Equipes históricas – Ligier, parte XI

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Cara de um, focinho do outro: o Benetton B195 e o Ligier JS41, eram praticamente idênticos, com pequenas mudanças entre um e outro

RIO DE JANEIRO – Como consequência da mudança de administração da Ligier, com Flavio Briatore assumindo o controle acionário do time francês, veio o primeiro escândalo da temporada de 1995: a semelhança entre dois dos modelos concebidos para aquele ano. O Benetton B195 e o Ligier JS41 eram PRATICAMENTE iguais. Cara de um, focinho do outro. Com a mudança societária, o comando do time foi entregue a Tom Walkinshaw, que fora dono da estrutura campeã no Grupo C e nas 24h de Le Mans com a Jaguar e que desempenhava, desde 1991, o papel de diretor de engenharia da Benetton. Tido como astuto, o dirigente tinha o singelo apelido de “Walkinshark” no meio automobilístico – e no correr do ano, compraria 50% das ações do time.

A diferença fundamental estava no motor. Enquanto a Benetton conseguiu o Renault V10 (contrato que, aliás, era da Ligier), o time de Vichy fechou com Hirotoshi Honda o fornecimento dos propulsores Mugen MF301 V10, anteriormente prometidos à Minardi – com 17 kg de sobrepeso em relação às unidades do time das cores unidas, para ser mais exato. Outra amostra da “parceria” entre os dois times era que a Ligier usaria uma transmissão Benetton semiautomática.

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Olivier Panis foi o único piloto que disputou todas as 17 etapas de 1995 pela Ligier

O JS41 tinha “assinatura” de Frank Dernie na concepção, embora o autor do projeto fosse de fato Rory Byrne, uma vez que o carro era cópia do B195. Loïc Bigois ficou responsável pela aerodinâmica e três pilotos foram relacionados. Enquanto Olivier Panis era o único 100% assegurado por contrato, o segundo assento seria revezado entre Martin Brundle, um velho amigo de Walkinshaw e por Aguri Suzuki, graças ao contrato com a Mugen Power. Franck Lagorce foi designado como piloto de testes e reserva.

A abertura da temporada, que marcou a volta dos motores com 3 litros de capacidade cúbica à categoria, foi no GP do Brasil, em Interlagos. Olivier Panis largou na 10ª posição, e abandonou em razão de um acidente. Aguri Suzuki, escalado para as três primeiras provas do ano, terminou a corrida em oitavo. Na Argentina, o japonês se envolveu numa carambola com Mika Salo, quando era retardatário e desistiu. Panis largou de 18º e chegou em sétimo. Em San Marino, o desempenho pífio continuou, com o francês em nono e Aguri na 11ª posição.

No GP da Espanha, Martin Brundle fez sua reestreia pela equipe que já defendera em 1993. Conseguiu a nona posição após largar em 11º. Já Panis veio da décima-quinta posição para marcar o primeiro ponto do time na temporada. Em Mônaco, os dois bateram e tiveram que desistir. Na corrida seguinte, em Montreal, a Ligier começou a mostrar progressos: Panis foi quarto colocado, após uma falha eletrônica que tirou a liderança e a vitória das mãos de Michael Schumacher, ofertando o triunfo a Jean Alesi. Brundle assumiu a 5ª posição, mas acabou se envolvendo num acidente com Gerhard Berger, na disputa com o piloto da Ferrari.

Martin Brundle teve como pontos altos os bons desempenhos na França e na Bélgica, onde conquistou um ótimo 3º lugar

Em Magny-Cours, numa pista traiçoeira por conta da presença da chuva, Brundle e Panis tiveram outro belo desempenho. O britânico inclusive ocupou por dois períodos o 3º lugar e foi um duríssimo adversário para David Coulthard, vendendo muito caro o pódio. Acabou quatro décimos atrás do escocês, na 4ª posição. Panis teve um início de prova muito forte, chegando a ocupar a quinta posição. Mas seu rendimento piorou ao longo da disputa e ele chegou em oitavo. No GP da Inglaterra, Brundle enfrentou percalços e se enroscou com o fraquíssimo Taki Inoue, o que provocou o abandono de ambos. Panis vinha em 6º, pra lá de satisfeito com seu pontinho, quando Mark Blundell e Rubens Barrichello tiveram um entrevero na última volta. O brasileiro, então na Jordan, desistiu – enquanto Blundell se arrastou em três rodas para completar em quinto. Panis sairia de Silverstone com um ponto: acabou com três.

