Pequenas maravilhas – Ferrari 312PB (1971)

IMG_4254RIO DE JANEIRO – A miniatura que ilustra esta postagem é de um carro marcado pela tragédia. Enviada pelo Rui Pastor, esta é a réplica em escala 1/43 da Ferrari 312 PB, chassis #0874, com que o italiano Ignazio Giunti sofreu um acidente fatal nos 1000 km de Buenos Aires, abertura do Campeonato Mundial de Marcas, em 1971.

A corrida, realizada no dia 10 de janeiro, teve a participação de 22 carros. Havia os protótipos com motores acima de 5 litros de capacidade cúbica, entre eles os Porsche 917 e as Ferrari 512, além de modelos 3 litros (entre eles a Ferrari de Giunti) e outros de 2 litros, completando o grid. Emerson Fittipaldi participaria da corrida, a princípio, com uma Alfa Romeo T33/3 da Autodelta SpA, que ele dividiria com Toine Hezemans. Mas um acidente nos treinos fez o carro sofrer perda total e o brasileiro foi realocado no Porsche da Escudería Nacional CS, da Espanha, onde ele substituiu Alex Soler-Roig como companheiro do argentino Carlos Reutemann.

IMG_4255Para os 1000 km de Buenos Aires, disputados no circuito de 6,122 km de extensão, um dos muitos traçados utilizados naquele autódromo, a equipe oficial Ferrari levou apenas uma 312 PB enquanto as 512M e 512S eram alinhadas por equipes independentes. Com ela, a dupla Ignazio Giunti/Arturo Merzario conseguiu o 2º lugar no grid, atrás apenas do Gulf Porsche 917K de Pedro Rodriguez/Jackie Oliver.

Dada a largada, Giunti foi o primeiro a guiar o bólido vermelho e tudo corria bem com a 312 PB antes do primeiro reabastecimento, previsto para acontecer por volta da 40ª passagem. Um pouco antes disto, o francês Jean-Pierre Beltoise, que vinha ao comando da Matra-Simca MS660 que dividiria com Jean-Pierre Jabouille, ficou sem combustível no meio do circuito e, de uma forma que hoje seria considerada irresponsável e absurda, tentou trazer seu carro para os boxes no braço, empurrando-o.

Absurda ou não, irresponsável ou não, a atitude de Beltoise fez um piloto pagar um preço caríssimo, com a vida. Após a última curva, a Horquilla, há um pequeno movimento para a esquerda, que os pilotos faziam para tomar a reta principal dos boxes e das arquibancadas. Enquanto a Matra vinha empurrada, dois carros seguiam na pista naquele momento: a Ferrari 512M de Mike Parkes, da Scuderia Filipinetti e a 312 PB de Giunti.

Parkes, postado mais à esquerda, conseguiu ver o carro azul a tempo de desviar e evitar a colisão. Giunti, não. E o que se seguiu foi aterrador, com a 312 PB explodindo em chamas após a ruptura do tanque de combustível e o contato da gasolina com as partes quentes do carro, a borracha, a pintura e tudo o mais. Detalhe: Arturo Merzario já estava pronto para trocar com o colega de equipe e assistiu a cena, estupefato, do boxe da equipe italiana.

Preso ao carro e sem nada poder fazer, Giunti, que tinha em seu currículo somente quatro aparições em corridas de Fórmula 1 e seria o regra três da Ferrari para aquela temporada de 1971, morreu antes de completar 30 anos. Muitos o consideravam a maior esperança italiana no automobilismo desde Lorenzo Bandini e as circunstâncias que envolveram a perda dos dois valores foram, de certo modo, semelhantes.

Beltoise, cuja carreira no automobilismo teve sequência até meados daquela década, sofreu com as consequências do acidente. Massacrado pela imprensa italiana, o francês levou uma suspensão de três meses que atrapalhou sua temporada no Mundial de Marcas e também na Fórmula 1. A Efecê Editora, que publicava a revista Auto Esporte, chegou a lançar naqueles tempos um livro de Beltoise, chamado É proibido morrer. Confesso que gostaria de ter um exemplar na minha coleção.

