Discos eternos – Maria Fumaça (1977)

Foto 3 Primeiro disco da banda Black Rio, Maria Fumaça de 1977 é tido como o mais jazzístico_ banda-black-rio-maria-fumaca-1977

RIO DE JANEIRO – Os anos 1970 foram do mais alto contraste no que tange aos ritmos musicais e influências na música nacional. O progressivo teve seu auge no início daquela década, contribuindo para “viagens” instrumentais e o surgimento de grupos brasileiros competentíssimos como Som Nosso de Cada Dia, Módulo 1000 e O Terço, mas também resvalando na indulgência que culminaria com a decadência criativa d’Os Mutantes. Ao mesmo tempo, o samba – que agoniza mas não morre – seguia solto com Clara Nunes, Martinho da Vila e Luiz Ayrão espalhando competência no mercado fonográfico. Roberto Carlos e Tim Maia reinavam absolutos em suas searas.

Mas no subúrbio do Rio de Janeiro, algo sorrateiramente acontecia…

Era o Movimento Black ganhando forma e força, com os Bailes da Pesada de Big Boy e Ademir Lemos, a lendária equipe Soul Grand Prix e artistas como Cassiano, Gérson King Combo, Hyldon, Carlos Dafé e muitos outros completamente antenados e influenciados pelos sons da Motown. Funk, soul, jazz e blues, tudo junto e misturado. Receitas dançantes para ninguém ficar parado.

Provando mais uma vez que o samba anda de mãos dadas com as mais diversas vertentes da música negra, a Banda Black Rio estrondou e virou sucesso instantâneo desde o primeiro momento em que se tomou conhecimento da existência de um disco dançante e totalmente instrumental – não que fosse novidade esse fato, mas a concepção rítimca fez do álbum Maria Fumaça um dos maiores clássicos da música brasileira.

O fundador da Black Rio é Oberdan Magalhães, sobrinho de Silas de Oliveira, um dos grandes baluartes do Império Serrano. Mas a ideia original é do produtor Don Filó, contratado por André Midani quando este assumiu a direção da Warner no Brasil em meados de 1976. A Warner era dona dos selos WEA/Elektra/Atlantic e tirou Midani da Philips (Phonogram) provocando estrondo na indústria do disco.

Don Filó produziu o disco da Soul Grand Prix para a gravadora, incluindo uma faixa instrumental – “Juju Man”, do grupo alemão Passport. Oberdan Magalhães foi arregimentado para montar o grupo que gravitava em torno do Azymuth, power-trio formado por José Roberto Bertrami, Alex Malheiros e Ivan “Mamão” Conti. Nos metais, além do próprio Oberdan, tocaram Barrosinho e Márcio Montarroyos. Foi daí que surgiu a Banda Black Rio.

Oberdan e Barrosinho já se conheciam de outros carnavais: os dois gravaram com Dom Salvador o excelente álbum Sangue, Suor e Raça, em 1971. Mas o pianista foi embora para os EUA e desfez sua banda. A Black Rio foi um pretexto para os dois voltarem a tocar juntos, trazendo para perto deles grandes feras da música carioca – Lúcio (trombone, ex-integrante da Banda Seroma Racional, de Tim Maia), Luis Carlos (bateria e percussão), Jamil Joanes (baixo), Cláudio Stevenson (guitarra) e Cristóvão Bastos (piano e sintetizadores).

A Banda Black Rio fez a ponte imaginária entre Zona Norte e Zona Sul, usando a música como fio condutor para aproximar o subúrbio de Ipanema e as “cocotinhas” dos bailes black. Contribuiu – e muito – para a aceitação do trabalho o fato do tema instrumental “Maria Fumaça”, com sua vigorosa mistura de samba e funk, mesclando cuíca e tamborim ao suingue do soul e à classe do jazz, ter sido escolhido pela Globo para a abertura da primeira novela em cores no horário das 19h, Loco-Motivas.

Mas o seminal álbum Maria Fumaça não é apenas e tão somente a música homônima. Ouçam, por exemplo, as ousadas releituras de “Casa Forte” (Edu Lobo), “Urubu Malandro” (Lourival de Carvalho/João de Barro), “Baião” (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira) e “Na Baixa do Sapateiro” (Ary Barroso), sem contar os temas inéditos como “Leblon Via Vaz Lobo”, “Metalúrgica” e “Mr. Funky Samba”. Um grande disco de música genuinamente brasileira para dançar e ouvir sem parar. Menos de meia hora de conexão entre o morro e o asfalto, pra ninguém botar defeito.

A Black Rio ainda lançaria no seu auge mais outros dois álbuns, participaria do controvertido espetáculo Bicho Baile Show de Caetano Veloso, que virou disco ao vivo e alvo de um sem-fim de críticas – nenhuma delas direcionada ao grupo, pelo menos na parte de arranjos ou de sua participação no palco. Também tocaram no lendário álbum Tim Maia Disco Club e participaram da trilha sonora do filme “Sábado Alucinante”, contribuindo com três músicas inéditas, incluindo a inacreditável “A Dança do Figueiredo”, ideia do sempre irreverente Carlos Imperial. Nos shows da Black Rio, quando Jamil Joanes aproveitava para fazer o chamado slap em seu baixo, as plateias gritavam em alto e bom som:

“Figueiredo! Figueiredo! Vá pra puta que o pariu!”

Para quem não sabe, Figueiredo era João Baptista de Oliveira Figueiredo, o último dos generais-presidentes que infelizmente comandaram este país.

Maria Fumaça foi eleito o 38º álbum mais importante da história da música brasileira na lista dos 100 maiores discos, elencada pela edição nacional da Rolling Stone.

Ficha técnica de Maria Fumaça
Selo: WEA/Warner Music
Gravado em 1977
Produzido por Marco Mazzola
Tempo: 28’19”

Músicas

1. Maria Fumaça (Oberdan Magalhães/Luis Carlos)
2. Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso)
3. Mr. Funky Samba (Jamil Joanes)
4. Caminho da Roça (Oberdan Magalhães/Barrosinho)
5. Metalúrgica (Cláudio Stevenson/Cristóvão Bastos)
6. Baião (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)
7. Casa Forte (Edu Lobo)
8. Leblon Via Vaz Lobo (Oberdan Magalhães)
9. Urubu Malandro (Lourival de Carvalho/João de Barro)
10. Júnia (Jamil Joanes)

Comentários