Equipes históricas – Jordan, parte IV

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A Jordan acreditou em mais um brasileiro para o ano de 1993: Rubens Barrichello pegou o desenvolvimento do carro de saída – o modelo 193 tinha novo motor (Hart), aerodinâmica revisada e câmbio com acionamento semi-automático

RIO DE JANEIRO – A Jordan viveu céu e inferno num curto espaço de tempo – e não era pra menos: após uma estreia impactante em 1991, tiveram um péssimo campeonato em 1992, o que pôs dúvidas sobre o legítimo potencial da equipe sediada na Inglaterra.

A solução era mudar tudo para o campeonato de 1993 e buscar alternativas saudáveis para uma temporada que se avizinhava difícil, diante do emprego massivo de eletrônica pela maioria das equipes, o que tornou a categoria mais onerosa. Para um mão-de-vaca notório como Eddie Jordan, havia que existir saídas. E ele rapidamente as encontrou.

Costurou primeiro um acordo com Brian Hart para que o mago dos motores desse um jeito de fazer uma unidade V10 3,5 litros para o projeto novamente concebido por Gary Anderson. Depois, trouxe sangue novo para o time. Começando por Rubens Barrichello.

Campeão da Fórmula 3 inglesa na temporada de 1991, o garoto brasileiro então com 20 anos vinha da Fórmula 3000, onde defendera a equipe italiana Barone Rampante. Suas credenciais nas categorias de acesso na Europa, afora um aporte de US$ 3 milhões em patrocínios, foram suficientes para que Rubens fosse confirmado como titular.

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Por mais incrível que possa parecer, Ayrton Senna negociou com Eddie Jordan para disputar a temporada de 1993 pela equipe, se o plano teatral engendrado por ele e Ron Dennis para conseguir uma grana violenta com a Phillip Morris fracassasse

E quase que a equipe teve outro brasileiro a bordo. Não, não é mentira, leitores.

O jornalista britânico David Tremayne escreveu um livro sobre Barrichello (publicado apenas na Europa e lançado em 2005), em que contou detalhes confessados por Eddie Jordan de que – pasmem! – ninguém menos que Ayrton Senna chegou a abrir negociações com o “Peruca” para a temporada de 1993.

Na verdade, a equipe já estaria preenchida, não fosse por um detalhe: Martin Brundle decidiu-se por uma proposta da Ligier e foi para a equipe francesa, deixando o segundo assento vago. Ayrton e Ron Dennis, nos bastidores, engendravam um “plano teatral” para convencer John Hogan, o alto executivo do grupo Phillip Morris (leia-se Marlboro) a pagar para o tricampeão mundial um salário equivalente a US$ 1 milhão – por corrida, registre-se.

Senna não queria ficar fora da categoria e a Jordan era vista como um plano B com enorme simpatia pelo piloto, apesar de ter sido rival do próprio Eddie quando guiava para Dick Bennetts na Fórmula 3 inglesa. E Ayrton seria um coach fantástico para Barrichello se os dois tivessem corrido juntos. A ideia existia, mas Senna fez um teste com o McLaren MP4/8 com motor Ford V8, gostou do carro e decidiu permanecer na McLaren.

Ah, sim! Senna conseguiu o contrato, como se sabe, e fez uma temporada soberba – na opinião de muitos, a melhor de sua carreira na Fórmula 1.

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Após o teste frutífero de Senna com a McLaren e a ida de Martin Brundle para a Ligier, a opção foi dar a segunda vaga a Ivan Capelli

Voltando à Jordan, como faltavam opções disponíveis no mercado, a equipe decidiu dar mais uma chance a um piloto que passara o pão que o diabo amassou no ano anterior: triturado após uma pavorosa temporada pela Ferrari, Ivan Capelli acabou acertando para ser o companheiro de Rubens a bordo do carro #15.

O Jordan 193 apresentou um conceito bem distinto em relação aos dois primeiros carros do time na Fórmula 1. A ideia do bico “Batmóvel” foi abandonada, substituído por um nariz mais alto e um bico de desenho diferente. Em relação às demais equipes, a Jordan não investiu em suspensões ativas, mas pela primeira vez usava câmbio semi-automático desenhado em conjunto com a X-Trac, para substituir a solução de câmbio sequencial de moto que foi um fracasso em 1992.

O carro também tinha controle de tração e outra característica: entre-eixos curto, o que causava uma certa instabilidade na seção traseira do bólido.