Apesar dos bons desempenhos de Brundle, a Ligier tinha que cumprir o prometido no contrato e dar uma chance a Aguri Suzuki, já que o japonês anunciara que se aposentaria das pistas ao fim do campeonato. Num GP da Alemanha disputado sob forte calor, foram várias as quebras. Panis, inclusive, desistiu com uma fuga de água no motor Mugen. Suzuki resistiu e foi um dos oito pilotos que terminaram, completando na 6ª posição. Martin voltou ao cockpit do #25 no GP da Hungria, mas abandonou com uma falha no motor. Numa corrida amplamente dominada por Damon Hill, Panis só marcou pontos porque a bomba de gasolina da Benetton de Michael Schumacher se entregou e porque a Jordan de Rubens Barrichello, que iria ao pódio, teve pane seca a 300 metros da bandeirada…

Na Bélgica, Panis e Brundle andaram muito bem. O britânico, aliás, deu um show no molhado (nada que se comparasse a Schumacher, que seguiu na pista mesmo com pneus slicks e veio de 16º para o topo do pódio). Até a penúltima volta, Martin resistiu em 2º lugar e só foi ultrapassado por Damon Hill na última passagem. Acabou conquistando o melhor resultado da equipe até aquele momento do campeonato, com a terceira posição. Panis andou bem no início, como já fizera na França, mas faltou fôlego e ele chegou em nono. O GP da Itália foi desastroso, com os dois pilotos desistindo após menos de 25 voltas.

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6º colocado no GP da Alemanha, Aguri Suzuki despediu-se da Fórmula 1 após um acidente nos treinos do GP do Japão, que seria o último dele na categoria e na Ligier

Brundle completou em 8º no Estoril e 7º no GP da Europa, em Nürburgring, com Panis desistindo em ambas as corridas. Suzuki regressou para aquelas que seriam suas últimas corridas, nos GPs do Pacífico e do Japão. Em Aida, o nipônico rodou na 11ª volta e Panis foi oitavo. Um acidente no treino do GP do Japão, em Suzuka, abreviou a despedida do piloto. Com fratura de costela, ele foi obrigado a desistir da corrida, na qual Panis salvou dois importantes pontinhos e chegou em 5º lugar. Brundle voltou na etapa final em Adelaide, na Austrália, mas rodou na 30ª volta e teve que desistir. Panis foi valente e levou o carro até o fim: mesmo com o motor Mugen estourado, com oito cilindros apenas funcionando e soltando muita fumaça, o francês ainda chegou em 2º – duas voltas atrás de Damon Hill, é verdade. Mas conquistou o melhor resultado da equipe em 1995. Apesar do equipamento inferior, a Ligier ficou em 5º lugar no Mundial de Construtores e Panis não só emplacou a oitava posição no Mundial de Pilotos – como também a renovação do contrato para a temporada seguinte.

Além de Panis, a equipe francesa teria o concurso do brasileiro Pedro Paulo Diniz, que estreara no ano anterior pela fraquíssima Forti Corse e deixara uma impressão bastante positiva, apesar do péssimo equipamento que tinha em mãos. Para o ano de 1996, a Ligier voltaria a ter um carro idêntico ao da Benetton: o JS43, com uma versão atualizada e menos pesada do motor Mugen-Honda e uma transmissão semiautomática totalmente desenvolvida no Technopóle de la Niévre, substituindo o câmbio do time de Enstone. Outra novidade era a troca de patrocínio: após 20 anos, saíam os cigarros Gitanes, ligados ao grupo estatal SEITA e vinha a marca Gauloises, da holding tabaqueira Altadis.

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Novos patrocinadores: a Ligier teve o reforço da Parmalat e a estreia da Gauloises, substituindo a Gitanes após 20 anos

A temporada começou com Tom Walkinshaw e seu braço direito Tony Dowe ainda no comando da escuderia. O britânico tinha como claro objetivo transformar a Ligier em TWR, mas começou a ter problemas legais com o fundador Guy Ligier e desistiu do negócio. Ainda sob seu controle, a equipe começou a temporada na nova pista de Melbourne com um 7º lugar alcançado por Panis e Diniz, que largou da última posição do grid, chegou em décimo.

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O exato momento em que a Ligier de Pedro Paulo Diniz explodia em chamas após um reabastecimento no GP da Argentina

Antes do GP do Brasil, Walkinshaw fechou negócio com Jackie Oliver e adquiriu o controle acionário da Arrows, vendendo sua parte da Ligier e promovendo o retorno do velho Guy ao comando do time, após quatro anos. O regresso foi celebrado com uma razoável performance dos carros em Interlagos, numa pista que começou molhada e secou no fim. Panis completou em 6º lugar e Diniz fez uma boa apresentação para terminar em oitavo. Na Argentina, o brasileiro quase virou churrasquinho num incêndio provocado por um vazamento de combustível após um reabastecimento malsucedido. Panis chegou em oitavo.

