Equipes históricas – Ligier, parte VII

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Até Jacques Laffite esteve no lançamento e nos primeiros testes do novo JS29, que teria motor Alfa Romeo 4 cilindros turbo

RIO DE JANEIRO – O fim da parceria de três anos com a Renault, que se retirava da F1 como fornecedora de motores após abandonar a categoria como escuderia, foi um golpe para a Ligier, mas a equipe francesa agiu rápido e assinou com a Alfa Romeo um contrato de exclusividade de motores turbo para pelo menos duas temporadas.

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“Onde fui amarrar meu bode?” O que será que Arnoux pensava nos primeiros testes do JS29 Alfa? Certo é que não deu certo…

A equipe preparou um novo carro – o JS29 desenhado por Michel Tétu e Michel Beaujon – que apareceu na pré-temporada já com a unidade 415T construída pela marca do trevo de quatro folhas em substituição à antiga unidade V8, bem mais pesada. Com quatro cilindros, esse motor poderia chegar a cerca de 900 HP de potência. Mas após o trabalho em dinamômetro, a história se revelou outra. Bem diferente. E muito pior para a Ligier. Tudo graças à grande boca de René Arnoux.

O francês não gostou do rendimento do motor Alfa Romeo 4 cilindros a bordo do novo JS29. Disse que o propulsor era uma “bomba” e comparou a unidade milanista a restos de comida. Os comentários nada favoráveis de Arnoux foram a gota d’água para que a Fiat, dona da Alfa Romeo – e também da Ferrari – mandasse cancelar o envolvimento do construtor com a F1.

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Já com o motor Megatron BMW e com a especificação B, o JS29 reapareceu no GP de San Marino

A Ligier, que contratara também o italiano Pier Carlo Ghinzani por consequência da aliança com a Alfa, ficou a ver navios e precisou trabalhar rápido no mercado para não ficar fora do campeonato de 1987. A solução imediata foi um acordo com a USF&G, financeira estadunidense que se tornara patrocinadora da Arrows e que rebatizara os motores BMW M12/13 4 cilindros como Megatron. Seria com os motores germânicos rebatizados que a escuderia francesa disputaria o Mundial. O carro, inclusive, foi rebatizado como JS29B.

Não houve tempo hábil para a equipe disputar o GP do Brasil, mas estava tudo pronto a tempo para o GP de San Marino, que seria em 3 de maio daquele ano. René Arnoux classificou-se em 13º para o grid da corrida e Pier Carlo Ghinzani em 19º. Mas em razão de um acidente no warm up, o francês não largou. Ghinzani abandonou com problemas de estabilidade.

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Pontinho suado: Arnoux foi o 6º colocado no GP da Bélgica, numa corrida de várias desistências

Em Spa-Francorchamps, alívio: numa corrida de muitos abandonos, Arnoux conseguiu um suado pontinho e chegou em sexto lugar. Ghinzani vinha logo atrás, mas acabou o combustível antes da quadriculada – em 1987, a FIA impusera um limite de consumo de combustível aos motores turbo (que já trabalhavam com 4 bar de pressão), deixando os tanques com capacidade máxima de 195 litros.

Nas ruas de Monte-Carlo, o rendimento do JS29B foi um desastre: Ghinzani inclusive largou à frente de Arnoux, um fato raro. Mas os dois foram meros figurantes: com quatro voltas de atraso, o francês e o italiano chegaram em 11º e 12º, respectivamente. Em Detroit, outro resultado ruim: Arnoux chegou em décimo e Pier Carlo abandonou por falha de embreagem.

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Pier Carlo Ghinzani pouco acrescentou à equipe

A Ligier trabalhou para evitar que a temporada se perdesse completamente. Por conta da construção do JS29 para receber o motor Alfa Romeo, a suspensão fora concebida para trabalhar com a unidade italiana – não com os Megatron BMW alemães. Os pilotos se queixavam de intensas vibrações, que provocavam problemas e quebras. Daí o mau desempenho do carro nas primeiras corridas.

A versão C do JS29 foi apresentada a tempo da disputa do GP da França e Arnoux igualou o grid da primeira corrida da equipe do ano, em San Marino. Ghinzani também alcançou seu melhor grid pela Ligier, mas os dois ficaram pelo caminho. Na Inglaterra, o italiano foi excluído da corrida por reabastecer seu carro fora dos boxes, o que não é permitido pelo regulamento. Arnoux abandonou.

Após novo fracasso na Alemanha, finalmente na Hungria um Ligier receberia a quadriculada, com Ghinzani chegando em 12º no Hungaroring. O italiano ainda seria 8º colocado na Áustria e Itália, na famosa corrida em que atrapalhou Ayrton Senna na tomada da Parabólica, fazendo o brasileiro da Lotus perder a liderança – e a vitória – para Nelson Piquet. Arnoux foi 10º em ambas as provas. E a equipe parou por aí.

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As modificações no JS29C não resultaram e a Ligier só experimentou fracassos no fim do campeonato de 1987

Nas últimas cinco etapas, nenhum dos dois JS29C foram vistos na quadriculada. Foram cinco abandonos consecutivos, com os mais variados problemas, embora Ghinzani tenha terminado o GP do Japão com o 13º lugar no resultado final, ele parou sem gasolina na última volta. A equipe acabou o ano navegando na parte de trás do grid e com uma campanha lamentável: 11º lugar no Mundial de Construtores, com o solitário ponto de Arnoux na Bélgica – empatada com a minúscula AGS e com a March, que voltava pela terceira vez à F1.

