual Nelson Piquet e Keke Rosberg acabaram desclassificados pelo uso de caixas d’água que eram enchidas após a corrida para os carros chegarem ao peso mínimo de 580 kg. Nos bastidores, a briga Balestre x Ecclestone atingia níveis insuportáveis. Alboreto, que não tinha nada com isso, foi de sexto na bandeirada ao quarto posto no chamado tapetão. E fez seus primeiros pontos na Fórmula 1. Slim Borgudd acabou guindado a sétimo naquela oportunidade.

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Alboreto somou pontos em Jacarepaguá e Long Beach, quando a equipe ainda patinava sem patrocínio

Mas, sem garantias financeiras, o sueco foi obrigado a deixar o cockpit após a disputa do GP dos EUA-Oeste, em Long Beach, no qual terminara em décimo. Michele Alboreto foi de novo 4º colocado, após a desclassificação da Ferrari de Gilles Villeneuve, que largara com um aparato no mínimo insólito: dois aerofólios traseiros colados um no outro, burlando a regra da largura máxima dos monopostos. Mais um capítulo da batalha FISA x FOCA. E quando a desclassificação de Piquet e Rosberg foi ratificada nos tribunais, Ecclestone decidiu jogar com todas as suas armas. Decretou que as equipes da Associação de Construtores da F1, sem exceção, além da francesa Talbot-Ligier, não disputariam a 4ª etapa do campeonato, o GP de San Marino.

Porém, o bloco de equipes “legalistas”, do qual fazia parte os times oficiais (Renault, Ferrari e Alfa Romeo), além das minúsculas Toleman, Osella e ATS, não formava o mínimo de carros necessário para uma corrida contar pontos para o Mundial. Era preciso que mais dois bólidos aparecessem em Imola, no circuito Dino Ferrari. E a Tyrrell foi autorizada a furar o bloqueio dos times da FOCA, porque ela voltava a ter a Candy como patrocinadora – o que seria positivo em termos de retorno financeiro, principalmente para “Tio” Ken.

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A volta ao pódio: Alboreto foi 3º em San Marino, quando a Tyrrell celebrou o retorno da Candy e da Imola Cooperativa Ceramica como patrocinadores

A esvaziada corrida saiu de colher para a equipe, que estreava o veterano Brian Henton, de longa carreira na Fórmula 2, como companheiro de Michele Alboreto. O italiano não só conseguiu seu primeiro pódio com o 3º lugar: também alcançou igual posição no campeonato de pilotos, com 10 pontos somados. A estreia de Henton não foi das mais auspiciosas, já que foi obrigado a desistir com a quebra da embreagem.

Na Bélgica, entusiasmado com o primeiro pódio da carreira, Michele foi brilhante nos treinos ao marcar o 5º tempo, dezessete posições à frente de Henton. Na corrida, o italiano se manteve em 6º até abandonar na 29ª volta. O britânico também desistiu logo depois. E em Mônaco, Henton chegou em 8º numa das mais caóticas corridas da temporada. Alboreto era o quinto colocado até faltarem seis voltas para a quadriculada, quando teve problemas na suspensão de sua Tyrrell 011.

O GP dos EUA-Leste passou para Detroit, a Capital Mundial do Automóvel. Foi a corrida de pior desempenho de Alboreto em 1982. O italiano largou de 16º, caiu para último na primeira volta e perdeu três voltas até bater e abandonar. Henton foi um pouquinho mais feliz e terminou de novo, só que fora da zona dos pontos – foi 9º colocado, duas voltas atrás de John Watson. No Canadá, o desempenho da dupla foi discreto: Michele desistiu com a quebra da caixa de marchas e Henton, com onze voltas de atraso em relação a Nelson Piquet, o vencedor, não recebeu classificação.

A corrida substituta do GP da Argentina foi o GP da Holanda, realizado num sábado. Enquanto Henton desistiu com problemas de acelerador na pista de Zandvoort, Alboreto ficou bem próximo de voltar aos pontos após um jejum de quatro corridas. Mas ele não contava com a ousadia de um compatriota seu: Mauro Baldi resolveu jogar pesado contra o piloto da Tyrrell na briga pelo 6º lugar e levou o ponto para a Arrows. Os dois quase saíram no tapa nos boxes após a corrida, mas a turma do deixa-disso refreou os ânimos mais exaltados.

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Henton, à frente da Renault Turbo de Alain Prost, surpreendeu ao marcar a melhor volta do GP da Inglaterra

O GP da Inglaterra reservou um momento inusitado da temporada: não só a Toleman, com Derek Warwick, teve uma atuação monumental (há quem diga que o carro estava totalmente fora do regulamento) como também Brian Henton conseguiu a volta mais rápida da prova em 1’13″028, quando montou pneus novos em seu carro após um pit stop. O veterano britânico chegou em oitavo, mas deixou sua marca nos compêndios da categoria. Alboreto deu apenas 44 voltas e não recebeu classificação.

