Especial – 84 nomes das 24h de Le Mans, parte V

RIO DE JANEIRO – Vai chegando o momento mais aguardado pelos fãs de Endurance: daqui a nove dias, quando a bandeira baixar às 10h de Brasília, terá início a 84ª edição das 24h de Le Mans e teremos mais uma bela página escrita dentro da história da prova – rica em nomes gloriosos e outros nem tanto. E o blog continua com a série especial de 84 nomes relevantes em todos os tempos no circuito de Sarthe. Não está fácil escrever por falta de tempo e também porque tenho que fazer a apresentação de todos os times participantes da corrida. E eu sou um só…

Mas vamos lá: sem chorumelas, eis a quinta leva de 12 nomes na série especial que o blog apresenta.

ULRICH BARETZKY

Ulrich Baretzky (Head of Development)
Chefe do desenvolvimento de motores da Audi, Ulrich Baretzky supervisionou todos os projetos da geração turbodiesel, que só perdeu duas vezes nas 24h de Le Mans desde 2006

A Audi deve muito do seu sucesso nas 24h de Le Mans a este homem: Ulrich Baretzky. Engenheiro especializado no desenvolvimento de motores, ele dedicou 25 anos de sua vida à casa de Ingolstadt. E pelo menos na última década, os motores que projetou e ajudou a desenvolver são parte de uma trajetória de sucessos e inovações.

Quando a marca alemã decidiu trocar a unidade 3,6 litros turbo e o bem-sucedido modelo R8 por um projeto inovador, confiaram o desenvolvimento mecânico a Ulrich Baretzky, simplesmente o pai do primeiro motor movido a diesel que deu certo em Sarthe – cabe lembrar que a Taurus Sports Racing já correra em Le Mans com uma unidade do gênero, só que era um motor VW Caterpillar derivado do jipe Touareg do Rali Paris-Dakar. Não tinha como dar certo.

Baretzky fez um motor do zero para 2006 e logo na primeira aparição da unidade 5,5 litros V12 TDi, veio a primeira vitória. E as unidades que a sucederam, quer fossem de arquitetura V10 ou mesmo o V6 atual, mais compacto e que atua junto aos igualmente inovadores sistemas híbridos – também lançados em Le Mans pela Audi – só foram derrotadas uma vez pela Peugeot, que também detinha bom conhecimento da tecnologia de motores diesel e no ano passado pela Porsche. Oito triunfos em uma década não é para qualquer um – e os motores do mago alemão sempre deram conta do recado.

CHRISTIAN HEINS

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A morte de Christian Heins nas 24h de Le Mans de 1963 foi, para uma geração de fãs, comparável à tragédia de Ayrton Senna em Imola, 1994

Difícil falar de Christian Heins (1935-1963) sem a gente se perguntar até onde iria a carreira deste piloto brasileiro, tragicamente falecido aos 28 anos de idade. Guardadas as devidas proporções, a morte do “Bino” foi tão sentida pelos que o admiravam quanto a perda colossal de Ayrton Senna, no fatídico 1º de maio de 1994.

Christian era um piloto à frente do seu tempo. Podia ter sangue brasileiro correndo nas veias, mas os anos que passou fora do país, especialmente na Alemanha, o fizeram evoluir barbaramente, estagiando na Mercedes-Benz e na fábrica de pistões Mahle. Era metódico, trabalhador, rápido a bordo de qualquer carro que guiasse e um monstro como chefe de equipe. Com menos de 30 anos, já assumia o departamento de competições da Willys-Overland. E era lá que trabalhava quando sofreu o acidente que o matou nas 24h de Le Mans de 1963.

Ele já tinha disputado a prova num Porsche 718 RSK dividido com o conde holandês Carel Godin de Beaufort, que chegou à Fórmula 1. Abandonaram com a quebra do virabrequim na 15ª hora. Mas “Bino” sentiu que era a hora de tentar uma carreira internacional ou fazer um número maior de corridas na Europa (ele já tinha participado de algumas provas do tipo Subida de Montanha), tendo as 24h de Le Mans como pano de fundo para mais uma oportunidade.

A Societé Automobiles Alpine, da lenda Jean Rédélé, entregou-lhe um modelo protótipo Alpine M63 com motor de 1 litro. O carro não era dos mais rápidos (fez o 34º tempo no grid), mas poderia dar a “Bino” a chance de ganhar nas subcategorias existentes na prova, ao lado do piloto-jornalista José Rosinski, que era na média cinco segundos mais lento que o brasileiro. Quando já ocupavam um impressionante 3º lugar na classificação geral após cerca de 5h20min de prova, o Aston Martin de Innes Ireland/Bruce McLaren vazou muito óleo na pista e os carros que vinham atrás começaram a derrapar e sair da pista. Christian não teve tempo de se desviar da poça de óleo, derrapou e ao bater noutro carro, iniciou uma série de capotagens que culminaram com o Alpine M63 estoporado num poste. O brasileiro ficou preso nas ferragens, houve incêndio e o carro ficou inteiramente calcinado pelo fogo. Mas mesmo que se controlasse o incêndio, nada poderia ser feito: Christian Heins já estava inerte com o impacto sofrido na capotagem.

