Equipes históricas – Ligier, parte IV
RIO DE JANEIRO – A Ligier chegara a um patamar de equipe grande na Fórmula 1 e era considerada como tal na pré-temporada de 1981. Mesmo com a volta dos motores Matra V12, remodelados e sob a sigla MS81, havia essa certeza. Com a compra de parte das ações do time pelo grupo Talbot, a equipe assumiria o nome de Talbot-Ligier Sport para o sexto campeonato de sua existência.
Com projeto de Gérard Ducarouge e Michel Beaujon, o modelo JS17 seria pilotado por Jacques Laffite e Jean-Pierre Jabouille, que servira à Renault. Mas o veterano ex-Régie ainda se recuperava de sérias fraturas em ambas as pernas, decorrência de um acidente no GP do Canadá de 1980. Assim, Guy Ligier colocou outro Jean-Pierre, o Jarier, de sobreaviso.
Na abertura do campeonato, os dois Talbot-Ligier alinharam no meio do pelotão. Laffite chegou ao 6º lugar, mas desistiu na 41ª volta por quebra da bomba de combustível. Jarier avançou na disputa e estava em oitavo quando bateu, a onze voltas do final. Para o GP do Brasil, Jabouille chegou a participar dos treinos livres de quinta-feira (que eram permitidos quando se estreava uma pista nova – o que até não era o caso de Jacarepaguá, usada em 1978) e foi três segundos mais lento que Jarier, que fora ao Rio de stand-by – para acabar como o titular do carro #25 novamente, com a desistência de Jabouille.
O “Jumper” não estava nem um pouco satisfeito com a condição de regra três e ficou menos contente ainda quando se viu em 23º no grid, sete posições abaixo de Laffite. Na corrida, sob chuva, os dois Talbot-Ligier foram bem: Jarier conseguiu alcançar a 6ª posição, mas recebeu placa de sinalização e teve que trocar com Laffite. Os dois acabaram em 6º e 7º – e Jarier decidiu não mais prestar serviços ao time enquanto a situação de Jabouille não fosse resolvida.
A equipe decidiu correr o risco e escalou Jabouille na lista de inscritos para o GP da Argentina – e teria sido melhor que não fosse assim. O piloto do #25 fez o penúltimo tempo a 6″916 da pole position e dois segundos pior que o 24º colocado, o argentino Ricardo Zunino – último apto a largar. O desempenho do motor Matra V12 no calor de Buenos Aires foi sofrível: Laffite largou em 21º e abandonou com problemas de dirigibilidade.
Em Imola, na primeira disputa do GP de San Marino, Jabouille já estava um pouco melhor fisicamente e até conseguiu uma classificação bem razoável no grid: 18º tempo, com Laffite em décimo. A corrida foi para esquecer: Jabouille teve sérios problemas mecânicos com seu Talbot-Ligier e dividiu seu tempo entre a pista e os boxes. Levou 15 voltas do vencedor Nelson Piquet e não foi classificado. Laffite desistiu na 7ª volta após um acidente.
Na Bélgica, Laffite fez o 9º melhor tempo do grid e Jabouille o 16º. Enquanto o veterano se debatia com problemas desde o início para desistir novamente, com problemas de transmissão, Laffite fez uma ótima corrida e chegou em 2º, conquistando o primeiro pódio do ano – numa corrida interrompida pela chuva a quinze voltas do final. Em Mônaco, outro pódio do Talbot-Ligier, com mais um 3º posto de Laffite. Jabouille bem que tentou, mas acabou a meio segundo do 20º colocado e não se classificou para a corrida.
No intervalo entre o GP de Mônaco e a prova seguinte, na Espanha, a Talbot-Ligier fez uma bateria de testes em Dijon-Prénois, visando também a corrida naquele circuito. Os treinos foram extremamente benéficos e Laffite fez sua terceira pole position consecutiva em Jarama, mostrando sua aptidão para o traçado madrilenho e o excelente acerto da Ligier para a pista. Por sinal, esta seria a 9ª e última pole da história da equipe na F1.
Mas no GP da Espanha, Laffite não foi páreo para o infernal Gilles Villeneuve. Aliás, ninguém seria. O francês recuperou de uma largada terrível que o fez baixar para 11º na primeira volta para terminar em segundo, engatado na caixa de câmbio do canadense da Ferrari. Com esse resultado, Laffite alcançava 17 pontos no campeonato e um total de três pódios consecutivos. Jabouille não fez nem cosquinha: 19º no grid, abandonou após 52 voltas com problemas de freios.
Antes da 8ª etapa do campeonato, Guy Ligier e Jabouille, por interferência de um amigo em comum a ambos, Jean-Pierre Paoli, chegaram a um acordo e rescindiram o contrato do veterano piloto de 39 anos. Com Jean-Pierre Jarier prestando serviços à Osella, a única opção francesa disponível no mercado estava na minúscula Theodore: Patrick Tambay assinou para o restante do ano e passou a ocupar o cockpit do carro #25.
