GP de Portugal, 30 anos

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RIO DE JANEIRO – A clássica pergunta não pode faltar: “Onde você estava em 21 de abril de 1985?”

Bem… no meu caso, com 13 pra 14 anos, estava em casa domingo, era feriado de Tiradentes, chovia e tinha Fórmula 1. Quase que religiosamente, sentei-me à frente de minha televisão para assistir o GP de Portugal, segunda etapa do campeonato de 1985. Estávamos também vivendo, naquele dia, os estertores da vigília pela saúde do presidente Tancredo Neves, eleito por Colégio Eleitoral, mas que representara, no dia de sua eleição, a esperança de um país mais justo e democrático. Porém, como todos sabemos, Tancredo não tomou posse – já que se submeteu a uma cirurgia às pressas, no dia 14 de março –  e em seu lugar assumiu o vice, José Sarney.

Então, sob as incertezas que permeavam a esperança pela volta de Tancredo, viveu-se uma manhã histórica. Porque naquele feriado de Tiradentes, considerado o mártir da independência do país perante o jugo português, que colonizara o país e não o deixava ser república no Século XVIII, Ayrton Senna da Silva fazia uma exibição de gala a bordo da Lotus Renault 97T número #12, com as mesmas cores que imortalizaram o primeiro título mundial de Emerson Fittipaldi.

Chovia a cântaros no Estoril e as habilidades de Senna, propaladas desde o GP de Mônaco em que ele foi segundo com a modesta Toleman de motor Hart, foram postas mais uma vez à prova. Ele não decepcionou: venceu de ponta a ponta, completando a corrida no tempo limite de duas horas com mais de um minuto de vantagem para o 2º colocado, Michele Alboreto, da Ferrari.

https://www.youtube.com/watch?v=nzREMb_d6b8

Não pensem, entretanto, que foi fácil. Senna admitiu tempos depois que a vitória esteve longe de ser tranquila. “Errei várias vezes! Minha sorte foi que as câmeras de televisão não mostraram”, admitiu. As condições da pista do Estoril eram precárias e foi um milagre que não tivesse havido um acidente mais sério. Talvez o único susto tenha sido a aquaplanagem da McLaren TAG Porsche de Alain Prost, em plena reta dos boxes.

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A alegria de Senna pela primeira conquista é inesquecível. A imagem do piloto com parte do corpo fora do cockpit, os cintos desatados, o punho cerrado e o braço erguido em júbilo, entrou para o folclore da Fórmula 1. E a alegria incontida de Peter Warr, de Gérard Ducarouge, dos técnicos da Renault e dos engenheiros e mecânicos da Lotus, também. A equipe não vencia uma corrida desde 1982. Foi o primeiro triunfo do time desde a morte de Colin Chapman e também a primeira vitória do motor Renault desde Alain Prost no GP da Áustria de 1983. Por isso, as comemorações tão efusivas naquele dia.

Depois do triunfo de Senna, igualmente inesquecível foi a emoção de D. Risoleta Neves, mulher de Tancredo, que saíra de uma missa em prantos, rogando que os brasileiros se unissem em corrente de oração pela saúde do presidente. Infelizmente, às 22h30 daquela noite de 21 de abril, quando Antonio Britto, secretário de comunicação e porta-voz da presidência, conhecido de todos por seu trabalho nas reportagens sobre Brasília veiculadas no Jornal Nacional, irrompeu em todas as emissoras com o “Lamento informar” que abriu o último boletim sobre Tancredo Neves, caiu a ficha. Era o fim de 38 dias de agonia. Morria com Tancredo Neves a esperança de um país mais justo e democrático. Morria também a “Nova República” e todos nós, com os primeiros acordes do Hino Nacional cantados por Fafá de Belém, caímos num pranto convulso e desesperado.

Foi um dos momentos mais tristes que vivenciei na televisão, comparável à queda das Torres Gêmeas do World Trade Center em 11 de setembro de 2001 e, logicamente, à morte do mesmo Senna que, naquela manhã de 21 de abril de 1985, enchera o país de alegria.

No dia seguinte, Senna não foi manchete de jornal algum. Talvez tenha sido a única vez em toda sua vida até o fatídico 1º de maio de 1994. E nem podia.

Comentários

  • Que loucura deve ter sido esse dia..

    E os tempos eram mais simples, de uma Fórmula 1 sem muita frescura.. enquanto Ayrton cruzava a linha de chegada, a equipe Lotus comemorava de dentro da pista.. e o hino falhando no pódio? kkkk… bons tempos!

  • Tancredao deu sorte que nao virou presidente. Com a conjuntura da epoca ele nao poderia ter feito muito, e assim virou um idolo sem ter feito muita coisa de produtiva para o pais como politico. Carreira bem tradicional, um politico do tempo dele. Como escreveu o Paulo Francis, Tancredo dizia coisas como “precisamos estimular o crescimento, precisamos baixar a inflacao” sem nunca dizer como ou quando.

    Essa corrida de 85 mais uma vez nos lembra porque ate pouco tempo atras a F-1 era o maximo do mundo das corridas. Chuva torrencial, e la estavam eles andando de lado controlando carros que seriam inguiaveis para o mortal comum. Sao uns wussies e bundas moles esses pilotos de hoje. O publico percebe o tanto que sao mimadinhos e mais um prego no caixao da F-1 eh colocado.

    Hoje a qualquer brisa ja tem safety car na pista durante voltas e voltas. Como escreveu outro dia outro jornalista, basta olhar para tras para ver o que esta errado hoje.

    PS: Como era ruim de chuva o querido Prost. Lembrancas de Imola na chuva para ele.

  • Bons tempos.

    Hoje, se cair uma chuva dessas, os pilotos correm para baixo da saia da mãe, dizendo que é um absurdo correr nessas situações.

    Entre outras coisas, essa é uma das razões que a F1 virou uma coisa afrescalhada.

  • Você foi majestoso em suas palavras, acompanhei essa corrida do inicio ao fim e tornei-me admirador de Senna desde a corrida de Mônaco daquele mesmo ano. Elogiável o contesto político / histórico descrito no texto.

  • …afinal, comentários do SENA ou do TANCREDO!?
    Lembro deste quando se foi/triste _ acabou sendo feriado.
    E mostrava ser um POLÍTICO DIGNO. Ou NEM RUIM.

    * Retornos aki cairiam normal.