A primeira prova do campeonato foi o GP da África do Sul, em Kyalami. Rubens Barrichello conseguiu um razoável 14º lugar – quatro posições à frente de Capelli. Mas ficou claro que a posição da Jordan não seria muito diferente disso ao longo do ano. Na média, o modelo 193 da equipe era três segundos mais lento que os carros de ponta. A confiabilidade teria que ser um trunfo. Mas não foi isso que aconteceu no início do ano, não…

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Assim ficou o carro de Ivan Capelli no GP da África do Sul. O italiano duraria pouco na Jordan e nunca mais voltaria à Fórmula 1

Com os problemas e quebras da concorrência numa corrida caótica, Barrichello chegou a alcançar o sétimo lugar. Mas a transmissão o deixou na mão na altura da 32ª volta. Capelli já tinha se despedido da corrida muito antes: bateu na terceira volta e destruiu seu carro.

No intervalo entre a corrida sul-africana e o GP do Brasil, 2ª etapa do campeonato, a FIA mudou as regras de formação do grid por conta do forfait da March. Limitou o total de bólidos para 25 – ou seja, um dos carros inscritos iria ficar de fora a cada corrida a partir de Interlagos.

E no Brasil, sobrou justamente para Ivan Capelli. Em nenhum momento, o outrora aguerrido piloto italiano foi capaz de conseguir alguma coisa com um carro nitidamente razoável. Inapelavelmente batido por Barrichello em praticamente dois segundos e parecendo estar completamente “aéreo” a bordo do carro, Capelli foi o último nos treinos e ficou fora da corrida. Décimo-quarto no grid, Rubens andou no meio do bolo até sua corrida terminar de forma prematura – mais até do que em Kyalami. Causa: câmbio, de novo.

O intervalo até a terceira etapa era relativamente curto e Eddie Jordan tinha que ser drástico. Capelli teve vida curta a bordo do carro #15 e foi demitido. Para sua vaga, o “Peruca” decidiu por Thierry Boutsen, experiente piloto belga que estava fora da categoria desde o fim de seu contrato com a Ligier. De cara, o espigado e simpático Thierry viu que teria problemas. A começar por seu tamanho. De estatura elevada, ele não cabia no carro e a Jordan teve que fazer um novo chassis para lhe acomodar.

E houve Donington Park no meio do caminho…

Eu sei, todo mundo sabe, que aquele 11 de abril de 1993 é inesquecível por causa de Ayrton Senna e sua primeira volta. Mas desmerecer o que Barrichello fez naquela corrida em meio às dificuldades é desconhecer o talento daquele que fazia apenas sua terceira corrida na Fórmula 1.

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Monumental: a terceira corrida do jovem brasileiro de 20 anos na Fórmula 1 foi de almanaque. Rubens Barrichello foi tão impecável naquele dia quanto Ayrton Senna, mas a falta de sorte lhe traiu naquele dia 11 de abril de 1993

Rubens veio de 12º no grid – Boutsen largou de 19º, só pra constar – e alcançou uma incrível quarta posição na primeira volta. Oito posições conquistadas e, trocando em miúdos, o jovem Barrichello fez algo mais incrível do que Ayrton naquele domingo encharcado.

Pilotando como um mestre num asfalto traiçoeiro, o brasileiro ficou várias vezes em posição de pódio. Foi 3º colocado na volta 18 antes de sua primeira parada nos boxes. Ocuparia o posto mais duas vezes, no período entre as voltas 25 e 26 e depois da 32ª à 38ª.

Aí aconteceu o inacreditável. Enquanto Damon Hill e Alain Prost (principalmente este) tinham uma atuação risível, procurando os boxes inúmeras vezes para as trocas de pneus, Rubens foi guindado ao segundo lugar e por lá ficaria da volta 49 até a 55, quando foi ultrapassado por Damon Hill.

Uma quarta vez colocou o piloto da Jordan em terceiro – faltavam poucas voltas para o final e tudo caminhava para um incrível pódio do garoto. Mas deu tudo errado… a pressão do combustível foi para o espaço e o Jordan #14 parou no acostamento. Depois, descobriu-se que a equipe errou o cálculo do combustível e Barrichello foi nocauteado por uma pane seca. Uma pena: fez uma corrida gigantesca, tão grande quanto a de Senna e merecia ter ido ao pódio.

