Especial Boesel, 30 anos: parte IV, Silverstone

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Disposto a apagar o erro em Monza, Raul Boesel foi para os 1000 km de Silverstone em busca de mais um triunfo no World Sportscar Championship de 1987. O brasileiro e Eddie Cheever triunfariam para dar à Jaguar a quarta vitória seguida no campeonato

RIO DE JANEIRO – O início do World Sportscar Championship de 1987 não poderia ter sido melhor para a Jaguar. A marca britânica, através da equipe chefiada por Tom Walkinshaw, emplacara três vitórias nas primeiras corridas daquele campeonato. Mas a regularidade era a chave da dupla da Porsche formada por Derek Bell e Hans-Joachim Stuck – um fator muito importante, considerando que por conta do regulamento desportivo vigente, os pilotos teriam que descartar seus três piores resultados de um total de 10 provas a se disputar.

Raul Boesel já tinha jogado fora o abandono nos 1000 km de Monza e o quarto desafio do campeonato seria em Silverstone, um dos quintais de casa da TWR-Jaguar e uma pista feita à feição para o chassi XJR-8 desenhado por Tony Southgate impulsionado pelo motor 7 litros V12 aspirado. Numa pista velocíssima como a que receberia a 4ª etapa do campeonato, a equipe lançava mão de um recurso aerodinâmico que nenhum outro concorrente pensou em utilizar: carenagem integral nas rodas traseiras. Os Porsche oficiais de Stuck/Bell e Mass/Wollek tinham calotas aerodinâmicas, para melhorar a penetração do ar na seção traseira dos 962C.

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A Jaguar preparou um carro específico para as 24h de Le Mans e alinhou John Nielsen/Martin Brundle para os 1000 km de Silverstone

Nessa etapa, a TWR inscreveu um terceiro chassi como preparação para a disputa das 24h de Le Mans. O carro #6 foi alinhado para John Nielsen e Martin Brundle, que aproveitava um intervalo de corridas da Fórmula 1, onde defendia a Zakspeed, para colaborar com o time de Tom Walkinshaw. Boesel tinha a volta de Eddie Cheever como parceiro na etapa marcada para 10 de maio, após a ausência do estadunidense por conta da disputa do GP do Brasil em Jacarepaguá.

A lista de inscritos era a melhor de toda a temporada até aquele momento: havia 39 carros previstos entre titulares e reservas, com 32 treinando e efetivamente marcando tempo. Além do terceiro Jaguar XJR-8, outra grande atração na classe C1 era a reaparição da Sauber com seu protótipo C9 de motor Mercedes-Benz V8 biturbo. O Kouros Mercedes, como era chamado o bólido, teria a bordo o veterano Henri Pescarolo e o neozelandês Mike Thackwell.

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Repaginado: o Sauber C9 com motor Mercedes-Benz V8 biturbo apareceu em Silverstone para Mike Thackwell/Henri Pescarolo

Também apareceu para a disputa dos 1000 km de Silverstone um protótipo March 85G com motor Porsche alinhado pela Richard Cleare Racing para James Weaver, Andrew Gilbert-Scott e o próprio Richard Cleare. Foi o único carro dentro do regulamento GTP confirmado para a prova. Com a ausência da Joest Racing (porque a equipe considerou que a gasolina oferecida para a prova, com 97 RON, não atendia ao mínimo necessário para os Porsche 962C do time germânico) e a volta da Kremer, após um périplo no Japão, havia onze protótipos enquadrados no grupo C1 e os demais na classe C2.

Nas sessões de classificação, Hans-Joachim Stuck voou pelos 4,778 km do circuito britânico e registrou a pole position com a marca de 1’15″11, média horária de 229,008 km/h. A Sauber driblou problemas com o engate da quarta e quinta marchas – cruciais num circuito tão veloz – e Thackwell conseguiu melhorar seu tempo a ponto de ficar a apenas 0″06 do melhor tempo dos dois treinos oficiais. Isto relegou Jochen Mass à 3ª posição, seguido dos Jaguar XJR-8 de Eddie Cheever e Jan Lammers. Apesar de ficar a um segundo e três décimos da pole, a TWR-Jaguar estava confiante em poder repetir o resultado das corridas anteriores e, talvez, tentar a dobradinha que escapou por um erro de cálculo de Raul Boesel no fim dos 1000 km de Monza.

Todavia, a equipe britânica tinha outras preocupações: o terceiro bólido, já preparado com a configuração que disputaria as 24h de Le Mans no mês seguinte, virou apenas em 1’19″34 nos treinos oficiais. Com menos efeito-solo, já de acordo com o regulamento técnico que seria apresentado em 1988, o carro tinha 50 kg a mais que o XJR-8 usual e uma nova disposição do motor para ajudar os eixos da transmissão a correr em linha reta na caixa de câmbio construída pela March, evitando assim falhas de junta homocinética e que o carro não perdesse tração.

