Equipes históricas – Tyrrell, parte XVI

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Martin Brundle e Stefan Bellof: as novas apostas do “Tio” Ken para a Fórmula 1 em 1984

RIO DE JANEIRO – Teimosia e resistência: estes eram os lemas de Ken Tyrrell quando começou a temporada de 1984 do Mundial de Fórmula 1. As equipes se rendiam à evidência de que, sem motores turbo, não era possível um mínimo de competitividade. Mesmo quem não tinha tanto dinheiro, como as nanicas RAM, Osella, Spirit e ATS tinham os seus propulsores com a configuração moderna. “Tio” Ken não queria saber de modernidades. A não ser na sua novíssima dupla de pilotos.

E ele tinha em mãos para aquele campeonato dois garotos que vinham de categorias de base, com excelentes referências: Martin Brundle, britânico de 24 anos, rival duríssimo de Ayrton Senna na Fórmula 3 inglesa e Stefan Bellof, alemão de 26 anos, egresso da Fórmula 2, categoria na qual competia com um chassi Maurer e motores BMW.

O carro era o mesmo do fim de 1983: o Tyrrell 012 com o motor Ford Cosworth DFY V8. E um argumento bastante convincente que a equipe usava para justificar a ausência de uma unidade turboalimentada era o limite de consumo de combustível. Com o fim dos reabastecimentos, banidos da Fórmula 1, os carros teriam que carregar 220 litros de gasolina. Algumas escuderias, como a Renault, cujos motores V6 Turbo eram notórios beberrões, se davam ao luxo de resfriar o combustível para conseguir, dessa forma, uma vantagem extra. Carros parando com pane seca seriam rotina naquele e nos anos seguintes da categoria.

A Tyrrell também adotava uma solução no mínimo curiosa: enquanto o carro de Brundle não ostentava nenhum adesivo de patrocinador, conservando o velho azul-escuro dos tempos de vacas magras, o bólido de Bellof era preto e carregava as cores de seus patrocínios pessoais. Assim a equipe disputou a pré-temporada e chegou ao Brasil, no circuito de Jacarepaguá, para a abertura do campeonato em 25 de março.

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Logo na corrida de estreia, Martin Brundle chegou em 5º no GP do Brasil, em Jacarepaguá

Nos treinos, até que a dupla de novatos não fez feio: Brundle classificou-se em 19º lugar no grid e Bellof em vigésimo-terceiro. O alemão desistiu na 12ª volta com um problema no acelerador, mas Martin andou bem e conseguiu terminar na 5ª colocação logo em sua corrida de estreia, beneficiado… pela falta de gasolina da Renault Turbo de Patrick Tambay.

Um fato até certo ponto inusitado ocorreu durante a disputa: Brundle entrou nos boxes e os mecânicos da Tyrrell reabasteceram seu carro com… água. Como fazia muito calor na corrida de abertura do campeonato, ninguém estranhou muito.

Em Kyalami, os dois nada puderam fazer para combater os carros turbocomprimidos nos treinos, numa pista que lhes dava enorme desvantagem. Só a dupla da Arrows, ainda sem os motores BMW e com os Cosworth V8 em seus A6, andava no mesmo ritmo de Brundle e Bellof. Mesmo assim, o britânico ainda conseguiu terminar a corrida – quatro voltas atrasado, é verdade – em 11º lugar. Bellof sofreu uma saída de pista quando vinha em nono, à frente inclusive de Ayrton Senna. E teve que desistir.

No circuito belga de Zolder, teve início a chamada “fase europeia” do calendário. Os dois pilotos da Tyrrell se qualificaram na 11ª fila do grid, com Bellof mais rápido que Brundle pela primeira vez naquele ano. E o alemãozinho deu um show a bordo do carro #4. Na 36ª de um total de 70 voltas, já estava entre os seis primeiros. Chegou a andar em quinto e deu canseira em Elio de Angelis e Keke Rosberg – vejam vocês. No fim da disputa, Bellof terminou em 6º, no que seria seu primeiro ponto no campeonato. Brundle não vinha tão rápido quanto o alemão, mas estava em nono quando uma roda de seu Tyrrell 012 caiu e ele foi obrigado a abandonar.

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Pontos para Bellof em dois GPs consecutivos: Bélgica e San Marino

O GP seguinte seria em Imola, na Itália. Já era rotineiro ver as duas Tyrrell à frente de RAM, Spirit e Osella nos treinos classificatórios. E também os shows de pilotagem de Stefan Bellof, cada vez mais impressionantes. O germânico foi um tanto quanto beneficiado pelo festival de carros com pane seca ao fim da disputa – a Ligier de Andrea de Cesaris e a Alfa Romeo de Eddie Cheever, que vinham à sua frente pararam. Aliás, o italiano era o 3º colocado e portanto subiria ao pódio! Bellof não tinha nada a ver com isso e emplacou mais uma corrida nos pontos: foi o quinto. Brundle poderia ter sido o 6º, mas enfrentou problemas mecânicos no finzinho e desistiu.

