Especial Boesel 30 anos – parte VIII, Nürburgring

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Nos 1000 km de Nürburgring, a Jaguar correu sem o logotipo dos cigarros Silk Cut nos seus protótipos XJR-8. O que, convenhamos, não fez nenhuma diferença no desempenho do carro

RIO DE JANEIRO – Líder do campeonato após a vitória em Brands Hatch, o brasileiro Raul Boesel poderia dar um passo decisivo rumo ao inédito título do World Sportscar Championship de 1987 na oitava e antepenúltima etapa da temporada, os 1000 km de Nürburgring. Um ótimo desempenho naquela corrida apagaria o erro da etapa de Monza, que custou a ele um abandono, resultado que poderia ser eliminado, já que o regulamento permitia o descarte dos três piores resultados na classificação. Para a Jaguar, uma vitória significaria o fim de uma era de domínio da Porsche, que vinha de cinco títulos consecutivos desde que os Esporte-Protótipos Grupo C passaram a dar as cartas nas provas de longa duração.

Marcada para 30 de agosto, a corrida seria realizada no traçado remodelado e que fora inaugurado em 1984 com um baile de Ayrton Senna em cima de uma legião de craques do automobilismo, numa prova promocional de lançamento do modelo Mercedes-Benz 190E. Naquela época, o circuito tinha 4,542 km de extensão e a corrida seria disputada em 221 voltas no seu total.

Ao todo, 32 carros – entre reservas e titulares – fizeram parte da lista de entradas. A TWR-Jaguar, que era impedida de usar sua pintura original dos cigarros Silk Cut por conta da proibição de publicidade tabaqueira em território germânico, contava com o retorno de Eddie Cheever para auxiliar Boesel em busca da quarta vitória do brasileiro. Derek Bell e Hans-Joachim Stuck continuariam na Joest Racing apesar das reclamações em Brands Hatch. A esperança era que o desempenho fosse minimamente superior para ainda manter viva a chance de reverter o quadro, àquela altura favorável para o piloto do Jaguar XJR-8 #4. E de fato, o pito de Stuck surtiu efeito: eles receberam um chassi mais leve e um motor mais potente, com 3 litros de capacidade cúbica contra os 2,8 litros do resto.

E nos treinos, quem surpreendeu mais uma vez foi a Britten Lloyd Racing e seu Porsche 962 GTi que funcionava bem em circuitos mais técnicos e travados. Depois das 24h de Le Mans, o bólido guiado por Mauro Baldi e por Jonathan Palmer melhorara a olhos vistos, tanto que a pole foi deles, com o tempo de 1’25″43. A boa notícia foi que Raul Boesel e Eddie Cheever conquistaram um lugar na primeira fila, graças ao tempo de 1’25″85. Mesmo assim, Tom Walkinshaw e sua equipe não estavam plenamente satisfeitos. À exceção de três corridas – Jarama, Monza e Silverstone – nas demais, pelo menos um dos carros do construtor britânico apresentou problemas técnicos.

O Sauber-Mercedes foi alinhado para um trio – Mike Thackwell tinha a companhia de Johnny Dumfries e Henri Pescarolo no bólido que alinhou da terceira colocação à frente do Jaguar de Lammers/Watson, que só vinha enfrentando percalços após ganhar os 1000 km de Monza e do Porsche de Klaus Ludwig/Bob Wollek. A dupla Stuck/Bell ficou com a sexta posição no pelotão em que 29 carros largaram.

E por falar em largada, o carro #9 de Ludwig/Wollek disparou prontamente para o primeiro lugar, como que tentando provar que o Porsche 962C ainda era um grande carro e que os que o acusavam de obsolescência podiam ficar quietinhos no seu canto. Mas tudo se explicou quando o #9 parou para reabastecimento: Ludwig largou com o carro mais leve (80 litros de gasolina) e o plano era do alemão fazer stints duplos para poupar Wollek de se esforçar tanto, uma vez que “Brilliant” Bob se recuperava de fraturas de costelas após um acidente sofrido nos EUA, numa corrida da IMSA.