Para 1988, a equipe resolveu não investir em nenhum programa de motor turbo, já que a FIA previra a mudança radical para motores de aspiração normal a partir da temporada seguinte, proibindo as unidades com 1,5 litro de capacidade cúbica – que naquele ano passariam a ter uma restrição de 150 litros nos tanques de gasolina – contra 200 litros dos motores aspirados. A Seita (Gitanes) e a Loto, patrocínio governamental dado pelo presidente François Mitterrand, não permitiram grandes voos e Guy Ligier sabia que em tempos de dinheiro curto, tinha de ser criativo.

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Visto de cima, o JS31 parecia interessante por conta das formas dos pontões e da distribuição de massas para melhorar o centro de gravidade. Mas só parecia… notem o posicionamento do motor Judd V8

O diretor da equipe encomendou outra vez a Michel Tétu, Claude Galopin e Henri Durand o 12º projeto da história do time de Vichy: saiu do papel o modelo JS31 com motor Judd V8 aspirado. Os desenhistas exploraram a distribuição de massas como o suposto ponto forte do carro, abaixando o centro de gravidade. Para isso, dividiram o tanque de gasolina em dois reservatórios: um antes do motor (que ficaria mais próximo do cockpit) e outro entre o propulsor e a suspensão traseira.

René Arnoux renovou contrato por pelo menos mais duas temporadas e ganhou um novo colega de equipe, com a saída de Pier Carlo Ghinzani. Quem chegou para dividir o time com o experiente piloto que faria 40 anos naquela temporada foi o sueco Stefan Johansson, visivelmente na curva descendente dentro da categoria, já que fizera parte das equipes Ferrari e McLaren e fora dispensado de ambas.

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Nem toda a experiência de quase dez temporadas de René Arnoux na F1 foi suficiente para levar a Ligier a outro patamar

O rendimento do carro não convenceu na pré-temporada e o JS31 chegou para o GP do Brasil como uma grande incógnita. Arnoux classificou-se em 18º no grid e abandonou com problemas de embreagem. Pelo menos Johansson levou o carro ao final e terminou na nona posição. A realidade, porém, bateu à porta em Imola. Pela primeira vez, nenhum carro da Ligier foi visto num grid da categoria desde 1976. Os dois pilotos ficaram de fora por deficiência técnica, com Johansson a quase um segundo do 26º e último do grid – Stefano Modena, da EuroBrun. René Arnoux ficou com o penúltimo tempo entre 30 pilotos. Um completo desastre.

Mas a F1 tinha seus altos e baixos entre os times do meio para o fim do pelotão e a Ligier voltou a se classificar no GP de Mônaco, com Arnoux em 20º e Johansson em último. Os dois saíram da disputa por problemas elétricos. No México, o francês acidentou-se e o sueco terminou a disputa na 10ª posição. Em Montreal e Detroit, nenhum dos carros azuis terminou ambas as disputas.

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Um ano de resultados pífios: o melhor grid do JS31 ao longo do ano foi um 17º lugar, duas vezes e graças a Arnoux

Nova decepção nos treinos para o GP da França: os JS31 eram, de fato, tétricos. Arnoux ficou a um décimo do 26º colocado e Johansson a três décimos. Novamente a Ligier ficava fora de uma corrida com ambos os pilotos – não só pela segunda vez pela história como também deixava de disputar sua corrida “de casa”. Até que nas corridas seguintes, Arnoux classificou-se, conseguindo debaixo de chuva o 18º lugar no GP da Inglaterra e a 17ª posição no GP da Alemanha. Johansson colecionou três desclassificações consecutivas, destruindo seu moral dentro do time francês.

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A Ligier foi habitué do fim do pelotão em 1988 e Stefan Johansson teve um campeonato para esquecer, com cinco ausências nas 16 corridas da temporada

Os engenheiros tentaram salvar o JS31, mudando novamente o posicionamento do motor e introduzindo um periscópio para melhorar o fluxo de ar e a aerodinâmica, mas o desempenho seguiu pavoroso. Apesar disso, Johansson conseguiu um 11º lugar na Bélgica e Arnoux foi 13º na Itália e 10º em Portugal. O francês ainda chegou em 17º no Japão e o sueco, que ficou fora ainda em mais duas corridas – perfazendo cinco desclassificações ao longo do ano, coisa que nenhum outro piloto da Ligier conseguiu em qualquer tempo – ainda foi 9º no GP da Austrália, mesmo terminando a corrida (pasmem) sem combustível.

Não houve nenhum atenuante e a Ligier repetiu 1983, com um carro tão inovador quanto problemático: ficou sem pontos pela segunda vez em sua história e se viu no fundo do poço dentro da Fórmula 1. As temporadas seguintes, em 1989 e 1990, são assunto para o oitavo post da série.

Comentários

  • Não sei…é provável que o motor Alfa quebrasse mesmo com facilidade (dado o seu passado em outras temporadas), porém com desenvolvimento poderia ter sido superior ao Megatron. E Judd logo a seguir? Nossa.

  • Realmente estas equipes do passado eram boas, mas tinham dinheiro das tabaqueiras, depois da proibição, ficou difícil bancar os seus custos de desenvolvimento e aí se acabaram….uma pena.

  • Rodrigo, em que pista foi tirada a última foto? Me chamou a atenção pelos carros usarem aerofólios traseiros completamente diferentes.