Equipes históricas – Tyrrell, parte XV

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O patrocínio da Benetton e o estadunidense Danny Sullivan foram as grandes novidades da Tyrrell para o Mundial de 1983

RIO DE JANEIRO – Em 1983, a Fórmula 1 passou por sua mais radical mudança de regulamento técnico na sua época moderna. O fim das minissaias e do carro-asa levou as equipes a adotar soluções urgentes para se adequarem ao novo panorama com os bólidos dotados de fundo totalmente plano. A Tyrrell, que vinha entusiasmada pelas performances de Michele Alboreto, a revelação do ano anterior, vinha com novidades para o início do campeonato, marcado para março com o GP do Brasil, em Jacarepaguá.

A principal delas era a chegada de um novo patrocinador: originada da Itália, a confecção Benetton chegava à Fórmula 1 trazendo o “Mundo das Cores Unidas” para os carros do velho Ken, novamente pintados de verde. Alboreto renovou contrato e a equipe britânica tinha um novo piloto: Danny Sullivan, estadunidense de 33 anos à época, que vinha de uma experiência rápida na Fórmula Indy. Nos anos 70, ele fora rival de Ingo Hoffmann, Eddie Cheever e Alex Dias Ribeiro na Fórmula 3 inglesa.

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Na pré-temporada, durante os testes de pneus em Jacarepaguá, a Tyrrell apareceu com esta enorme asa dianteira em seu carro

A equipe fez muitos experimentos na pré-temporada, incluindo uma enorme asa dianteira, mas foi com o modelo 011 dotado de derivas laterais menores que Alboreto e Sullivan iniciaram o campeonato com muitas esperanças. Os motores Ford Cosworth V8, com 30 HP a mais graças a um incremento proporcionado pelo fornecedor, já estavam em processo de decadência e as unidades dotadas de turbocompressor, além de mais fortes, eram mais resistentes que nos outros anos e, em consequência, mais competitivas.

Apesar disto, foi um carro com motor aspirado – a Williams de Keke Rosberg – que fez a pole no circuito carioca de Jacarepaguá para a abertura do Mundial de 1983, no dia 13 de março. Alboreto largou em 11º e o estreante Sullivan saiu de 21º no grid. A corrida do italiano acabou muito cedo, por problemas de pressão de óleo, enquanto o companheiro de equipe resistiu bem na disputa e chegou em 11º lugar.

Outra boa oportunidade para os carros com motor Cosworth seria o GP dos EUA-Oeste, em Long Beach. A dupla da Tyrrell sabia disto e tanto Alboreto quanto Sullivan tiveram um começo bastante forte. Ambos andaram entre os seis primeiros no primeiro terço de corrida, mas enfrentaram problemas e se atrasaram. Pelo menos viram a quadriculada, com Sullivan em 8º e Alboreto em nono.

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A melhor performance de Sullivan foi na Race of Champions, que não valia pontos para o campeonato: o piloto foi 2º colocado em Brands Hatch

Entre a segunda e a terceira etapas da temporada, foi programada uma corrida extracampeonato: a Race of Champions, em Brands Hatch, seria a última da história a não valer pontos na Fórmula 1. A Tyrrell inscreveu só um carro para Danny Sullivan e o estadunidense fez sua melhor corrida pela equipe naquele ano: largou em 5º num grid reduzido – apenas 12 carros largaram – e chegou em segundo, apenas meio segundo atrás do vencedor, Keke Rosberg.

No GP da França, começou o calvário dos motores V8. Com o retão Mistral do circuito de Paul Ricard, os carros com motor turbo deitaram e rolaram. Alboreto foi o 15º no grid, nada menos que cinco segundos mais lento que a pole do Renault Turbo de Alain Prost. Sullivan classificou-se em 24º e andou sempre no fim do pelotão até abandonar com problemas de embreagem. Alboreto conseguiu terminar mais uma vez e chegou em oitavo.