Perdemos ali aquele que poderia ter sido o primeiro brasileiro em todos os tempos a vencer nas 24h de Le Mans. E talvez sido aquele que teria aberto as portas para seus compatriotas, papel que o destino reservou a Emerson Fittipaldi com o título mundial de F1 em 1972.

DICK ATTWOOD E HANS HERRMANN

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Momento de glória: a comemoração de Dick Attwood e Hans Herrmann pela histórica vitória em 1970, a primeira da Porsche na classificação geral em Le Mans

Para a Porsche, foi doloroso o final da prova de 1969. Naquela oportunidade, com um Porsche 908, Hans Herrmann e Gérard Larrousse viram escapar por entre os dedos e por meros 20 metros aquela que poderia ter sido a primeira vitória do construtor alemão, após anos de tentativas. O modelo 917 nasceu naquele mesmo ano. E a marca de Weissach se impôs um desafio: vencer as 24h de Le Mans em 1970, a qualquer custo, a qualquer preço.

Sete daqueles bólidos foram inscritos, por diferentes escuderias. O carro que chamava mais a atenção era o #25 de Kurt Ahrens/Vic Elford – com a configuração LH, sigla para Langheck (traseira longa, em alemão) – fez a pole position e a volta mais rápida. Mas quebrou. Aliás, diversos favoritos quebraram e dos 16 carros que andavam ao final, só sete receberam classificação de acordo com a distância percorrida. E a Porsche, que nos anos anteriores não conseguira bater Ford e Ferrari, finalmente viu a vitória lhe sorrir.

O carro #23, que nem de longe era considerado um dos favoritos – também pudera, veio do 16º lugar no grid, recebeu a quadriculada triunfante, fazendo de Richard “Dick” Attwood, um mediano piloto de F1 dos anos 1960, o novo herói do pedaço em dupla com o mesmo Hans Herrmann da fragorosa derrota do ano anterior, provando que o mundo e os carros giram – e a Lusitana roda. A dupla completou 342 voltas numa corrida marcada em grande parte pela chuva e pela pista molhada. Após a vitória, Herrmann, que já tinha 42 anos de idade (e ainda está vivo, hoje com 88 anos), resolveu se retirar do esporte. Attwood aposentou-se em 1971.

GIJS VAN LENNEP E HELMUT MARKO

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Por 39 anos, Helmut Marko e Gijs Van Lennep foram detentores de dois recordes históricos nas 24h de Le Mans – e que pareciam difíceis de ser batidos…

Por mais de três décadas, estes dois pilotos foram protagonistas de uma vitória histórica, pelo que eles fizeram na pista em todos os sentidos, na edição de 1971 das 24h de Le Mans. Num tempo em que o automobilismo travava o primeiro contato os pneus slicks, que começaram a ser desenvolvidos no início daquela década para as 500 Milhas de Indianápolis, como forma de aumentar a aderência dos carros ao solo, bem como a performance e a velocidade, o que o holandês Gijs Van Lennep e o austríaco Helmut Marko fizeram foi uma coisa de louco.

A dupla largou da 5ª colocação com o Porsche 917 K #22 alinhado pelo Martini International Racing Team, para – numa atuação soberba ao longo da disputa – trucidar o recorde de velocidade média ao alcançarem 222,304 km/h. Fruto de um total de 396 voltas percorridas, algo que até aquela época nenhuma outra dupla ou carro tinha alcançado. Marko e Van Lennep perfizeram 5.335,313 km – numa pista que tinha 13,473 km de extensão e nenhuma chicane cortando o imenso retão Les Hunaudières. Tais recordes permaneceriam insuperáveis por quase 40 anos, mas acabaram caindo por terra em 2010.

TIMO BERNHARD, ROMAIN DUMAS E MIKE ROCKENFELLER

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A trinca do carro #9 da Audi em 2010 era meio que o “Patinho Feio” do construtor alemão. Mas foram Mike Rockenfeller, Romain Dumas e Timo Bernhard os homens que trucidaram recordes históricos e fizeram a festa no pódio ao lado de Dr. Wolfgang Ullrich

Num dos muitos anos em que a Audi monopolizou o pódio ou conquistou históricas vitórias em dobradinha, os três citados aqui acima foram autores de uma façanha que, confesso, achava impossível que fosse acontecer. Afinal de contas, a pista de Le Mans sofreu inúmeras modificações, que incluíram o advento de duas chicanes cortando o retão de mais de 7 km de extensão, afora mudanças no traçado e principalmente de segurança passiva. Por isso, o que esses três caras fizeram na edição de 2010 foi simplesmente extraordinário.

E cá pra nós: todo mundo olhava mais para as trincas do carro #7, guiado por Tom Kristensen/Allan McNish/Dindo Capello e para o #8 dos hoje consagrados Marcel Fässler/Andre Lotterer/Bénoit Tréluyer. O terceiro carro, que era eventualmente inscrito pelo construtor germânico em provas longas, era uma espécie de “Patinho Feio”. Mas foi justamente o trio formado por Romain Dumas/Timo Bernhard/Mike Rockenfeller que tirou partido dos problemas alheios – em especial dos quatro Peugeot 908 HDi FAP, que abandonaram, sem qualquer exceção – e também do atraso dos outros dois Audi R15 TDi Plus inscritos.