Em Nürburgring, no GP da Europa, Pedro Paulo mostrou consistência para chegar em 10º largando de décimo-sétimo, enquanto Panis desistiu logo no início. No GP de San Marino, o brasileiro passou pertinho do primeiro ponto na carreira, terminando em 7º lugar. Panis desistiu novamente.

E veio Mônaco.

Chovia na hora da largada daquela corrida, no dia 19 de maio (aliás, dia do meu aniversário de 25 anos). Panis largou da 14ª posição e Diniz de décimo-sétimo. Dos 21 carros que largaram, cinco sequer chegaram ao fim da primeira volta – entre eles, dois ótimos pilotos no molhado, ninguém menos que Michael Schumacher e Rubens Barrichello. Enquanto Pedro Paulo abandonava pouco depois, Panis resistiu na pista e na altura da 25ª volta, vinha já em sétimo. Logo depois, com o asfalto já secando, o francês tomou uma decisão inteligente e trocou logo de pneus.

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A comemoração de Panis pela vitória emocionante e inesperada em Monte-Carlo, talvez a mais improvável da Fórmula 1 naqueles tempos

Além de voltar muito mais rápido que os demais pilotos, Panis ainda conseguiu galgar posições e chegou a quarto, subindo para terceiro numa ultrapassagem sensacional sobre Eddie Irvine, num desprendimento nunca antes demonstrado. Aí a Williams de Hill quebrou e a Benetton de Alesi (ambas com motores Renault, é bom lembrar), também. Panis herdou a liderança e resistiu firme a uma pressão hercúlea de David Coulthard, que correu naquela oportunidade com um capacete emprestado por Michael Schumacher. A corrida mais doida daqueles tempos terminou no limite de duas horas e com 75 voltas, três a menos que o previsto. E com a vitória mais improvável que poderia existir: Panis conquistou seu primeiro – e único – triunfo na Fórmula 1, empunhando com orgulho a bandeira francesa na volta de desaceleração.

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O primeiro ponto a gente nunca esquece: Diniz faturou o 6º lugar no encharcado GP da Espanha; o brasileiro repetiria a dose no GP da Itália

Após a festa da vitória em Monte-Carlo, veio o toró do GP da Espanha. E aí quem mostrou qualidades foi Pedro Paulo Diniz, que em meio a um dilúvio digno da Arca de Noé, chegou em 6º lugar e somou enfim seu primeiro ponto na categoria. No Canadá, nenhum dos pilotos chegou ao final e em Magny-Cours, casa do time, Pedro Paulo teve uma atuação sensacional, a melhor dele na categoria: 11º no grid, passou em oitavo na primeira volta e com autoridade chegou ao 6º lugar. Pena que o motor Mugen-Honda se entregou na 29ª volta e ele teve que desistir. Sem conseguir ter o mesmo ritmo do companheiro de equipe, Panis chegou em 7º. Após um novo malogro na Inglaterra, Panis foi de novo 7º, desta vez na Alemanha. Diniz abandonou em Silverstone e Hockenheim – e também na Hungria, após um acidente logo no início. Na pista magiar, Panis fez boa prova e chegou em quinto, salvando mais dois pontinhos.

Na Bélgica, Panis se envolveu numa múltipla colisão com as duas Sauber de Heinz-Harald Frentzen e Johnny Herbert, desistindo logo na primeira volta. Diniz andou entre os últimos e abandonou na 23ª volta com motor quebrado. Mas em Monza, o brasileiro fez ótima corrida e somou mais um ponto com o 6º lugar, vindo de décimo-quarto. Panis abandonou novamente no início na Itália e foi 10º em Portugal, onde Pedro Paulo rodou na 47ª volta. No GP do Japão, último do ano, Diniz saiu da pista na 14ª passagem e Panis ficou no “quase” na terra dos motores Mugen-Honda, obtendo a sétima colocação.

O saldo foi pior que no ano anterior, a despeito da grande vitória da equipe em Mônaco. A Ligier somou 15 pontos no Mundial de Construtores e ficou com a 6ª posição. Foi a última temporada da história da equipe francesa com o nome de seu fundador, já que em 1997 a história seria outra. É o que vocês verão no próximo post aqui no blog.

Comentários

  • Achei muito feliz a idéia continuar com a série visitando o período da Prost! Aliás, tomara que responda uma das minhas dúvidas, o porquê do fracasso do motor Peugeot, que até então, era considerado um dos mais potentes do grid.

    No aguardo!

  • A Ligier foi uma das poucas equipes que conseguiu sair por cima da F1 após um começo de década de 1990 horrível. Sua extinção (com o fim da Prost) deu começo ao declínio dos pilotos franceses na F1 apesar da presença constante da Renault. Mais uma saga bem contada Rodrigo, Parabéns como sempre.