Vida que segue. E as corridas seguintes não seriam das mais fáceis: em Imola, Rubens estava com a moral em alta após a exibição de gala em Donington e enfiou um segundo e três décimos em Boutsen na definição do grid. Enquanto o belga não passou da segunda volta, com (mais) uma quebra de câmbio, Barrichello foi do céu ao inferno ao se embananar na curva Tosa e rodar na 18ª passagem – um dos raros erros do piloto em toda a sua trajetória na categoria.

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Thierry Boutsen chegou à equipe antes da 3ª etapa, mas pouco acrescentou em termos de velocidade e performance na temporada. Acabaria se despedindo da Fórmula 1 antes do fim do campeonato

Na Espanha, a falta de velocidade do Jordan 193 foi evidente. Em ritmo de classificação, Rubens e Thierry levaram mais de cinco segundos da pole position. A equipe também tomou uma importante decisão, deixando a caixa de câmbio semi-automática de lado e optando pelo engate clássico manual, até que a transmissão nova se mostrasse confiável, o que a equipe tentaria saber em testes. Pelo menos os dois pilotos terminaram – Boutsen em 12º e Barrichello em 13º, três voltas atrás do vencedor Alain Prost.

No GP de Mônaco, Barrichello comemorou seu aniversário de 21 anos com uma performance sólida. Mesmo largando de uma posição do meio para trás no grid, conseguiu extrair o máximo do carro e chegou em nono. Boutsen foi novamente relegado a segundo plano nos treinos – tomou um segundo e dois décimos do colega. E ainda abandonaria após 12 voltas, por quebra de suspensão.

Em Montreal, na etapa seguinte, o abismo entre os dois pilotos aumentou para um segundo e quatro décimos em ritmo de qualificação. Mas foi Boutsen, com paciência, que conseguiu terminar o GP do Canadá em 12º, a duas voltas de Prost, que vencia mais uma. A corrida parecia promissora para Barrichello, mas uma falha elétrica o tirou de circulação após 10 voltas.

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Outro grande momento de Barrichello em 1993 foi no GP da França, em que conquistou seu melhor grid na temporada e esteve pertíssimo do seu primeiro pontinho na Fórmula 1. Ficou no quase…

A despeito das evidentes deficiências do Jordan 193, o carro era bem mais confiável que seu antecessor e a equipe procurava explorar os pontos frágeis do conjunto. Na busca de mais velocidade, mexeram na parte traseira e houve progressos. Na pista de Magny-Cours, Rubens se mostrou à vontade e conseguiu um ótimo 8º lugar no grid. A corrida de Barrichello foi excelente do início ao fim e ele se instalou na 6ª posição desde a 21ª volta, quando Andrea de Cesaris colidiu com a Ligier Renault de Mark Blundell, que vinha em quarto.

O primeiro ponto parecia próximo, mas… só parecia.

Na última volta, Rubens foi superado por Michael Andretti, desesperado por resultados e querendo mostrar serviço na McLaren. Com pneus mais novos que o adversário, conquistou o pontinho do sexto lugar. A Barrichello restou o amargo gosto da 7ª colocação.

Apesar das melhorias, a corrida de Silverstone – quintal de casa da Jordan – seria uma das piores apresentações em 1993. Rubens enfiou a luneta de sempre em Boutsen, mas o carro jamais teve ritmo. Apesar de tudo, a batalha entre Barrichello, Jean Alesi (com uma Ferrari!) e Christian Fittipaldi a bordo da Minardi foi um dos pontos altos daquela disputa. O brasileiro vendeu caro a nona posição e chegou em 10º, enquanto Boutsen ficava mais uma vez a ver navios, com problemas mecânicos.

Na Alemanha, já com o carro reconvertido ao câmbio semi-automático, Barrichello teve que desistir quando estava em 13º, na trigésima-quinta volta. Boutsen herdou a posição na quadriculada, porque o líder Damon Hill, que venceria aquela corrida, teve o pneu de sua Williams furado na penúltima volta.

A corrida da Hungria se antevia difícil, mas o brasileiro foi quase dois segundos melhor que o belga na definição do grid. Só que acabou sofrendo um acidente antes de completar a primeira volta e Boutsen terminaria a prova em 9º lugar, no que se constituiu seu melhor resultado em 1993.

