A última dobradinha

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Grandes amigos: a dobradinha histórica de Nelson Piquet e Roberto Pupo Moreno completa 25 anos – e foi a última de pilotos brasileiros até hoje na F1

RIO DE JANEIRO – Faz mais de seis anos que o Brasil não sai do total de 101 vitórias de pilotos do país na Fórmula 1. A última foi de Rubens Barrichello a bordo da Brawn GP na Itália, em Monza.

A última vez que dois subiram juntos ao pódio, alguém lembra? Claro que não, mas aí vai: GP da Alemanha, 2008. Nelsinho Piquet 2º colocado e Felipe Massa terceiro.

E a última dobradinha? Bem… essa é histórica. Porque completa 25 anos exatamente hoje, 21 de outubro. Dia em que Ayrton Senna também se consagrou bicampeão mundial.

Aliás, sobre o título de Senna, cabe dizer que o piloto da McLaren, na ânsia de dar o troco em Alain Prost por tudo o que lhe fizeram em 1989, se rebaixou ao nível do francês da Ferrari e de Jean-Marie Balestre, aliado político de “Le Professeur”. Foi tão torpe e tão cínico quanto Prost na manobra de altíssimo risco que planejou e executou a sangue frio, acabando com a decisão do campeonato 300 metros após a largada, num anticlímax surpreendente para muitos – mas não para quem conhecia Senna a fundo.

https://www.youtube.com/watch?v=QYfX0PPdUTU

O piloto brasileiro, aliás, desfez ali a impressão de que era um mocinho em meio a bandidos. Aliás, sou partidário da tese que, para vencer em qualquer categoria do automobilismo, qualquer piloto tem que ter um percentual de “filhadaputagem”. Se você não tem colhões e não encara as situações como elas mandam – e aquela mandava que Senna fosse tão canalha quanto Prost fora na mesma pista de Suzuka um ano antes – Ayrton ficaria desmoralizado.

Uma pena que as manobras vis de dois grandes rivais – talvez os maiores da história – inspirassem negativamente outros pilotos. Michael Schumacher talvez tenha sido o principal mau exemplo de vilania. No GP de Macau de F3, não hesitou em provocar um acidente com Mika Häkkinen. Depois, em duas decisões de F1, jogou sujo contra Damon Hill e Jacques Villeneuve. Pode ser um grande piloto por tudo o que fez ao longo da carreira, mas santo, nunca foi.

Voltando ao assunto do post, certo é que aquele 21 de outubro de 1990 foi quadruplamente inesquecível.

Não só pelo título de Senna, como também pela primeira vitória de Nelson Piquet na categoria após três anos de jejum, pelo primeiro pódio de Roberto Pupo Moreno e pela dobradinha histórica – que acabou desde então sendo a última de pilotos brasileiros na F1.

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A manobra deliberada de Senna contra Prost deixou muita gente perplexa e o bicampeonato de Ayrton foi ofuscado pela alegre dobradinha da dupla Piquet-Moreno

Eu, com 19 anos de idade, no tempo em que não me permitia perder uma corrida sequer, liguei a TV como habitualmente fazia, assisti perplexo ao que Senna fizera contra Prost e quando Berger rodou sozinho no início da segunda volta, já achava ótimo ver Piquet em 2º lugar e Moreno em 3º, atrás da Ferrari de Nigel Mansell.

Piquet praticamente conduziu a Benetton ao patamar de equipe grande. Com sua experiência e trabalho incansável, fez do B190 com motor Ford Cosworth DFR V8 um bom carro. Não um carro vencedor, mas um bom carro. E Moreno, igualmente incansável, lutador como poucos que já existiram na história, era recompensado por todo o seu esforço – muito embora tenha sido beneficiado por uma tragédia com o simpático, veloz e popular italiano Alessandro Nannini, que tivera um braço decepado num acidente de helicóptero e passara por uma cirurgia para a reimplantação do membro.

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Não cabendo em si de emoção e alegria, Moreno fez até chifrinho em Piquet no pódio

Moreno comera o pão que o diabo amassou na Lotus como piloto de testes e em tudo mais o que guiara até aquele dia fatídico. Fórmula 2, Indy, Fórmula 3000, as carroças de AGS, Coloni e EuroBrun. Ele merecia coisa melhor. E queria provar que merecia.