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A equipe voltou a perder o apoio da Candy e da Imola Coop Ceramica, mas Alboreto não baixou os braços, marcando pontos em Paul Ricard e Hockenheim

A Tyrrell voltaria aos pontos nas duas corridas seguintes: o italiano chegou em 6º lugar no GP da França e em quarto no GP da Alemanha, recuperando a confiança da equipe e subindo para 14 no Mundial de Pilotos. Entre as escuderias, a equipe britânica vinha em 7º lugar, seis pontos atrás da Lotus. Henton, com algum mérito, levou de novo seu carro ao final: foi 10º em Paul Ricard e sétimo em Hockenheim. Registre-se que em 1982 eram posições que não davam ponto algum. Fosse na F1 de hoje… pano rapidíssimo!

Voltemos a 33 anos atrás: no GP da Áustria, a equipe pretendia fazer bonito e deixar seu principal piloto em condição de marcar pontos novamente, mas Alboreto bateu na segunda volta após passar em oitavo. Restava Henton – que andou bem e chegou a figurar entre os seis primeiros, até uma válvula deixá-lo a pé na 33ª passagem, quando era o quinto. No GP da Suíça, disputado na França, em Dijon-Prénois, os dois pilotos levaram seus 011 até a quadriculada, com o italiano em 7º e o inglês em 11º.

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Em Monza, no GP da Itália, saiu o azul e entrou o verde, acompanhado do patrocínio dos cosméticos Denim

Apesar da ausência de bons resultados, a Tyrrell conseguiu um patrocinador para as etapas finais do campeonato e os carros mudaram de cor, passando do azul para um verde escuro. A Denim anunciava uma nova colônia, do tipo Musk, e assinou um contrato para estampar sua marca no GP da Itália e na corrida final do campeonato de 1982, em Las Vegas.

O combustível financeiro deu certo para Alboreto, que em Monza largou em 11º para chegar em quinto, enquanto Henton, coitado, se enroscou na Variante Della Roggia com o antigo companheiro de Toleman, Derek Warwick – o que decretou o fim da corrida para os dois.

Com John Watson e Keke Rosberg na disputa pelo título, para a qual o finlandês da Williams chegou com nove pontos de vantagem para o norte-irlandês da McLaren, a última etapa foi disputada no mesmo circuito do título de Nelson Piquet um ano antes, no estacionamento do hotel e cassino Caesars Palace, em 25 de setembro de 1982.

Alboreto, que já conhecia a pista, surpreendeu no treino classificatório: fez o 3º melhor tempo, no melhor resultado de um carro da Tyrrell numa qualificação desde Ronnie Peterson no GP do Canadá de 1977. À frente dele, só as Renault Turbo de Alain Prost e René Arnoux.

Com um carro bem mais confiável que o RE30 alinhado pela Régie, Alboreto largou bem e se manteve em terceiro, atrás dos dois líderes e controlando a distância primeiro para a Brabham BMW de Riccardo Patrese e em sequência para a McLaren do postulante ao título Watson, que precisava ganhar e torcer por um malogro do líder do campeonato Rosberg.

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Simplesmente brilhante: Alboreto fez a melhor volta da corrida em Las Vegas e venceu pela primeira vez na F1

Watson só não contava, claro, com Alboreto. René Arnoux, que chegou a liderar a disputa, enfrentou problemas com seu motor, perdendo rendimento e posições para abandonar na 21ª volta. O calor do deserto de Nevada era terrível para os propulsores turboalimentados e perfeito para a resistência insuspeita do Ford Cosworth V8.

Por mais de 30 voltas, o italiano da Tyrrell se manteve em segundo. E Alboreto não só atacou como passou Prost – e foi embora. Na 59ª volta de um total de 75, o piloto ainda fez a volta mais rápida da disputa – 1’19″539. Watson e também Eddie Cheever passaram Prost, mas não foi suficiente para o piloto da McLaren.

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Ladeado por Eddie Cheever e John Watson (e também pela cantora Diana Ross), Alboreto comemora a 22ª vitória da história da Tyrrell

Aos 25 anos de idade, Michele Alboreto espantava o mundo ao vencer pela primeira vez na Fórmula 1 e com a Tyrrell, uma equipe tida como desacreditada e que não via um de seus pilotos no topo do pódio havia 71 GPs ou mais de quatro temporadas. Como resultado, o italiano foi eleito – com inteira justiça – a grande revelação do ano e “Tio” Ken voltou a sorrir, conquistando um honroso 7º lugar no Mundial de Construtores, com os 25 pontos que sua aposta somou em 1982.

Como prêmio, Alboreto renovou contrato para a temporada seguinte e a equipe conquistou um novo patrocinador: entravam em cena para 1983 as “cores unidas” da griffe Benetton.

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