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Emanuele Naspetti (sentado no carro) e Marco Apicella foram dois pilotos italianos de curtíssima duração na substituição a Boutsen no segundo carro da Jordan

Na etapa seguinte, Thierry correria em casa e nos treinos ficou em 20º, sete posições atrás de Barrichello, que abandonaria a disputa em virtude de uma falha de rolamento de roda. O câmbio do carro do belga quebrou logo na primeira volta em Spa-Francorchamps e o piloto, então com 36 anos, não só desistiu da corrida como resolveu se retirar da Fórmula 1 – ironicamente, sua estreia, 10 anos antes, tinha sido em Spa, pela Arrows, quando substituiu Chico Serra.

A solução de Jordan para a segunda vaga da equipe foi leiloar o cockpit do #15 enquanto não encontrasse um substituto melhor ou à altura dos anteriores. No GP da Itália, Eddie optou por Marco Apicella, mas a estreia do experiente piloto italiano foi desastrosa – ele e Barrichello se envolveram numa colisão na primeira volta e foram forçados a desistir. Em Portugal, no Estoril, veio outro piloto da terra da bota: Emanuele Naspetti assumiu o volante, mas só guiou por oito voltas antes do motor Hart apresentar um raro problema de quebra. Barrichello voltou a concluir uma disputa após quatro etapas, no 13º posto.

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Estreando na Fórmula 1 numa pista que conhecia bem de sua experiência na Fórmula Nippon, Eddie Irvine foi o único que bateu Barrichello em qualificação no ano de 1993

Para o GP do Japão, o penúltimo do ano, Eddie foi buscar um antigo recruta que fazia carreira no Oriente: Eddie Irvine, norte-irlandês de 27 anos na época, foi chamado para fazer sua estreia na Fórmula 1. Dependendo do que fizesse, talvez uma oferta para sair da Fórmula Nippon pudesse se materializar no horizonte do novato.

Nos treinos, um fato inédito, mas nem um pouco inesperado: pela primeira vez no ano, Rubens ficou em desvantagem. Irvine conhecia muito bem os ‘atalhos’ do seletivo circuito nipônico e igualou o melhor grid da equipe no ano, com o 8º lugar. Barrichello se qualificou na 12ª posição e, naquela altura, tudo o que Eddie Jordan não queria era ter um fecho de campeonato pior que o de 1992.

A corrida de Suzuka seria uma espécie de tudo ou nada. O jogo da vida para o “Peruca” e sua escuderia.

E o resultado não poderia ter sido melhor: Irvine foi competitivo de saída e o GP do Japão foi disputado com tempo instável. À vontade, o irlandês brilhou no início, superando nada mais nada menos que a Williams de Damon Hill e a Benetton de Michael Schumacher e chegou ao quarto lugar, enquanto Barrichello navegava no pelotão intermediário.

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A audácia de não ceder ultrapassagem a Ayrton Senna, que estava prestes a lhe dar uma volta na briga com Damon Hill pelo 6º lugar, rendeu uma discussão áspera e um catiripapo do tricampeão no atrevido novato

Depois, o novato criaria problemas na pista com ninguém menos que Ayrton Senna e a tática do brasileiro funcionaria melhor. No fim das contas, o quinto lugar de Rubens e o sexto posto de Irvine foram tudo do que a escuderia precisava. Com três pontos, o transporte dos equipamentos bancado pela FOCA (hoje FOM) para as provas fora do continente europeu estava assegurado – e uma razoável fatia do bolo destinado às equipes nos direitos televisivos, também.

Senna venceu brilhantemente sua 40ª prova na Fórmula 1 naquele dia 24 de outubro de 1993. Mas não engoliu direito o atrevimento daquele novato que vendeu caro uma tentativa de ultrapassagem, quando Ayrton tentava lhe colocar uma volta, enquanto a missão de Irvine era apenas de se defender dos ataques de Damon Hill, na luta pela 6ª colocação.

Seguiu-se o diálogo que o blog reproduz agora, travado entre o tricampeão e o impetuoso piloto que marcara seu primeiro pontinho na prova de estreia na Fórmula 1.