A 5ª etapa foi o GP da França, que voltava ao circuito de Dijon-Prenois. Lá, novamente num traçado que penalizava os motores Cosworth, não houve atenuantes para nenhum dos dois pilotos da Tyrrell: Bellof inclusive teve um motor quebrado, sendo obrigado a abandonar logo no início. Brundle seguiu até o fim e chegou em 11º. Aí, veio Mônaco…

Para a prova do Principado, com 27 carros inscritos e 20 vagas disponíveis, praticamente um terço dos competidores ficaria de fora. Brundle não deu sorte: só conseguiu o 22º tempo, um décimo acima da marca do helvético Marc Surer, o primeiro reserva. Stefan Bellof classificou-se à justa, na última vaga do pelotão, três décimos atrás da Osella Alfa Romeo do italiano Pier Carlo Ghinzani.

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Não só Ayrton Senna andou absurdamente na chuva em Mônaco: Stefan Bellof largou de último e chegou em 3º na ocasião

O que Bellof fez naquele domingo chuvoso em 3 de junho foi ofuscado pelo show de pilotagem de outro garoto que também fazia naquela temporada sua estreia na Fórmula 1: Ayrton Senna. Mas vale lembrar aqui as façanhas do alemão.

Ele passou em 10º na primeira volta, entre 17 pilotos que conseguiram evitar acidentes em meio à pista traiçoeira e molhada de Monte-Carlo. Com um bom ritmo, Bellof entrou na zona de pontuação na 16ª passagem e conseguiu ultrapassagens em cima de dois ossos duríssimos de roer: o finlandês Keke Rosberg e o francês René Arnoux. Sem contar que, antes da interrupção da disputa, ele era o piloto mais rápido da pista – o alemão só foi superado em ritmo de prova por Ayrton Senna, que marcara 1’54″334.

Quando a direção de prova deu bandeira vermelha – e também a quadriculada – Bellof vinha a 21 segundos de Prost e a 13″995 de Ayrton Senna. Se o piloto da Tyrrell ultrapassaria o brasileiro da Toleman? Isto jamais saberíamos. Mas a imprensa internacional, maravilhada com o desempenho dos dois, abriu manchetes e matérias exaltando o talento da nova geração da Fórmula 1.

Aliás, cabe lembrar que Bellof tinha uma escola de pilotagem bem distinta em relação a Senna: enquanto o brasileiro tinha como o foco ser campeão mundial a todo custo, dentro de uma doutrina pra lá de obstinada, o alemão queria guiar de tudo e ser muito rápido – sempre. Em 1983, venceu três corridas do World Sportscar Championship (Grupo C) em dupla com a lenda Derek Bell, além de registrar a volta mais rápida da história em Nürburgring, com uma média horária superior a 202 km/h. E já naquela temporada de 1984, ele ganhara os 1000 km de Monza.

Por força de contrato, o alemão abriu mão de disputar as 24 Horas de Le Mans, disputadas no mesmo fim de semana do GP do Canadá, 7ª corrida da temporada de 1984 da Fórmula 1. Mas a corrida de Bellof acabou em Montreal após 52 voltas, em razão de uma falha na transmissão. Brundle fez uma boa apresentação no circuito montado na Ilha de Nôtre-Dame e chegou em nono lugar.

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Em Detroit, Brundle conseguiu um notável 2º lugar. Mas os dias da Tyrrell naquela temporada estavam contados…

No ano anterior, a pista de Detroit vira um triunfo inesperado de Michele Alboreto, conquistado com o furo de pneu da Brabham BMW de Nelson Piquet. O brasileiro, que em 1984 enfrentava uma série de problemas, retomou o rumo das conquistas no Canadá e queria bisar nos EUA. E conseguiu: Piquet venceu partindo da pole. Só que o bicampeão do mundo não contava com a incômoda presença do atrevido Brundle em seus retrovisores. Ele veio de 11º no grid e deu tanto trabalho a Piquet, que chegou a 0″837 do carro #1. Um resultado tão surpreendente quanto histórico, porque numa categoria amplamente dominada pelos motores turbo, o velho Cosworth projetado em 1967 ainda tinha lenha para queimar. Bellof estava em 6º, atrás de Brundle, quando bateu na 33ª volta.

Só que, na vistoria técnica realizada após a corrida, a carruagem virou abóbora. E daquelas bem podres.

Os comissários desportivos descobriram que, por debaixo dos panos, a Tyrrell equipara seus dois 012 com dutos ilegais de combustível, bem como usava um lastro adicional de forma irregular e a gasolina de seus carros tinha nada menos que 27,5% de aditivos. Depois, verificou-se que os carros de Brundle e Bellof estavam nada menos que 80 kg abaixo do peso mínimo exigido pelo regulamento – daí a explicação do abastecimento de água que a equipe efetuava nas corridas. Só assim, eles eram capazes de completar os 540 kg regulamentares.

