Raul Quadros (1942-2016)

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Esse é o meu único registro fotográfico com o Raul Quadros (1942-2016): um dos maiores jornalistas esportivos que trabalharam na nossa imprensa, que nos deixou hoje. Fica a saudade de um cara que dignificou a nossa profissão como poucos (Foto: Arquivo Pessoal)

RIO DE JANEIRO – Ano de 1978, Copa da Argentina. No primeiro evento de esportes que lembro ter assistido desde que me conheço por gente, havia no vídeo um repórter barbudo. A aparência daquela figura assustava. E eu mal tinha ideia do quanto esse cara era muito, muito competente.

Esse cara era o Raul Quadros.

Que muitos já conheciam de textos no Estado de S. Paulo e da Placar, desesperando os corinthianos com uma matéria de capa sobre Rivellino no Fluminense. Cortesia de uma de suas fontes, o roupeiro Ximbica, saudosa figura, que no início de 1975 lhe soltou a bomba.

“O Garoto do Parque vem aí!”

Raul captou a mensagem, deu o recado a Juca Kfouri, o então diretor de redação da revista. E veio a capa histórica. Rivellino vestiu mesmo o manto tricolor e o Raul da Placar passou para a Globo.

Na TV, o Raul revolucionou a reportagem. Com um estilo direto e simples, cativou o telespectador e criou uma intimidade com os nossos ídolos no futebol. Era amigo dos boleiros. E lembro do meu pai falando do Raul, que frequentemente estava ali na Real Grandeza, em Botafogo, perto de Furnas, batendo ponto no bar e restaurante Parayzo e levando consigo a boleirada.

Durante algum tempo da minha carreira curta (se comparada à do Raul Quadros) tive a honra e o privilégio de compartilhar do seu convívio no SporTV. Até no Redação – nos ótimos tempos daquele programa – estivemos juntos.

Como a maioria dos colegas, fui brindado com histórias hilárias e deliciosas de um cara que sempre mereceu de mim o maior respeito e admiração. Uma delas, contada pelo querido Paulo Lima, colega de trabalho também no SporTV e agora no Fox Sports.

Eu, recém chegado na redação do Globo Esporte, 1986, perguntei:” Raul, tem o telefone do Dr. Arnaldo Santiago, médico do Fluminense?” Com a irreverência de sempre, ele olhou em volta, pegou dois antigos catálogos da Lista Telefônica Brasileira, jogou em cima mesa da mesa e esbravejou carinhosamente como sempre:

“PROCURA, SE VIRA, VAI ATRÁS DA NOTÍCIA”.

Uma aula para nunca mais esquecer. 

Ele fingia não ligar quando eu fazia a costumeira sacanagem com ele e o Paulo Lima, dizendo que os dois serviram bolinhos na Santa Ceia, já que os dois são veteranos no métier. Mas à maneira dele, reagia pondo a mãe no meio e aí as gargalhadas eram gerais.

Outro que teve a certeza do quanto o Raul era querido no nosso meio foi o Roby Porto, também antigo colega de SporTV.

O jeito despojado, carismático e alegre de suas entrevistas à beira do gramado marcou época nos clássicos do futebol no final de semana. Em suas reportagens do dia a dia esportivo da televisão brasileira, Raul sempre passava a impressão de que era um cara que você conhecia intimamente, um amigo boa praça que bateria um papo contigo na rua numa boa, sem nunca lhe ter visto antes, mesmo não lhe conhecendo. 

Descobri ao longo desses anos que o Raul era exatamente assim. 

Ele era amado no bairro do Jardim Botânico, onde por sorte minha, éramos vizinhos. Seu raio de ação vespertina – pois ele detestava acordar cedo -, ia de longínquas caminhadas ao Horto a pequenas voltinhas pelo Humaitá. –“..vou dar um pulinho ali na Cobal, mermão. Vamos nessa?..” Sempre de camiseta branca, sempre alegre e com o olhar atento aos inúmeros acenos, chamados e cumprimentos que vinham de toda parte. 

Cansei de ver o Raul agir assim, e era uma daquelas delícias bobas que você podia acompanhar caminhando afastado, do outro lado da rua, testemunhando uma pessoa simples com um carinho que transbordava em todas as direções.

Foram anos e anos encontrando o Raul nas mais diversas situações, e por fim tendo o prazer de dividir as cabines de locução em incontáveis jogos de futebol pelo SporTV. Ele foi meu comentarista em centenas de jogos; e de inúmeros dos meus outros colegas narradores do canal.

Raul era um contador de histórias. Era mestre nisso. E suas histórias deliciosas prendiam todos ao redor. Era certeza de gargalhadas e de ambiente leve. Ele cativava sem perceber. Era sua maneira natural de ser. 

E depois escondido ia amarrar todas as mochilas da redação, rindo como criança.

Raul era avesso a tecnologia. Era uma batalha risível com o computador, telefone e tudo que cada vez mais nos envolve. Mas levava numa boa, atazanando os produtores e novatos do canal com pedidos de ajuda para impressão de material e toda essa loucura digital que lidamos hoje em dia. 

Ele gostava mesmo era do seu caderninho de telefones, com tudo anotado a mão. Nunca largou isso de lado.

Uma vez, num jogo do campeonato português, Raul entrou na cabine esbaforido e falante… era sempre muito engraçado, pois ficava extremamente preocupado com a formção tática dos times… o que muitas vezes era impossível de saber antes do jogo começar. Eu achava graça, e dizia pra ele: – pô, Raul…você tira isso de letra. Deixa a bola rolar que a gente descobre já já quem joga na lateral e essas coisas…

Mas nesse dia ele me fez um pedido, sempre daquele jeito característico: -”…aí, mermão: vai usar o computador?..”

Eu disse que não precisava, que ele poderia usar, já que estava com o meu tablet, e pra mim seria suficiente. “..beleza então..” disse ele

E colou com durex uma folha gigante com o nome do juiz e dos bandeirinhas escrito em pilot na tela do micro.

Há alguns meses, Raul foi diagnosticado com câncer, já avançado no que chamamos de metástase. Ou seja: ele já estava tomado pela doença. Teve que deixar o trabalho e infelizmente, nesse lindo e quente 13 de setembro, um dia após uma maiúscula vitória do seu Fluminense, do nosso Fluminense, o Raul foi embora.

Você foi referência, Raul Romeu Ewerton Quadros.

E sempre será. Um dos gigantes da reportagem esportiva. Um dos melhores da nossa televisão em qualquer tempo.

Do amigo, vou guardar as melhores lembranças.

E a saudade.

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