A trinca do #9 conseguiu o que ninguém mais acreditava que aconteceria: quebrar o total de voltas dos vencedores de 1971, percorrendo 397 giros – um a mais que Marko/Van Lennep. Não obstante, chegaram à média de 225,228 km/h. E principalmente bateram o recorde da distância percorrida, com um total de 5.410,713 km – hoje, a marca recorde na história das 24h de Le Mans. Um feito do qual Dumas, Bernhard e Rockenfeller, com certeza, têm muito do que se orgulhar.

HANS-JOACHIM STUCK

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251,815 km/h de média: nunca, jamais, em tempo algum ninguém conseguiu superar o feito de Hans-Joachim Stuck ao marcar a pole position em 1985

Nascido em 1951, filho do Barão Von Stuck (que correu diversas vezes no Trampolim do Diabo, o Circuito da Gávea), o alemão Hans-Joachim Stuck tem seu nome marcado na história das 24h de Le Mans e do circuito de Sarthe. Com seu 1,94 metro de estatura, que o credenciariam para ser um ótimo jogador de basquete, Stuck andou de F1 entre 1974 e 1979. Mas o “Strietzel”, como era conhecido, esteve em Sarthe por 18 oportunidades entre 1972 e 1998, mostrando enorme aptidão à pista, aos carros esporte e velocidade.

Muita velocidade.

Além de ganhar a prova por duas vezes seguidas em 1986 e 1987 com a equipe oficial da Porsche, Stuck – já que estamos falando de recordes – também tem o seu em especial: nos treinos para a edição de 1985 das 24 Horas, o piloto alemão cravou o tempo de 3’14″80 para a volta. A média horária? 251,815 km/h – velocidade jamais superada desde então.

MICHAEL SCHUMACHER

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Posso até estar enganado, mas não lembro de ninguém tão jovem quanto Michael Schumacher, aos 22 anos de idade, guiando tão rápido e com tanta autoridade num dos mais difíceis circuitos do mundo

Sim, Michael Schumacher esteve nas 24h de Le Mans. É bem verdade que foi uma única aparição, no ano de 1991 – o mesmo em que, por obra e graça de Eddie Jordan, Jochen Neerpasch e Flavio Briatore – aquele alemãozinho de 22 anos virou moeda de troca numa negociação que deixou Roberto Moreno triste, mas que revelaria ao mundo um dos maiores pilotos de todos os tempos – há quem diga que o maior, mas isso agora não vem ao caso.

O certo é que antes de chegar à categoria máxima, Schumacher era cria da Mercedes-Benz, que tinha um programa de jovens talentos do qual também faziam parte Karl Wendlinger e Heinz-Harald Frentzen. Os três protagonizaram uma batalha sem precedentes pelo título do Campeonato Alemão de F3, que Wendlinger ganhou em 1990 – e diziam por aí que o austríaco, de estatura tão privilegiada quanto a de Hans-Joachim Stuck – era melhor que os dois rivais.

Enquanto Wendlinger e Frentzen já batiam à porta da F1 através da F3000 Internacional, Schumacher ia se aprimorando no World Sportscar Championship, que mudara o regulamento naquele ano. A Mercedes, em parceria com a Sauber, desenvolvera um novo protótipo com motor V12 de 3,5 litros aspirado – era o modelo C291. Mas em termos de performance, pelo menos para as 24h de Le Mans, aquele carro não era muito adequado. E assim, o bom e velho Sauber C11 com motor 4,9 litros biturbo foi desempacotado e disputou treinos e corrida daquele ano.

Como todos os outros 37 inscritos, o Sauber-Mercedes C11 foi batido pelo Mazda 787B de Wolker Weidler/Bertrand Gachot/Johnny Herbert. Mas o jovem Schumacher, que tinha como parceiro além de Wendlinger outro alemão, Fritz Kreutzpointer, além de terminar a prova em 5º lugar na geral, conquistou uma façanha: a melhor volta da prova daquele ano, com o tempo de 3’35″564, provando que o Queixada era mesmo abusado.

O resto é história, como todo mundo sabe e viu.

Comentários

  • Rodrigo, o fenômeno Mexicano Ricardo Rodriguez tentou correr em Le Mans em 56 aos 14 anos e foi impedido. Em 59, aos 17, correu lá com uma Osca. Em 60, aos 18, chegou em 2º lugar com uma Ferrari, sendo o mais jovem a conseguir um pódio em Le Mans. Em 61, aos 19, estreou na F-1 em Monza com uma Ferrari conseguindo um 2º no grid, na frente de Phil Hill, que seria o campeão naquele ano, com a mesma Ferrari. Em 62, aos 20, venceu a Targa Florio. Morreu neste mesmo ano numa corrida extra-campeonato, em seu pais, na curva Peraltada, pilotando uma Lotus.