Irvine: “Hey.”
Senna: “Que m**** você acha está fazendo?”
Irvine: “Eu estava correndo.”
Senna: “Você estava correndo? Você conhece a regra que você tem que deixar os líderes passarem quando você é um retardatário?”
Irvine: “Se você estivesse indo rápido o bastante, não haveria problema.”
Senna: “Eu te passei! E você saiu da pista três vezes na minha frente, no mesmo lugar, como um idiota, onde havia óleo. E você estava jogando brita e outras coisas na minha frente por três voltas. Quando te passei, você viu que eu estava na sua frente. E quando eu cheguei no Damon (Hill), ele estava de slicks e tendo dificuldades, e você deveria ter ficado atrás de mim. Você correu um risco muito grande, de me tirar da corrida.”
Irvine: “Eu te coloquei em algum perigo?”
Senna: “Você não me colocou em perigo?”
Irvine: “Eu encostei em você? Eu encostei em você alguma vez?”
Senna: “Não, mas você chegou à isso (gesticulando, polegar e indicador juntos) de encostar em mim, e eu era o líder (berrando), eu era o líder!”
Irvine: “Um pouco é tanto quanto uma milha.”
Senna: “Vou te dizer uma coisa. Se você não se comportar apropriadamente no próximo GP, é melhor você repensar o que faz. Eu te garanto isso.”
Irvine: “Os comissários disseram que não houve problema, não houve nada de errado.”
Senna: “Ah, é? Espere até a Austrália. Espere até a Austrália, quando os comissários falarem com você. Aí você me diz se eles dizem isso.”
Irvine: “Hey, eu estou aí para fazer o melhor para mim.”
Senna: “Isso não é correto. Você quer ir bem. Eu entendo, pois já fui assim. Eu entendo. Mas é muito antiprofissional, se você é um retardatário, e está uma volta atrás…”
Irvine (interrompendo): “Mas eu teria te seguido se você passasse o Hill.”
Senna: “…você deveria deixar o líder passar…”
Irvine (interromendo novamente): “Eu entendo perfeitamente.”
Senna (ele agora interrompendo): “…e não voltar e fazer as coisas que você fez. Você quase bateu no Hill, na minha frente, três vezes, eu vi, e eu podia ter acertado você e ele como resultado, e essa não é a maneira de…”
Irvine (interrompendo e gritando agora): “Mas eu estou correndo! Estou correndo! Você só aconteceu de…”
Senna (interrompendo e berrando): “Você não estava correndo! Você estava guiando como um p*** idiota. Você não é um piloto de corridas – você é um p*** idiota!”
Irvine: “Você fala, você fala. Você estava no lugar errado, na hora errada.”
Senna: “Eu estava no lugar errado, na hora errada ?”
Irvine: “Sim. Eu estava disputando com o Hill.”
Senna: “Sério? Sério? Me diz uma coisa. Quem deve julgar: você ou o líder da prova que vem vindo para te colocar uma volta?”
Irvine: “O líder da prova.”
Senna: “Então o que você fez?”
Irvine: “Você estava muito devagar, e eu tinha que passar você para tentar chegar no Hill.”
Senna: “Sério? Como eu estava colocando uma volta em você se eu estava muito devagar?”
Irvine: “Chuva. Porque de slicks você estava mais rápido do que eu, mas com pneus de chuva você não estava.”
Senna: “Sério? Sério? Como que eu te passei com pneus de chuva, então?”
Irvine: “Ahn?”
Senna: “Como que eu te passei com pneus de chuva, então?”
Irvine: “Eu não lembro disso. Na realidade, não lembro da corrida.”
Senna: “Exato, porque você não é competente o bastante para lembrar. Funciona assim, você sabe.”
Irvine: “Tudo bem, tudo bem, você pensa assim.”
Senna: “Tenha cuidado, cara.”
Irvine: “Vou ter, e vou ficar de olho em você.”
Senna: “Você vai ter problemas não só comigo, mas com várias outras pessoas, e também com a FIA.”
Irvine (sarcástico): “É?”
Senna: “Pode apostar.”
Irvine (rindo): “É? Bom.”
Senna: “É? Bom saber disso.”
Irvine: “Te vejo na pista.”
Senna (agressivo): “É? Bom saber disso.”
Irvine: “Te vejo na pista.”

Senna dá meia volta, caminha e parece que vai embora quando solta um “aaahhh” alto e vira em direção de Irvine, dando-lhe um soco, de esquerda, na parte direita da cabeça do norte-irlandês, que se desequilibra e cai no chão.
Irvine (berrando): “Processo!”
Senna (berrando enquanto é colocado para fora): “Você precisa aprender a respeitar quando está fazendo errado.”