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Um momento emocionante: a chegada de Moreno, em prantos, ao parque fechado após o 2º lugar em Suzuka

Quando a transmissão da Ferrari de Mansell, líder absoluto, quebrou de forma patética após uma parada para troca de pneus, a dobradinha caiu no colo da dupla da Benetton. Com a categoria que Deus lhe deu, Piquet administrou. Com igual maestria, Moreno comboiou. E muita gente – eu, inclusive – se emocionou e chorou.

https://www.youtube.com/watch?v=I7gUffZ_I6U

Uma história de bastidores dessa transmissão: Reginaldo Leme fez a viagem para a Suzuka para a transmissão e Galvão Bueno, já estremecido nas relações com o velho parceiro, narrou de off-tube aqui no Brasil. Com Reginaldo tecendo loas (e quem não teceria?) à vitória de Nelson Piquet em dobradinha com Pupo Moreno – praticamente se esquecendo que Senna fora bicampeão – Galvão se emputeceu, deu piti (o livro “Ayrton Senna, o herói revelado”, de Ernesto Rodrigues, conta muito bem essa história), mas narrou o pódio após dizer peremptoriamente a gente da própria Globo que não o faria.

Só sei que aquela madrugada de sábado para domingo foi um momento inesquecível. Inspirado, feliz e aliviado por quebrar um longo jejum e calar a boca dos que o tinham como morto e enterrado para a F1, Piquet foi o velho moleque de sempre ao chegar na coletiva de imprensa e disparar, todo faceiro.

“Muito prazer. Meu nome é Nelson Piquet.”

Comentários

  • Grande Rodrigo!

    O tempo passa rápido. Eu como você, ainda um jovem promissor, lembro dos detalhes desta corrida, realmente emocionante e cheia de significados como você mesmo escreveu. Antes da corrida eu analisei a tabela do campeonato e pensei: se o Piquet ganhar em Suzuka e na Austrália ele teria uma chance de ultrapassar o Berger na tabela do campeonato e ser o terceiro na classificação (com 43 pontos se não me falha a memória).

    E não é que a minha fantasia adolescente se realizou com a linda vitória do mestre Piquet, na 500a corrida da história da F1 na saudosa Adelaide.

    ABRAÇO! Obrigado pela lembrança!

  • Piquet chegou à coletiva de imprensa naquele dia e sua primeira frase foi: “muito prazer, meu nome é Nélson Piquet.”. Mais Nélson impossível.

    Vale lembrar que Reginaldo Leme nos comentários perto do final da prova deu uma estocada em Senna dizendo que Piquet “era o verdadeiro esportista brasileiro”. Azedou ali.

  • Acho que se o Piquet abrisse para o Moreno passar não seria tão bonito como foi, aconteceu como tinha que ser, uma série de coincidências e estar no lugar certo, na hora certa, o Moreno estava na fábrica da Benetton para ajudar o projetista e veio a notícia do acidente do Nanini, coisas de Deus mesmo.

  • Uma corrida inesquecível não só para nós, brasileiros, mas também para os japoneses. Esta foi a primeira vez em que um piloto nipônico subiu ao pódio, com Aguri Suzuki levando a Larrousse a um incrível 3º lugar, à frente das Williams de Riccardo Patrese e Thierry Boutsen. Para completar a festa local, o outro piloto da casa, Satoru Nakajima, chegou em 6º com sua Tyrrell.

  • Prezado Rodrigo Mattar: Respeito e muito suas opiniões acerca de todos os comentários que o Sr. delibera sobre as categorias do automobilismo. Para mim, és uma referência no Endurance.
    Sobre o ocorrido em Suzuka, na disputa do título de 90, Senna, talvez fez aquilo que todo torcedor do automobilsmo desejaria fazer….fazer a justiça com as próprias luvas, fazer justiça diante daquele “circo” armado pelo primeiro mundo contra o terceiro….é….é sim….Balestre jamais admitiria um piloto francês ser derrotado por um sul-americano…e foi….foi muitas vezes. Senna teve peito….teve garra e coragem como sempre….enfrentou tudo e a todos e naquele momento, mostrou ao mundo que ele, Senna, era o cara…foi cínico….”…filho da puta…”vil….digam o que quiser sobre Senna….mas não deixem de admitir que graças a DEUS, nós brasileiros, tivemos um dos 3 melhores pilotos da história na F1….um veio da Argentina, o outro, da Escócia! O Rei está morto, DEUS salve o Rei!

    • Em 83 Piquet venceu o
      Mundial de virada, em cima de três franceses!
      Como assim essa estória de briga de primeiro mundo Cintra terceiro mundo!?!?!