Não adiantaria muito, pois o câmbio do carro acabaria se entregando e a dupla desistiu após completar 117 voltas.

Enquanto a Joest Racing tinha problemas com um dos carros e a dupla Bell/Stuck tinha que recuperar vindo de último, pois o motor se recusara a pegar, o Sauber C9 chegou à liderança momentânea nos pit stops do #9 e depois caiu para a 2ª posição quando o Jaguar de Boesel/Cheever emergiu para a dianteira. O #61 da Kouros Mercedes também não duraria muito tempo na disputa e a trinca Thackwell/Dumfries/Pescarolo abandonou após o complemento da quarta hora de prova.

Daí pra diante, a ordem na equipe TWR foi controlar a vantagem e também a cota de 510 litros de combustível, o que por pouco os seus pilotos não conseguem. Cheever guiou no último turno e recebeu a quadriculada da vitória à uma média horária de 169,231 km/h, percorrendo os 1000 km de prova em cerca de 5h55min. Numa prova sem recordes, o estadunidense ainda conseguiu terminar no cheiro da gasolina – restavam apenas três litros no tanque do XJR-8 na vistoria após o Parque Fechado.

A recuperação de Bell/Stuck não foi suficiente: a dupla perdeu três voltas e mesmo chegando em 2º lugar, o resultado também não bastou, tanto para os pilotos quanto para a Porsche, que finalmente viu seu reinado ser encerrado após meia década de domínio absoluto. Pela primeira vez desde que a Aston Martin conquistara o título em 1959, um construtor inglês vencia o World Sportscar Championship entre os construtores.

Com a quarta vitória em oito etapas, Raul Boesel também encaminhava a conquista do Mundial de 1987 entre os pilotos. O brasileiro alcançava após os 1000 km de Nürburgring o total válido de 110 pontos, sem descartes. Stuck e Bell tinham 99 e ainda se agarravam em vãs esperanças para destronar o representante da Jaguar de uma conquista que parecia inevitável na etapa seguinte.

Na classe C2, fato raro: pela primeira vez em oito corridas, não deu Spice e muito menos Ecosse. O Tiga GC287 de Costas Los/Dudley Wood, da equipe Cosmik GP Motorsport, chegou à sua primeira vitória na temporada, seguido por Pasquale Barberio/Vito Veninata/Ranieri Randaccio a bordo de outro protótipo Tiga e de Win Percy/Mike Wilds, no segundo Ecosse C286 Cosworth. Mesmo sem pontuar, Fermin Velez/Gordon Spice seguiam rumo ao título de sua categoria.

Próximo post: Spa-Francorchamps.

Comentários

  • Nunca é demais lembrar que, estivesse com o bólido mais rápido no momento e fosse ajudado pelo “abandono” da Porsche a seus titulares no meio da temporada, Raul venceu legendas da resistência como Stuck, Bell, Ludwig e Wollek, sem falar na quadrilha de companheiros que, inclusive, eram ‘”da casa”. Mutatis mutandis, tempos de hoje e na F1, seria como a Ferrari ter 4 carros e ele vencer Vettel, Kimi, um companheiro italiano e a canalhada da Mercedes, Hamilton incluso… Daria para fazer inúmeras comparações ante ao feito do Raul, inclusive envolvendo Prost, Senna, Piquet e Mansell em 1986, só para se ter uma idéia do quão grande foi o feito.

  • Quanto ao Wollek, eu vi essa corrida (baixei algum tempo) em que ele destruiu seu Porsche em Sears Point (ou Sonoma, curiosamente onde a Indy encerra a temporada neste fds). Outra (infeliz, nesse caso) coincidência é que ele faleceu em 2001 andando de… bicicleta!