Eddie Jordan sabia com quem lidava – tanto Ayrton quanto com seu xará Irvine. Criticou a abordagem de Senna, que também foi alvo de observações menos elogiosas por parte de muita gente da Fórmula 1. Mas é claro que os rótulos de “agressivo” e “perigoso” pegaram no norte-irlandês como uma praga.

O patrão pagou pra ver e confirmou Irvine não só na última etapa em Adelaide como também lhe ofereceu um contrato de dois anos, a vigorar a partir de 1994. Mas naquele fim de semana que encerraria o campeonato, o “te vejo na pista” do quase novato jamais se confirmou. Irvine classificou apenas em 19º no grid e bateu sozinho após completar 10 voltas. Rubens Barrichello fez o 13º tempo no grid e chegou em décimo-primeiro.

No fim de tudo, o balanço foi até positivo. A equipe fez mais pontos que em 1992, as performances de Barrichello foram sólidas – por vezes, brilhantes, como em Donington e Magny-Cours, quando o carro deixava – e Jordan ficou feliz. Tinha resolvido um pepino a menos para a campanha de 1994.

Assunto do próximo post.

Comentários

  • Sabe Rodrigo, eu sempre tive a impressão que o Senna quis brigar com o cara errado naquela ocasião de Suzuka. Ele tinha que bater boca era com o Hill, que era muito mais lento, e também tinha obrigação de deixá-lo passar, já que também era retardatário. Mas o inglês nem ameaçou ceder espaço para a ultrapassagem do líder.

    Só que é muito mais fácil brigar com o estreante desmiolado de equipe pequena. Ainda mais que Ayrton já tinha sido confirmado pela Williams para o próximo ano. Ia arrumar treta com o futuro companheiro de equipe pra quê?

    Sobre o Irvine, achei que ele foi bem mais perigoso (pra não dizer filho da puta mesmo) com o Warwick, jogando o inglês pra fora na última ou penúltima volta, quando eles brigavam pela sexta posição. Ele simplesmente deu no meio da Footwork, jogou o cara pra fora, e ainda pegou o sexto lugar e o ponto. Por aquilo sim, o Eddie deveria ter sido chamado a atenção.

      • Sim, com certeza. Sendo bem generoso com Eddie, no começo da carreira dele na F1 ele era, no mínimo, afoito. E ele foi muito bem suspenso pela besteira que fez em Interlagos. O meu ponto ali foi que, eu acho que ele não foi o principal responsável pela confusão com Senna e Hill.

  • Belo texto. Bela história.
    Saudade de uma equipe tão queida.

    Apenas pra constar, o que mudou de 92 pra 93 na Jordan foi a ‘traseira’ tipo batmovel, um tipo de extrator traseiro de formato bem agressivo, inventado pelo Gary Anderson já em 1991 pra canalizar o ar na traseira e diminuir a turbulência na traseira do carro.
    Esse foi considerado o grande trunfo do J191, mas não funcionou bem com o V12 em 1992.

  • Boa, Rodrigo !

    É uma das minhas seções favoritas !!
    Não demore pra postar o próximo capítulo !! ainda tem muita história pra contar !!

    Grande abraço !

  • Vale lembrar que o Irvine era fã assumido do Senna, inclusive, o norte irlandês chegou a correr com o capecete nas exatas cores do brasileiro e as mudando após a temporada de 89.

  • Vou chover no molhado ao dizer que a Jordan era especialista em construir carros bonitos.
    Até imagino os designers entrando na sala de Mr. Jordan na sede em Silverstone com o desenho do projeto.
    Eddie olha, ajeita os óculos, põe a mão no queixo, bate os dedos na mesa, e não satisfeito amassa a folha e diz com toda a educação:
    “Não gostei, refaça.”

    Isso explica a retirada da Jordan das corridas nesse periodo de aberrações em nome do fluido do ar pelo carro…

  • Belo texto, obrigado por isso. Interessante ler a transcrição da briga entre Senna e Irvine, primeira vez que leio. Eu acho que o Irvine estava errado, mas por outro lado, dadas as circunstâncias da equipe naquele momento, não dá para culpá-lo por brigar pelo sexto posto. Acredito que qualquer teria feito o mesmo que ele naquele momento. Aquele ponto poderia significar a salvação da equipe.

  • E o contrato corrida a corrida do Senna era também encenação entre ele e Ron Dennis pra forçar a Ford a entregar pra McLaren a versão mais atualizada de seus motores que por contrato eram exclusivos da Benetton.