      • 1985, peguei toda a era Senna, se o que vc supos é que não o vi correr.

        Ademais, classificar um piloto melhor que o outro em diferentes eras é algo muito complicado, beirando o impossível.

        Ao contrário do futebol, por exemplo, no automobilismo não temos uma visão de 100% do trabalho do atleta, nunca sabemos qual a verdadeira equação homem/maquina presente em cada resultado e também não podemos saber qual a diferença de nível do participantes.

        Schumacher, por exemplo, ele que se manteve no nível do quarteto Mansell/Prost/Senna/Piquet e sua geração era mais fraca, ou seus contemporâneos eram tão fortes quanto os dos anos 80 e o alemão muito melhor que seus predecessores?

        Tais questões nunca serão respondidas, podemos opinar, mas ter certeza, não.

        Levando tudo isso em conta, o que resta? Resultados, números e ai, meu amigo, não tem discussão, Michael Schumacher foi o melhor piloto de todos os tempos sim.

        Citando uma grande professora: Contra números não há argumentos.

  • Belo texto, Rodrigo, e excelente recordação.

    Uma pena a F- ter tomado os rumos que acabou tomando, encontrando-se no estado de coisas em que está.

    Me tire uma dúvida: esta prova foi o único pódio (3º lugar) de um carro equipado com motor Lamborghini, confere?

    Saudações.

  • Alem do Marty McFly, ontem completou 25 anos do melhor GP de F1 para os brasileiros de todos os tempos!
    1 piloto saiu dela campeão do mundo … o nosso tri-campeão a venceu … um dos pilotos mais gente boa que a gente já teve, de carreira dificilima, conquistou um podio que o encheu de felicidade e orgulho … e, detalhe: os dois eram super amigos! Foi a ultima vez que o Brasil conquistou uma dobradinha de pilotos no podio na F1…
    Me lembro que, eu nunca desliguei uma TV, depois de uma corrida, tão feliz e satisfeito quanto daquela vez…

  • Excelente texto, e histórica magnifica. eu era novo em 89 (5 anos), então não vi ao vivo. Mas tenho uma simpatia mto grande pelo moreno, pelo q vi na cart…um puta batalhador. só não o admiro mais q o zanardi. Esses 2 para mim são verdadeiros ídolos.
    o senna fez o q tinha q ser feito. o q faltou para o barrichello e o massa serem campeões? exatamente isso. é só analisar os últimos campeões…qual era bonzinho? nenhum. talvez o hakkinen, mas todos os outros sem exceções foram fdp, principalmente com os companheiros de equipe…eu no lugar do senna tinha feito a mesma coisa, ainda mais depois de inverterem o lado do pole…
    pela q devemos comemorar uns 50 anos dessa dobradinha…rs
    abs
    Renan

  • Texto muito legal. Foi massa lembrar desse dia. Assisti ao vivo e me lembro da empolgação do Reginaldo Leme afirmando que “é de homens assim que o esporte brasileiro precisa”.

    • Huuuuèéééé´!!!!!!!!! ,ecomo nos últimos tempos ele tenta encher a bola de pilotos como Tartaruguello e F, Mepassa ,esse são justamente pilotos que o Brasil não precisaria ter, tamanho são os glúteos moles dos dois.

      • Talvez porque os dois sejam grandes pilotos e que merecem todo o respeito do mundo e não piadinhas de programa humorístico de gente retardada?

        Barrichelo e Massa são melhores que 80% dos pilotos que passaram pela F1, suas carreiras mostram isso muito bem. Não são gênios como Emerson, Senna e Piquet, mas não tem culpa nenhuma por isso.

        Se vc, por exemplo, tiver a competência e profissionalismo de um dos dois em sua profissão, considere-se um privilegiado.

  • Eu no lugar do Senna, teria feito o mesmo, impossível pensar de outra forma! Uma politicagem da preula, colocaram o pole no lugar sujo da pista! Pra mim foi ação reação.

  • Mais um belo texto seu, Rodrigo Mattar. Muito bom relembrar momentos como esse.
    Quanto às discussões que se seguiram ao texto, nos comentários, elas fazem parte. Vê-se, claramente, que muitos entram em discussões com conhecimento amparado, somente. no “ouvi falar” e a maioria no “Galvão falou'”. Você, como sempre, manteve-se coerente com a história.
    Sou leitor assíduo e admirador do seu blog.
    Parabéns!