Em consequência da falcatrua, os 13 pontos que a equipe somara até a 8ª etapa – cinco com Bellof e oito com Brundle – foram cassados e distribuídos aos pilotos que terminaram atrás deles nas corridas anteriores – e isto inclusive beneficiou Ayrton Senna, 7º em Zolder, na Bélgica. A FIA decidiu pela eliminação dos resultados e convocou o tribunal especial da entidade para julgar o caso, que poderia acarretar na eliminação sumária da Tyrrell na temporada de 1984. A equipe, claro, recorreu. E até o veredito, estaria presente nas demais provas do calendário.

Como nada que está ruim não pode piorar, Martin Brundle sofreu um forte acidente em Dallas, na nova pista urbana montada naquela cidade do Texas. E não correu. Bellof classificou-se em 17º no grid, mas bateu na nona volta. E mesmo com toda a controvérsia, a Tyrrell apresentou novos patrocinadores para o GP da Inglaterra, em Brands Hatch, bem como um substituto para Brundle: o sueco Stefan Johansson, que no ano anterior fizera sua estreia pela Spirit.

Os dois pilotos fizeram penúltimo e antepenúltimo tempos e a corrida de Johansson mal chegou a meia volta. Ele se envolveu numa senhora porrada com outros três pilotos e não voltou para a segunda largada. Bellof chegou ao fim em 11º lugar.

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Stefan Johansson assumiu a vaga de Martin Brundle até o GP da Holanda

O alemão deu de ombros para a crise do time. E comunicou a Ken Tyrrell que disputaria, no mesmo fim de semana da etapa de Hockenheim (vejam só…), os 1000 km de Mosport, no Canadá, pelo World Sportscar Championship – certame em que reunia chances de ser campeão. Acabou substituído por Mike Thackwell, que não se qualificou. Johansson saiu de último do grid com a única Tyrrell presente e chegou em 9º no GP da Alemanha.

Em Zeltweg, na mais veloz pista da temporada de 1984 – a média da pole position foi 248,236 km/h, cortesia de Nelson Piquet – não havia nada que Johansson e Bellof, de volta a bordo do carro #4, pudessem fazer. Nenhum dos dois obteve classificação para o grid, o primeiro da história da Fórmula 1 desde 1967 sem a presença do motor Ford Cosworth V8.

Àquela altura, o tribunal da FIA estava muito próximo de seu veredito quanto às falcatruas da Tyrrell, que vinham à tona a medida que as investigações eram realizadas. Também descobriu-se que o carro tinha furos ilegais no assoalho, violando as regras do uso do fundo plano e dando claro efeito aerodinâmico ao Tyrrell 012. Diante de tantos argumentos, era impossível isentar a equipe de culpa.

Assim, a última corrida dos carros da tradicional equipe britânica em 1984 foi o GP da Holanda, em Zandvoort. Johansson e Bellof chegaram respectivamente na 8ª e 9ª posições. E na semana seguinte, o tribunal decretou a Tyrrell culpada e excluiu a equipe do restante do campeonato, cassando oficialmente todos os resultados alcançados por seus pilotos até aquela ocasião.

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Com seus cinco pontos cassados na F1, Stefan Bellof consagrou-se no World Sportscar Championship: campeão mundial de 1984, com seis vitórias e 139 pontos

Bellof afogou suas mágoas da melhor maneira possível: com mais quatro vitórias – já ganhara em Monza e Nürburgring – conquistou ao somar 139 pontos o título de pilotos do World Sportscar Championship. Johansson pegou a vaga de Ayrton Senna no GP da Itália, chegando em 4º lugar – e também permaneceu na Toleman até o fim do campeonato. À exceção de Ken Tyrrell, ninguém ficou a ver navios com tudo o que aconteceu naquele ano.

Próximo post: 1985.

Comentários

  • Nesse ano ainda tinham carros interessantes na f-1,
    F-1 ainda era legal mesmo com o amplo dominio das mclaren-porsche em 1984
    ver grid com lauda, piquet, prost, mansell, rosberg, arnoux, senna, laffitte, de Angelis…
    ainda me arrepia lembrar da corrida de monaco 1984, eu vi ao vivo na tv e, como todo mundo, também fui levado pela transmissao da época a odiar o Jack Ickx, por ele ter encerrado aquela prova antes do senna passar o prost

    era legal ver grid com 26 carros, equipes como tyrrell, ligier, alfa romeo, osella, arrows e outras

    Teo Fabi era o companheiro do piquet nesse ano (se não me engano ele entrou no lugar do patrese, que tinha ido pra alfa romeo)

    Bellof era um baita piloto

  • Eu vi alguns anos atras uma materia se não me engano no F1 Historia que na verdade o Bellof que provavalmente iria ganhar a corrida se ela fosse ate o final já que o Senna tinha problema na suspensão e ele iria abonandar em poucas voltas.