Saudosas pequenas – Arrows, parte I

RIO DE JANEIRO – Pode uma equipe de Fórmula 1 ficar mais de 20 anos na categoria máxima e durante todo esse tempo não ganhar uma única corrida? A menos que essa escuderia se chame Arrows e tenha passado de mão em mão entre 1978 e 2002, quando finalmente fechou as portas.

Arrows, que significa “flechas” em inglês, coincidentemente é o acrófono da sigla dos sobrenomes dos seus fundadores, que em fins de 1977 decidiram cair fora da Shadow, onde trabalhavam, e montar uma outra escuderia, o que deixou Don Nichols, diretor do time estadunidense, bastante furioso. Caíram fora Franco Ambrosio, Alan Rees, Jackie Oliver, Dave Wass e Tony Southgate. Nada menos que o patrocinador principal, dois diretores, o principal designer e seu engenheiro-assistente. Um desfalque e tanto…

Antes de se mandar para a Arrows, Southgate já tinha deixado pronto o projeto do Shadow DN9 de 1978. E isto provocaria uma das maiores controvérsias daquele ano. A nova equipe, porém, já enfrentava grandes problemas antes de começar sua história na Fórmula 1: primeiro, Franco Ambrosio foi preso por irregularidades financeiras (inclusive, comprovou-se, tempos depois, o envolvimento de Ambrosio com a loja maçônica P2). Depois, o sueco Gunnar Nilsson, apalavrado com a Arrows para ser o piloto titular, descobriu-se com um devastador câncer nos testículos – e ele morreria ao fim daquele ano de 78. A equipe precisou se socorrer de Riccardo Patrese, mais um que deixava a Shadow, para guiar seu carro.

11
Varig… Varig… Varig… foi assim que o primeiro Arrows entrou na pista de Jacarepaguá para a estreia no GP do Brasil de 1978

Em menos de 60 dias, Tony Southgate e a equipe conseguiram construir o primeiro carro do time, o modelo FA1, que chegou a tempo de disputar o GP do Brasil, o segundo do campeonato de 1978. Mal o novo Arrows entrou na pista e Don Nichols ficou mais furioso ainda com seus dissidentes: o FA1 era IGUALZINHO ao Shadow DN9. Furibundo, o diretor da Shadow entrou com queixa-crime de plágio contra a novata escuderia.

Enquanto o processo rolaria na justiça, a Arrows começaria o ano surpreendendo. Em Jacarepaguá, mesmo com problemas, Patrese chegou em 10º lugar e fez a sexta volta mais rápida da disputa, com um carro ainda todo branco e com adesivos da companhia aérea Varig.

Para o GP da África do Sul, chegou o patrocínio da cervejaria alemã Warsteiner, a reboque de um acordo com o experiente Rolf Stommelen. E logo na segunda corrida da história do time, Riccardo Patrese teve uma atuação sensacional em Kyalami. Largou em sétimo e assumiu a liderança com grande autoridade, na 27ª passagem. O italiano permaneceu 37 giros liderando o pelotão e espantosamente pareceu que venceria. Porém, o motor do carro se entregou a quinze voltas do final. Mas o potencial da equipe já se fazia sentir e a turma da Shadow não escondia sua revolta com tudo isso.

5786343923_4d4b80486c_o
Riccardo Patrese deixou ótima impressão com o “clone” do Shadow DN9

Enquanto Stommelen patinava do meio pro fim do pelotão, Patrese continuava mostrando qualidades. Chegou em 6º no GP dos EUA-Oeste em Long Beach e foi de novo sexto em Mônaco. Na Bélgica, o italiano andou muito tempo em quarto, até a suspensão do carro ter problemas. No GP da Espanha, mais uma performance competitiva, andando entre os seis primeiros até quebrar o motor.

78_SWE_-Andretti
No GP da Suécia, Riccardo fez a melhor corrida da curta história da equipe

Outra corrida espantosa da Arrows e de Patrese foi em Anderstorp, na Suécia. Na casa de Ronnie Peterson, o italiano conseguiu se manter à frente do piloto da Lotus durante praticamente toda a disputa. Não sem antes ouvir um bocado de críticas. Ronnie achou que o rival foi desleal no afã de manter a posição e chamou sua atenção. “A pilotagem deste rapaz foi selvagem e inconsequente”, disse o 3º colocado na ocasião.

Vejam bem quem foi que criticou o italiano: Ronnie Peterson, que durante muito tempo não media as consequências de seus atos na Fórmula 1. Outra voz contundente em relação ao estilo “agressivo” de Patrese era a de Jody Scheckter, que chegou a ser chamado de troglodita por um bom tempo. Interessante, não?

Patrese deu de ombros e foi em frente: chegou em 8º na França e largou em quinto no circuito de Brands Hatch para alcançar a segunda posição em determinado momento da disputa – atrás de Lauda, que seria apenas o 2º na quadriculada. Um furo de pneu acabou com mais uma bela atuação do italiano.

