Discos eternos – Samba Rock (2001)

DI03136RIO DE JANEIRO – Vinte e seis anos se passaram desde que o Trio Mocotó gravara seu último disco até a volta triunfal com o álbum Samba Rock, produzido em 2001. Muita coisa mudou na música, inclusive os hábitos do público em São Paulo. Acostumado com música ao vivo durante toda a década de sessenta, esse público trocou as apresentações de palco pela febre da discothèque e aí todo mundo que fazia música ao vivo nos bares da vida quebrou a cara. “Nos apresentamos no Bar Jogral por décadas. Aí veio a Donna Summer e tirou nossos empregos”, inconformava-se o percussionista Joãozinho Parahyba.

Ele, filho de família influente (dona da fábrica dos cobertores Parahyba), mais Nereu “Gargalo” e (Luiz Carlos de Souza) Fritz “Escovão” formaram o Trio Mocotó a partir de 1968. Na época, Mocotó era uma gíria da malandragem para designar os joelhos das moças mais desinibidas que sambavam na noite paulistana. Mas não só os joelhos, como também as pernas mais bem fornidas passaram a ser chamadas da mesma forma. E com amigos feito Wilson Simonal e Jorge Ben, não tinha como a rapaziada passar batida na história da música.

Das canjas entre Jorge e os músicos do Trio Mocotó, nasceu uma parceria que rendeu apresentações ao vivo em shows e festivais de música como o FIC da Rede Globo, gravações em estúdio e quatro discos – um deles com o próprio Ben, sem contar a participação nas faixas “A Tonga da Mironga do Kabuletê”, de Toquinho e Vinícius de Moraes e em “Samba de Orly”, no disco Construção, de Chico Buarque de Hollanda.

O virtuosismo dos músicos do Trio Mocotó conquistou também fãs a nível internacional. Um deles foi o jazzista Duke Ellington. O lendário compositor de “Caravan” pirou ao ver Fritz tocando – na cuíca – a peça de Bach “Jesus, Alegria dos Homens”. Louis Armstrong, numa passagem pelo Brasil, conheceu o grupo e também ficou enlouquecido com o suingue infernal que vinha dos instrumentos dos três músicos. Oscar Peterson igualmente foi hipnotizado pelo que os rapazes faziam.

O século XXI começou. Já não existia mais Wilson Simonal e a Pilantragem. A discothèque também tinha ‘cantado pra subir’. Mas o Samba-Rock seguia firme com Jorge Ben (agora Ben Jor) e a febre de ritmo e suingue praticamente exigiu que o Trio Mocotó voltasse com o que tinham de melhor. E assim foi.

Após a abertura com a deliciosa “Não sei por que”, o Trio Mocotó traz uma verdadeira declaração de princípios do álbum e do Samba-Rock: “Voltei amor”.

Voltei amor
Pra dizer que ainda te amo
Pra dizer que ainda te quero
Te quero

Como vai?
Parece estar tudo beleza
Seu rosto não traz mais aquela tristeza
Que bom, que bom!

Mas se você quiser voltar
Amor demais tenho pra dar
Pois minha vida sem você
Não é fácil de viver

O alto-astral e a veia humorística do grupo aparece com tudo na suingadíssima releitura de “Kriola”, do compositor Hélio Matheus, com as hilárias intervenções de Nereu “Gargalo” e Fritz “Escovão”. ‘Solta a cinturinha dela, ‘seu’ Nereu’ é, disparada, a mais engraçada de todas. “Alegria contida” volta ao padrão das duas primeiras faixas e o show da quinta música é todo do pandeirista Nereu, interpretando (à maneira Nereu “Gargalo”, é claro) uma canção em homenagem à sua figuraça.

Nas músicas seguintes, os três dão uma aula de percussão e suingue, com destaque para as ótimas “Swinga Sambaby” (Lindos olhos você tem/Cabelos longos também/Menina, te quero bem/Não te troco por ninguém/Swinga Sambaby, Menina), as releituras de “Águas de Março” (com um instrumental de cair o queixo) e “Adelita”, de Jorge Ben, além da ótima “Os Orixás” e da inacreditável “Kibe Cru”, com participação do rapper Max B.O e até de uma mulher (Sarah) falando em árabe.

Um disco para ser ouvido várias e várias vezes, não só para nos deliciarmos com a cama percussiva em contraponto com instrumentos mais modernos como o Clavinet e com efeitos sonoros para aproximar o bom e velho Samba-Rock da música moderna. Mas também para provar que uma boa dose de humor não faz mal a ninguém.

Logo depois da gravação deste disco, o Trio Mocotó foi desfalcado com a saída de Fritz “Escovão”. Em seu lugar, entrou ninguém menos que Skowa, ex-Máfia e que também colaborara com Itamar Assumpção, Premeditando o Breque e Gang 90 & Absurdettes. Mas só gravaram mais um álbum depois disto, em 2004.

Tomara que o Trio Mocotó não demore 25 anos para gravar de novo…

Ficha técnica de Samba-Rock
Selo: YB Music/Net Records
Gravado em 2001
Produzido por Maurício Tagliari e Joãozinho Parahyba

Músicas:

1. Não Sei Por Que (Fritz Escovão/Joãozinho Carnavalesco)
2. Voltei Amor (Fritz Escovão/Joãozinho Carnavalesco)
3. Kriola (Hélio Matheus)
4. Alegria Contida (Fritz Escovão/Nereu Gargalo)
5. Nereu Nereu (Fritz Escovão/Nereu Gargalo/Joãozinho Parahyba)
6. Tudo Bem (Nereu Gargalo)
7. Swinga Sambaby (Nereu Gargalo)
8. Águas de Março (Tom Jobim)
9. Mocotó Beat (Fritz Escovão/Nereu Gargalo/Joãozinho Parahyba/Maurício Tagliari)
10. Pensando Nela (Beto)
11. Adelita (Jorge Ben Jor)
12. Cyrano (Apollo 9/Rita Lee)
13. Kibe Cru (Fritz Escovão/Nereu Gargalo)
14. Os Orixás (Fritz Escovão)
15. Fui (Fritz Escovão)

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