A escolha não resultou a princípio: Tambay fez o 16º tempo para o grid do GP da França e Laffite, cujo carro estampava o pôster promocional da corrida, ficou com a sexta posição nos treinos. Na corrida, Tambay desistiu na 30ª volta e Laffite, que vinha em 7º, acabou vítima da tromba d’água que levou inclsuvie à interrupção da corrida. Em Silverstone, os Talbot-Ligier não tiveram bom desempenho nos treinos e Tambay voltou a desistir logo cedo. Laffite recuperou da 14ª posição no grid e numa corrida pautada pela discrição, conquistou seu quarto pódio em 1981 – beneficiado por muitos abandonos, é verdade.
Em Höckenheim, onde vencera o GP da Alemanha no ano anterior, Laffite emplacou o quinto pódio da temporada: chegou em 3º lugar atrás de Nelson Piquet e Alain Prost. Patrick Tambay conseguiu seu melhor grid com o Talbot-Ligier, mas abandonou novamente com problemas de rolamento de roda. Na Áustria, Jacques conseguiu um resultado fundamental para as pretensões dele e da equipe no campeonato: o piloto partiu da 4ª posição, figurando entre os três primeiros desde o início ao superar a Brabham de Nelson Piquet.
Com os problemas da Renault de Alain Prost, que liderava, o compatriota René Arnoux tornou-se presa fácil e Laffite chegou a uma importante conquista que o deixou com 34 pontos, a cinco de Nelson Piquet e onze do líder do campeonato, Carlos Reutemann. Tambay largou em 17º e só enfrentou problemas, desistindo mais uma vez.
Nas corridas seguintes, fundamentais para a decisão do campeonato, Laffite teve dois azares que puseram tudo a perder: no GP da Holanda, cometeu um erro ao negociar uma ultrapassagem e bateu em cheio na Williams do então líder do campeonato, Carlos Reutemann. Para o bem da temporada, o incidente pôs fogo na disputa. Em Monza, o piloto foi traído por um pneu furado quando já chovia e saiu da pista, abandonando novamente. Para Tambay, nada dava certo: sem completar uma volta sequer em Zandvoort, ele fez sua melhor corrida do ano na Itália. O piloto ocupou o 4º lugar por quatro passagens… até um pneu furar.
No dilúvio do Canadá, Laffite conseguiu o que parecia impossível: venceu a corrida e se colocou com chances matemáticas, embora mínimas, de ser campeão mundial com um conjunto 100% francês de carro, motor e pneus. Tambay largou em 17º e rodou logo no início, abandonando na sexta volta. Em Vegas, na última prova do ano, um fortíssimo acidente acabou com a corrida de Patrick após duas voltas e praticamente dividiu seu Talbot-Ligier em dois. O piloto saiu dos destroços qual saci-pererê, numa perna só.
Com chances retóricas de título, já que estava seis pontos atrás do então líder Carlos Reutemann, Jacques Laffite esteve longe de fazer algo para lhe dar o Mundial de Pilotos. Quando foi ultrapassado primeiro por Alain Prost e depois por Nelson Piquet na altura da 50ª volta, depois de andar justamente em segundo – resultado que lhe deixaria empatado em pontos com o argentino da Williams, Laffite ficou mais e mais para trás, terminando num magro 6º lugar. Acabou o ano em quarto, com 44 pontos somados.
Para 1982, a Talbot-Ligier sofreu uma baixa considerável na parte técnica: após sete temporadas de bons serviços prestados à equipe francesa, Gérard Ducarouge aceitou uma proposta tentadora da Alfa Romeo e trocou Vichy por Turim, na Itália. Com a volta do regulamento que permitia o efeito-solo, a equipe se socorreu de uma versão “B” do modelo JS17, enquanto o novo carro – projeto de Michel Beaujon com supervisão de Jean-Pierre Jabouille – que além de piloto tinha um amplo conhecimento de mecânica e engenharia – não ficava pronto a tempo. Outra má notícia para o time foi o arquivamento definitivo dos planos de construção de um motor Matra V6 Turbo e a equipe seguiria com a unidade MS81 do lendário V12 do fabricante de Vélizy.
Digna de registro, a contratação do primeiro piloto estrangeiro da história do time de Guy Ligier: após dois anos na categoria defendendo Osella e Tyrrell, o estadunidense Eddie Cheever, então com 24 anos, foi confirmado como o novo companheiro de equipe do veterano Jacques Laffite.