Ah… os 1000 km de Buenos Aires foram até o fim. A vitória foi de Jo Siffert e Derek Bell, no outro Porsche 917K da equipe de John Wyer. Mas não houve comemoração e sim comoção pela trágica perda de um nome que poderia ter sido grande no automobilismo internacional.

Comentários

  • O Giunti era amigo pessoal da minha mãe, também italiana, e foi jantar lá em casa (no Leblon) a caminho de Buenos Aires, onde morreria. Eu era pequeno, mas me lembro bem, pois já acompanhava as corridas (meus pais eram fanáticos). Uma morte estúpida, causada por um idiota que nunca mais deveria ter pilotado um carro de corrida.

  • Acontecem uns acidentes inexplicáveis numa primeira avaliação e depois de fartamente analisado, em 98% delas o erro foi humano, seja do piloto, seja das equipes de sinalização ou segurança.

  • Xará, não sei se já te falei sobre isso, mas cresci com meu pai me contanto a história desse acidente… Eles estava cobrindo a prova a poucos metros do acidente. Ele falava do pessoal gritando para o Beltoise para avisar dos carros que se aproximavam, de como o próprio francês por pouco não foi atingido e do terror que foi a todos assistirem ao Giunti se debatendo no carro, até seus movimentos cessarem….

  • Rodrigo,

    Eu nao era particularmente um admirador de Beltoise, até porque na disputa interna na Matra na F3 e F2, eu torcia pelo Jonny Servoz Gavin, um piloto muito mais ao meu estilo (habilidade em estado natural e pé muito pesado). Mas Jean Pierre era mais eficiente, sem deixar de ser rapido. Esse acidente em BA marcou profundamente sua carreira, e deixou um estigma que empana sua carreira, recheada de bons resultados em diversas categorias (F3/F2/F1/SP)
    Na verdade, ele arcou com toda a culpa (e, de fato, a culpa foi dele, no afã de levar o carro aos boxes), mas 2 outros fatores foram quase tão importantes para a tragedia: a atuação dos bandeirinhas que permitiram a manobra e não sinalizaram devidamente, e a localização dos boxes de BA, logo na saida da curva. Isso sem contar que o proprio Jean Pierre por muito pouco não foi vitima fatal do proprio erro.
    Quando li o livro (infelizmente não o tenho mais… essa minha mania de dar os livros a amigos, depois de le-los…), mudei um pouco a minha opinião sobre o piloto: foi um batalhador, sofreu muito para chegar as corridas e ter sucesso, e teve acidentes (princialmente de moto) no inicio da carreira que o deixaram fisicamente prejudicado. Apesar disso, atingiu o apice do automobilismo e teve sucesso em tudo com que correu. Na fase, digamos, madura, estava correndo de carros de turismo. Um apaixonado.
    O capitulo de abertura do livro me marcou de tal forma, que me lembro dele até hoje: ele inicia se descrevendo numa das saidas de Paris, a bordo de sua Lambo Miura, acelerando forte pela estradinha que leva a sua casa, como a desafiar aquelas curvas tão bem conhecidas por ele. E ele explica que são apenas 7 km (será que a memoria não me trai ?) bastante sinuosos, ao longo dos quais existe um unico poste, numa saida de curva. E foi nesse unico poste que morreu Helene (outra vez a memoria…), sua primeira mulher, que estava indo em casa guiando um Matra Djet, para buscar um capacete que ele havia esquecido de levar para um treino.
    Dá pra perceber, já pelo inicio do livro, que o piloto é marcado pela morte, desde os primordios da carreira. Giunti foi mais uma delas, e Cevert foi outra que marcou a vida do pequeno frances, dado que a segunda esposa de Beltoise era irma piloto da Tyrrel.
    Pena que a historia de Beltoise, pra quem não acompanhou sua carreira, seja pontuada apenas pelo acidente de Giunti e pela espetacular, mas quase fora do contexto, vitoria com a BRM em Monaco, debaixo de chuva forte.
    Reputo Jean Piere como um dos pilotos mais “underated” da memoria do automobilismo, junto com um time de “cobras” pouco falado atuamente. Infelizmente o Moco é um dos integrantes desse time dos “underated”.

    Antonio