Em San Marino, na pista do primeiro pódio da carreira, Michele Alboreto continuou classificando razoavelmente bem sua Tyrrell #3, obtendo o 13º tempo do grid, enquanto Sullivan largou da 22ª posição. Alboreto chegou a figurar entre os dez primeiros, mas bateu logo nas primeiras voltas e abandonou. O destino de Sullivan foi o mesmo: acidente, só que na 38ª volta, quando vinha em décimo-quarto.

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Dois pontinhos: Sullivan andou bem nas ruas de Monte-Carlo, que conhecia da Fórmula 3 e chegou em 5º lugar no Principado

As ruas de Monte-Carlo estavam molhadas no início da disputa do GP de Mônaco, para o qual Alboreto conseguiu o 11º tempo e Sullivan largou de último, bafejado pela sorte: também choveu no sábado, dia do segundo treino classificatório, o que tirou não só a Toleman Hart Turbo de Bruno Giacomelli da corrida, como também as McLaren de John Watson e Niki Lauda. Sullivan aproveitou muito bem a corrida: mesmo começando de último, foi galgando posições com bravura e chegou em 5º lugar, mesmo que duas voltas atrasado. Foram os primeiros pontos dele e da Tyrrell na temporada de 1983. Alboreto nem completou a primeira volta: bateu com a Lotus de Nigel Mansell.

A Fórmula 1 voltou após 13 anos ao circuito de Spa-Francorchamps e, para variar, Alboreto foi mais rápido que Sullivan num treino classificatório. Mas o GP da Bélgica não foi digno de registro, embora os dois carros chegassem ao final: o estadunidense foi 12º colocado e o italiano completou em décimo-quarto. A falta de competitividade do Tyrrell 011 e dos motores Ford Cosworth V8 era cada vez mais visível e as oportunidades vinham cada vez mais rareando…

Até que chegou o GP dos EUA-Leste, em Detroit. Nas ruas da então Capital Mundial do Automóvel, o Tyrrell 011 estava à vontade, especialmente com Alboreto, que conseguiu o 6º lugar no grid. Sullivan não foi tão mal, correndo “em casa”: largou em décimo-sexto e chegou a alcançar a sétima posição até abandonar, com problemas elétricos em seu carro.

Alboreto foi bem mais feliz: andou sempre entre os seis primeiros e com o abandono do líder René Arnoux, na 32ª volta, alcançou a segunda posição atrás da Brabham BMW Turbo de Nelson Piquet – que, como curiosidade, não se classificara para a mesma corrida no ano anterior. O brasileiro, que não vencia desde a abertura do campeonato em Jacarepaguá, optou por uma tática suicida e não fez o reabastecimento que a própria Brabham introduzira no ano anterior. A pista urbana de Detroit não fazia o motor bávaro consumir tanto combustível e o piloto, junto ao engenheiro Gordon Murray, decidira fazer a corrida inteira sem reabastecer.

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Alboreto comemora ao receber a quadriculada da vitória do GP dos EUA-Leste, em Detroit. Foi o 23º – e último – triunfo da história da Tyrrell na Fórmula 1

Mas aí a sorte mudou de lado: na 51ª volta, furou um pneu da Brabham do líder e Piquet precisou encostar nos boxes para trocá-lo, voltando em quarto. Alboreto desta vez era o piloto certo na hora certa: herdou a ponta e venceu pela segunda vez na Fórmula 1, dando enfim uma alegria a Ken Tyrrell num ano até ali bastante atribulado.

Uma das últimas esperanças para o Tyrrell 011 figurar nos pontos seria o GP do Canadá, em Montreal. Mas nenhum dos dois pilotos teve bom desempenho. Alboreto largou em 17º e chegou em oitavo. Sullivan terminou logo atrás, em nono. Mas a vistoria desclassificou o carro #4: com 536 kg, quatro abaixo do peso mínimo permitido, o piloto foi eliminado do resultado final da corrida.

Aí começou o verdadeiro calvário das equipes que, como a própria Tyrrell, não tinham recursos para dispor de motores turbocomprimidos. Até a Williams, campeã com Keke Rosberg em 1982, fora relegada ao papel de mera figurante e jogada do meio para o final do pelotão. Só que tanto Frank Williams quanto Ron Dennis já agiam nos bastidores e preparavam a estreia de motores turbo para 1983. Ken Tyrrell tanto não queria saber deles como não dispunha de meios para adquirir um.