O processo da Shadow contra a Arrows continuava na justiça e, para nenhuma surpresa, foi acolhida a denúncia de plágio contra a nova equipe britânica. O jeito foi aposentar o polêmico e competitivo FA1 após o GP da Alemanha e lançar o novo carro que já estava pronto, esperando o resultado do julgamento.

Com o modelo A1, apresentado no GP da Áustria, os dois pilotos da Arrows passaram a enfrentar mais dificuldades. Se para Stommelen já era difícil conseguir um lugar no grid com o FA1, para Riccardo Patrese a coisa começou a ficar bem mais complicada. O italiano bateu no temporal da Áustria e depois com Didier Pironi, na Holanda. Mas o acidente que mais marcaria sua vida aconteceria em Monza, na Itália.

4046495675_3f0759f655_b
Marcado: o piloto italiano foi crucificado pelo acidente após a largada do GP da Itália, em Monza

Cabe lembrar aqui que o circuito passou por uma série de modificações em sua história e sua configuração de traçado já teve um anel oval com inclinação de 38º nas curvas. Por isso, a reta de Monza era demasiadamente larga e quem tomasse partido de tamanha largura, teria que tirar o pé para o funil da primeira chicane.

Mal os carros das três primeiras filas tomaram seus lugares e o diretor de prova Gianni Restelli deu luz verde. E foi a senha para que todo mundo que vinha do meio do pelotão pra trás forçasse a barra. Patrese, de forma impetuosa, tentou dividir a freada com James Hunt. Os dois colidiram e a McLaren foi jogada de encontro à Lotus de Ronnie Peterson, que bateu num guard-rail e, lotada de combustível, explodiu em chamas.

A confusão adiou a largada da corrida em quase três horas e, quando o GP da Itália de fato aconteceu, Patrese já era tido como o principal culpado da carnificina. O italiano abandonou aquela corrida com problema de motor. E para completar o quadro, Ronnie Peterson morreu no dia seguinte ao acidente, de embolia, no Hospital Niguarda, em Milão.

Foi a senha para que o jovem piloto de 24 anos passasse a ser taxado de “inconsequente” e “assassino”. A Fórmula 1 fez com Patrese um teatro que jamais seria feito com nenhum outro piloto. E a Grand Prix Drivers Association (GPDA) recomendou aos organizadores do GP EUA-Leste, em Watkins Glen, que a inscrição do italiano não fosse aceita.

Riccardo viajou para os Estados Unidos para nada: os ianques de fato recusaram sua inscrição e ele não pôde competir. E ainda ouviu sermões do campeão Mario Andretti – que pelo visto se esqueceu de que em Monza queimou a largada… – e de Emerson Fittipaldi.

No Canadá, a Arrows voltou a contar com seu principal piloto e, livre de problemas mecânicos e com os outros adversários, Patrese fez uma ótima corrida. Largou em 12º e chegou em quarto. Com este resultado, o piloto completou o Mundial de Pilotos em décimo-segundo, com onze pontos somados. E a Arrows fechou em décimo entre os construtores, com a mesma pontuação da Williams e, ironicamente, à frente da Shadow – além da Renault, Surtees e Ensign. Nada mau para um time que enfrentou de tudo em 1978.

No próximo post, veremos como seguiu a Arrows nos anos de 1979 e 1980.

Comentários

  • Parabéns, muito bem feita e detalhada esta 1a parte. Vale lembrar que ARROWS também era a abreviatura dos nomes de seus donos : A de Ambrosio, R de Rees, O de Oliver, W de Wass e S de Southgate. O escandalo do Banco Ambrosiano que envolveu Franco e a Loja Maçônica P2, também envolveu O Cardeal Marcinkus que na época era o Diretor Financeiro do…..Vaticano.

  • A Arrows surpeendeu, naquele ano, ainda mais porque apesar do FA1 ser uma replica do Shadow, seu desempenho foi sempre muito superior !
    Patrese pilotou muito bem naquele ano, mas, pra mim, ficaramarcado pra sempre pela sua responsabilidade na morte de Ronnie Peterson, um dos maiores talentos naturais que a F1 (e eu !) já viu guiando.

    Antonio

    • Antonio, o culpado do acidente com Peterson foi e sempre será James Hunt. A Arrows de Patrese, conforme várias fotos e filmagens inclusive usadas como evidências no processo criminal, fechou mas não tocou o McLaren de Hunt. O inglês aprontou o circo inquisitório contra Patrese, influenciando Fittipaldi, Andretti, Scheckter e Watson, pra salvar a própria pele. Nunca foi homem para admitir que se assustou com a fechada do italiano e guinou o carro contra o Lotus de Peterson. Hunt foi campeão com arrojo e não tinha papas na língua para defender o que acreditava e seus pares. Só que neste caso não só foi injusto mas também caluniador e covarde!

  • Sensacional! Eu curtia bastante as flechas e, por simples falta de tempo,não conseguia saber mais sobre a equipe. E o FA1 patrocinada pela “loura” com o capacete do Patrese é lindão!