Com as alterações, também modificou-se o centro de gravidade do carro, o que seria um problema não só para Nielsen/Brundle como também para os demais pilotos do time na prova mais importante do World Sportscar Championship de 1987.

Mas voltemos à Silverstone: um público estimado em 25 mil pessoas acompanhou a corrida, que em suas primeiras voltas teve o domínio do Sauber C9 Mercedes, evidenciando a potência do V8 biturbo alemão e a natural velocidade de Mike Thackwell, que comandou os primeiros quilômetros seguido pelos Jaguar de Cheever e Lammers e pelo Porsche de Stuck, que ostentava na prova o patrocínio da Autoglass, muito embora a publicidade tabaqueira não tivesse sido totalmente proibida na corrida – tanto que a TWR ostentava os logotipos da Silk Cut e o Porsche #18 tinha os stickers da Rothmans.

Na 16ª volta, Thackwell parou para o primeiro reabastecimento do Sauber e Eddie Cheever emergiu para a dianteira pela primeira vez com o Jaguar XJR-8. O primeiro abandono aconteceu na 25ª passagem, quando quebrou o Porsche #15 da Britten-Lloyd Racing, que vinha em quarto lugar com o também piloto de Fórmula 1 Jonathan Palmer.

Já com Henri Pescarolo ao volante, o Sauber C9 da Kouros Mercedes vinha num sólido 3º lugar atrás de Raul Boesel e John Watson, quando houve uma falha mecânica e a equipe decidiu trocar as velas do motor. A corrida a partir daí se tornou um evento-teste para o time de Peter Sauber, mas não foi isto que retirou o #61 da prova: uma quebra de suspensão afastou qualquer possibiliade dos suíços conquistarem um bom resultado nos 1000 km de Silverstone. “Temos a velocidade. Agora nossa missão será afinar novamente o carro”, disse Thackwell após a corrida.

O Porsche de Bell/Stuck chegou a assumir a liderança de forma momentânea, mas a dupla do carro #17 corria prestando mais atenção no consumo de combustível do que propriamente preocupada com a própria performance. A ponto do Jaguar XJR-8 LM de Nielsen/Brundle se tornar uma ameaça efetiva na luta pelo pódio, mesmo com todos os contratempos que o carro apresentou em seu primeiro momento na pista. Tempos depois, Nielsen acabou se impacientando com Massimo Sigala, que guiava o Brun Porsche numa velocidade menos rápida e acabou empurrando o carro #2 dividido com “Poppy” Larrauri para fora do traçado, na curva Copse.

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Assim ficou o Tiga C2 da equipe Oudet Racing, então guiado por Bruno Sotty, após um enrosco com o Porsche de “Poppy” Larrauri

Não foi, porém, o único incidente deste bólido. Já com Larrauri a bordo para o turno final de pilotagem, o #2 da Brun Motorsport acabou batendo com o Tiga GC84/5 da Oudet Racing, do grupo C2. O carro #125, então conduzido por Bruno Sotty, estava 32 voltas atrás do argentino quando a colisão aconteceu, bem defronte aos boxes. Os dois bólidos ficaram bem destruídos e a direção de prova mandou o Safety Car para a pista.

Na relargada, já de volta aos seus carros após o primeiro stint, Eddie Cheever e Jan Lammers partiram para um “mano a mano” entre os carros da TWR-Jaguar. Foram 10 voltas de intensa pressão do holandês ao líder da disputa, tanto que Eddie fez a melhor volta da prova – 1’18″12, média de 220,190 km/h – faltando somente seis voltas para a quadriculada. Lammers sofreu também com um parabrisa cheio de óleo espalhado pelos adversários e tinha a visibilidade prejudicada. Ao cabo de 210 voltas, a diferença entre os dois era de pouco mais de seis segundos, na segunda dobradinha dos felinos e na quarta vitória da Jaguar em quatro provas do World Sportscar Championship em 1987.

A classe C2 teve uma ótima disputa entre a Swiftair Ecosse – que alinhou dois carros para a prova “caseira” do time e a Spice Engineering. Esta última comandou a prova na divisão com o carro #111 guiado por Gordon Spice/Fermin Velez até a explosão de um dos pneus traseiros, que danificou a carroceria e o extrator traseiro do protótipo. A Ecosse só não fez a dobradinha porque o modelo antigo alinhado para Mike Wilds/Johnny Dumfries acabou vítima de uma rodada, após excessivas saídas de traseira. A vitória na classe ficou com Ray Mallock/David Leslie, que terminaram num excelente 6º posto na classificação geral.

Com a vitória em Silverstone, Boesel passou a somar 52 pontos na classificação do World Sportscar Championship. A disputa era extremamente equilibrada: Lammers/Watson recuperaram o comando da classsificação com 55 pontos, enquanto Bell/Stuck, com quatro pódios seguidos – sem nenhum triunfo, entretanto – alcançavam 54.

Próximo post: 24h de Le Mans.

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