Em Silverstone, Alboreto e Sullivan pelo menos terminaram a corrida com dignidade, respectivamente em 13º e 14º ao fim da disputa. Na Alemanha, no igualmente veloz circuito de Hockenheim, Sullivan chegou em 12º e a corrida de Alboreto durou muito pouco: apenas três voltas, já que a bomba de gasolina resolveu parar por conta própria. O modelo 011, que estreara em 1981, também estava igualmente saturado e a equipe já desenvolvia, apesar da falta de grana, um carro novo.

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Alboreto estreia uma inédita asa traseira bumerangue na nova Tyrrell 012, no GP da Áustria, em Zeltweg

Mais uma vez com design de Brian Lisles e supervisão de Maurice Philippe, veio à luz o Tyrrell 012, que estrearia no GP da Áustria, em Zeltweg. Além de um chassi diferente e mais leve, construído em fibra de carbono, o novo carro foi dotado – pelo menos nos treinos – de uma inédita asa traseira com formato de bumerangue. O artefato não se mostrou tão eficaz e foi encostado para a corrida, para a qual Alboreto classificou-se em 18º no grid, com Sullivan em 22º. A corrida durou pouco: os dois pilotos se envolveram em acidentes e desistiram.

Para o GP da Holanda, só Alboreto tinha o 012 à disposição e Sullivan, com o carro velho, só conseguiu um lugar no grid porque superou a Osella Alfa Romeo de Piercarlo Ghinzani por 0″084. Problemas de motor tiraram o estadunidense na 20ª volta e Alboreto, mesmo largando de 18º, fez uma corrida muito combativa e terminou em sexto, somando mais um pontinho no campeonato.

Na Itália, não houve nenhum atenuante para a falta de potência dos Cosworth e a esperança eram as quebras dos concorrentes com motor turbo. Largando entre os últimos, os dois pilotos desistiram: Alboreto, com problemas de embreagem e Sullivan, com uma falha na bomba de combustível do velhíssimo 011. A equipe conseguiu enfim aprontar o segundo chassi do Tyrrell 012 a tempo para a disputa do GP da Europa em Brands Hatch e, fato raro naquela temporada, o estadunidense enquadrou Alboreto – que aliás já tinha contrato assinado com a Ferrari para o Mundial de 1984.

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Após três temporadas pela Tyrrell, Alboreto assinou com a Ferrari para 1984

A corrida não foi das mais felizes para nenhum dos dois: o novo carro de Sullivan foi destruído por um incêndio na 28ª volta e Alboreto abandonou com problemas de motor a poucas voltas do final. A última etapa de 1983 foi o GP da África do Sul, em Kyalami. E enquanto a última corrida de Michele pela equipe terminava com mais um motor quebrado, Sullivan quase terminou nos pontos naquela que seria também sua despedida da Fórmula 1 – já que em 1984, após assinar um acordo com a equipe de Doug Shierson – regressaria à Fórmula Indy. O piloto acabou em 7º lugar.

Considerando as dificuldades, até que a temporada não foi ruim: 12 pontos somados, sétimo lugar no Mundial de Construtores e uma vitória, na base da sorte. O que Ken Tyrrell não poderia prever – ou poderia? – é que aquele triunfo em Detroit foi o último da história de uma equipe que passaria, a partir daí, a viver apenas de lampejos. Tempos de decadência que começariam em 1984 – o próximo capítulo de uma riquíssima história.

Comentários

  • Detalhe para o rollbar/santoantonio do 011 do Danny Spin-n-Win Sullivan, claramente feito para algum piloto nanico como o Alboreto, e soldaram um arco por cima do arco original, pra dar a altura adequada. Que absurdo, numa capotagem, aquilo ali envergaria como banana… E o Sullivan fez um bom ano, para quem tinha “desaprendido” a guiar carros leves… Apesar que nem na CART eu acho que ele foi grandes coisas não…

  • Sem querer consultar o “Senhor” Google, tenho quase certeza de que Detroit/83 foi também a última vitória de um Cosworth na F1.