A equipe sabia que o início do campeonato, com o carro velho adaptado a um novo regulamento, não seria dos mais fáceis. Na África do Sul, os dois pilotos tiveram problemas com o chamado “vapor lock”, bolhas que se formavam entre o sistema de combustível e o motor, obrigando ao abandono de Cheever e Laffite. No forte calor do fim do verão brasileiro, em Jacarepaguá, os Talbot-Ligier fizeram papel de time pequeno: Laffite classificou-se em 24º no grid e Cheever, em último. O suplício dos dois terminou com menos de 20 voltas.
Em Long Beach, Cheever classificou-se pela primeira vez à frente do companheiro de equipe, mas nem ele e nem Laffite conseguiram alguma coisa no GP dos EUA-Oeste, abandonando a disputa. A Talbot-Ligier boicotou o GP de San Marino e na Bélgica, surpresa: a desclassificação da McLaren de Niki Lauda, abaixo do peso mínimo de 580 kg conforme a vistoria técnica, deu a Cheever o primeiro pódio na F1 com o 3º lugar em Zolder. Laffite, aos trancos e barrancos, chegou em nono, quatro voltas atrasado.
Por pressão dos patrocinadores, a Talbot-Ligier foi obrigada a estrear o modelo JS19 sem que houvesse um mínimo de testes que provassem sua competitividade. E o carro logo criou polêmica por seu design arrojado: a carenagem traseira ia além do eixo posterior, o que poderia ser considerado ilegal pela FISA de Jean-Marie Balestre. Temendo uma polêmica, Guy Ligier autorizou que os mecânicos serrassem a saia traseira do JS19 e a proposta do projeto de Beaujon e Jabouille se perdeu completamente – até que a equipe recebesse o aval acerca da legalidade do projeto.
Mônaco, convenhamos, também não era dos lugares mais recomendáveis para se estrear um carro novo. Cheever fez o 16º tempo e Laffite o 18º. Os dois abandonaram cedo, por problemas mecânicos. E o jeito foi mandar o JS19 para a oficina e realizar mais testes, antes que o carro tivesse um mínimo de competitividade. E os JS17B foram empacotados para as provas na América do Norte, no novo circuito de Detroit e em Montreal, no Canadá.
Sábia decisão: correndo em casa (embora tenha nacionalidade italiana, foi registrado como estadunidense), Cheever foi 2º no tortuoso circuito de Detroit. Laffite pôs fim ao jejum e somou o primeiro ponto do ano. Em Montreal, Eddie andou muito bem e tinha o 4º lugar nas mãos até faltarem três voltas para a quadriculada. Mas seu Talbot-Ligier “bebeu” mais gasolina que o previsto e o piloto ficou a pé…
Em Zandvoort, por conta dos resultados até aquele momento do campeonato, Jacques Laffite foi relegado ao JS17B e Cheever teve o novo JS19. E teria sido melhor que não tivesse sido assim, pois após suas ótimas performances no EUA e Canadá, Cheever acabou de fora do GP da Holanda. Laffite largou em 21º e foi o primeiro a desistir, após apenas quatro voltas. Na Grã-Bretanha, os dois trocaram: Jacques andou com o JS19 e parou por quebra de câmbio. Com a velha JS17B, Cheever foi nocauteado por um vazamento de óleo no motor Matra V12.
O GP da França foi o primeiro em que o time teve os dois JS19 na pista após Mônaco e a corrida foi simplesmente desastrosa para a Talbot-Ligier. Os dois tiveram vários problemas e terminaram em 14º e 16º, respectivamente. Na Alemanha, um insólito problema com a minissaia do carro tirou os dois pilotos da disputa. E na Áustria, com as múltiplas quebras, Jacques Laffite ainda conquistou um improvável 3º lugar, voltando ao pódio desde a vitória no Canadá, quase um ano antes. Cheever desistiu com problemas nas molas de válvulas do motor.
Em Dijon-Prenois, na volta do GP da Suíça ao calendário da F1 após mais de duas décadas, os problemas de sempre: minissaia travada no carro de Laffite e dirigibilidade no de Cheever. O ano irregular da Talbot-Ligier terminou até de forma proveitosa: Eddie chegou em 6º lugar no GP da Itália e fechou a temporada no pódio, com a 3ª colocação do GP dos EUA, em Vegas. Laffite desistiu cedo em ambas as corridas e preferiu não aceitar uma proposta de renovação para 1983, assinando por duas temporadas com a Williams – que defendera no início da carreira. Cheever viu seu talento reconhecido e acabou contratado pela Renault para substituir René Arnoux.
Após o 8º lugar no Mundial de Construtores de 1982, sem pilotos e sem o mesmo fôlego dos anos anteriores, a Ligier se via pela primeira vez no desvio. No próximo post, veremos a trajetória do time francês nos anos de 1983 e 1984.
Poucas vezes um carro me passou uma sensação mais forte de insegurança do que o Js19…