Luiz Melodia (1951-2017)

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No Festival Abertura da TV Globo em 1975, cantando “Ébano”: Luiz Melodia não se prendia a rótulos e por isso era um artista fora de série. O carioca do morro do Estácio se foi hoje, aos 66 anos

RIO DE JANEIRO – Foi-se um gênio. Uma das minhas maiores admirações na arte da música. Acostumado a ouvir esse cara quando criança, estranhei quando, de repente, ele sumiu do mapa e voltaria de forma magistral como tema de novela. Hoje, aos 66 anos, não resistiu a um câncer de medula óssea. Tinha feito o transplante, mas seu organismo rejeitou a nova medula. A notícia, confirmada pelo guitarrista e amigo Renato Piau, deixa a música brasileira mais triste e cada vez mais medíocre.

Luiz Melodia não está mais entre nós.

Nascido e batizado Luiz Carlos dos Santos no morro do Estácio em 7 de janeiro de 1951, bebeu na fonte do samba, pela proximidade com a escola de samba Unidos de São Carlos (hoje Estácio de Sá) e também do blues, da bossa nova e da jovem guarda, formando inclusive um conjunto de baile chamado Os Instantâneos. Nessa altura, ele já havia abandonado o ginásio – dando um desgosto daqueles ao pai Oswaldo Melodia, que era compositor – e foi natural que ele, Luiz, seguisse o caminho do pai.

Passou a adolescência tocando e compondo. No início dos anos 1970, suas músicas chamaram a atenção de Wally Salomão e foi através dele que o Brasil conheceu “Pérola Negra”, canção gravada por Gal Costa no álbum Fa-Tal Gal A Todo Vapor, de 1971. E logo depois era Maria Bethânia quem lançava “Estácio Holly Estácio”. Estavam abertas as portas para aquele rapaz negro de olhos esgazeados que, aos 22 anos, gravava na Philips seu primeiro disco.

Aliás, que disco! Pérola Negra é espetacular. Um trabalho extraterrestre, um dos maiores discos de estreia da história da música brasileira. Tão bom e repleto de clássicos – além das já citadas, ele lançou “Pra aquietar”, “Magrelinha”, “Abundantemente Morte”, “Vale Quanto Pesa” e “Farrapo Humano” – que Luiz Melodia, já com o codinome artístico do pai – de quem regravaria o chorinho “Estácio, Eu e Você”, jamais conseguiu fazer algo parecido nos discos seguintes.

De 1973 para cá, foram 17 discos gravados – com um hiato de nada menos que catorze anos entre dois trabalhos, o que deu a muitos a impressão de que Luiz Melodia não existia mais para a música brasileira. Ele recebeu o mesmo rótulo que coube a Sérgio Sampaio, Raul Seixas, Walter Franco, Jorge Mautner e Jards Macalé, por exemplo. Foi taxado de maldito e, no caso dele, a coisa até parecia cair bem e ele nem se importava com isso.

A grande queixa dele enquanto artista é que Xuxa, que não cantava nada, tinha espaço e vendia horrores. Ele, não. Talvez porque não fizesse concessões a gravadora alguma e gravasse o que bem queria e entendia, do jeito que achava certo.

A resposta veio na cover de “Codinome Beija-Flor” para a novela global O Dono do Mundo, de 1991. Com o tema das personagens Taís e Beija-Flor, o Brasil se lembrou dele e as gravadoras também. Mas só em 1997 ele voltaria a estúdio para fazer – acreditem – apenas seu sexto trabalho. Depois desse longo e incompreensível hiato, Luiz Melodia voltou aos palcos e estúdios e desfilou pelas últimas duas décadas todo o seu carisma, versatilidade e suingue antes de se descobrir com câncer.

O tratamento do mieloma múltiplo começou em fins de março. Mesmo conseguindo uma medula que lhe foi transplantada, a quimioterapia não foi suficiente para mantê-lo vivo. Vai-se o homem, fica o artista, o cara que tantas e tão bonitas canções compôs e estão na boca da gente.

Taí um artista com uma vida tão rica e tão bonita que dá até enredo de escola de samba. Não pra aquietar. Pra fazer a gente cantar e sambar com a passista da escola de samba do Largo do Estácio.

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