De “troglodita” a “cerebral”: a trajetória de Jody Scheckter na F-1

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Beijinho pra galera: Jody saúda a plateia no dia em que estreou pela Wolf, vencendo o GP da Argentina em 1977

RIO DE JANEIRO – O leitor Erik Grosso, igualmente seguidor do twitter deste blogueiro, deu a deixa e a lembrança. Hoje é o dia do aniversário do sul-africano Jody Scheckter, que completa 63 anos de vida. E vale contar um pouco da trajetória dele no automobilismo, até porque ele é membro do seleto time de campeões mundiais da Fórmula 1.

O início da carreira de Scheckter foi lá mesmo na África do Sul, nas provas de Fórmula Ford, até a mudança para a Inglaterra, em meados de 1970. Ele continuou nas categorias de base e em muito pouco tempo já estava ao volante de carros muito potentes como os Fórmula 5000, além de aparecer em corridas de Fórmula 2. Seu desempenho chamou a atenção de Teddy Mayer, que lhe ofereceu um terceiro carro da McLaren para sua estreia na Fórmula 1.

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Nos tempos do ‘carinhoso’ apelido, Troglodita

Aos 22 anos, Jody estreou na última corrida do ano de 1972, o GP dos EUA em Watkins Glen. Largou em oitavo, chegou ao 3º posto rapidamente – mas rodou e terminou em nono, mostrando que podia ser um nome a ser observado para o futuro. A inexperiência do sul-africano, porém, marcaria seu início de carreira, o que poderia ter lhe custado maiores oportunidades.

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Acelerando – e barbarizando – para valer com a McLaren M23

Após largar na primeira fila do grid em sua segunda corrida, no GP da África do Sul, Scheckter impressionaria ainda mais em Paul Ricard, quando guiou pela primeira vez o McLaren M23 que já era guiado por Denny Hulme e Peter Revson. Liderou da primeira até a 42ª volta, quando Emerson Fittipaldi tentou ultrapassá-lo e os dois bateram. O acidente não deixou o piloto da Lotus nada contente.

“Ele é uma ameaça. Do jeito que guia, vai acabar machucando alguém seriamente”, advertiu o então campeão mundial.

Emerson parecia prever o futuro. No GP da Inglaterra, Scheckter largou em 6º e assim que a corrida começou, saiu da pista na veloz curva Woodcote, no circuito de Silverstone. A escapada do sul-africano provocou uma colisão monumental onde onze carros não voltaram para a segunda largada e o italiano Andrea De Adamich, com múltiplas fraturas, viu sua carreira se encerrar naquele acidente.

A porção “troglodita” de Scheckter despertou a ira da Grand Prix Drivers Association (GPDA), que recomendou a cassação da licença de Scheckter como piloto internacional. Enquanto ele ficava longe da Fórmula 1 por uns tempos, o jeito era competir na Can-Am com um Porsche da equipe Vasek Polak, terminando a série estadunidense em 6º lugar, com direito a três pódios.

No fim do ano de 1973, Scheckter voltou, despertando ira novamente. No Canadá, quando regressou – e a bordo de uma McLaren pintada com o número #0, que nunca tinha aparecido na categoria – envolveu-se numa colisão com François Cévert, que quis lhe dar uns bons pescoções nos boxes. Em Watkins Glen, foi a vez do velho Graham Hill quase ir às vias de fato com o novato, no que foi impedido pela turma do “deixa-disso”.

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Quase campeão: em 1974, fez uma grande temporada e chegou em 3º lugar

Apesar da péssima impressão que deixava nos seus adversários, Ken Tyrrell apostou nele quando subitamente se viu sem piloto para 1974, com a morte trágica de François Cévert e a aposentadoria de Jackie Stewart. E em seu primeiro ano completo, Scheckter começou a desfazer a má reputação que começava a angariar diante da mídia especializada. Foi 3º colocado no Mundial de Pilotos, vencendo duas vezes – na Suécia e na Inglaterra – e marcando pontos por oito corridas consecutivas, da Espanha à Alemanha. Nada mal.

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Ao volante do P34, venceu o GP da Suécia de 1976

Em 1975, um ano mediano, onde se salvou apenas a vitória em casa, no GP da África do Sul e um pódio em Zolder. Eram tempos onde a Tyrrell investia tudo no projeto do revolucionário modelo com seis rodas, que tinha estreia prevista para a temporada de 1976. O P34, projeto de Derek Gardner, não era dos mais fáceis de se conduzir e um piloto de estilo agressivo como Scheckter poderia ter problemas. Mas ele se saiu muito bem: não só fez uma pole e venceu o GP da Suécia, como foi 2º em Mônaco e em Watkins Glen. De novo, Jody foi 3º no Mundial de Pilotos, atrás de James Hunt e Niki Lauda. E para o ano seguinte, surpreendeu ao assinar com a novata equipe de Walter Wolf, rompendo um vínculo de três temporadas com a Tyrrell.

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Faturando o GP de Mônaco com o Wolf WR1

Logo na estreia do WR1 projetado por Harvey Postlethwaite, um feito histórico: Scheckter venceu e se tornou um dos poucos pilotos da Fórmula 1 a ganhar com um carro em sua primeira aparição. Ele ainda venceria de forma espetacular em Mônaco e na penúltima etapa no Canadá, quando o campeonato já estava decidido. Não fosse uma série de quatro insucessos e talvez o título de Niki Lauda não tivesse saído por antecipação. O piloto ficou com o vice-campeonato e a Wolf, com um espetacular 4º lugar no Mundial de Construtores de 1977.

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A bordo do Wolf WR5, ainda conseguiria mais alguns bons resultados

A equipe não acertou a mão com o carro-asa concebido para 1978 e o ano de Scheckter não foi dos melhores. A surpresa, no entanto, aconteceu fora das pistas. Ele se tornara um membro da GPDA e um dos mais ativos defensores do incremento da segurança passiva nos autódromos. No episódio do acidente fatal de Ronnie Peterson no GP da Itália, onde Riccardo Patrese foi apontado como o grande culpado, o sul-africano foi um dos primeiros a questionar a participação do piloto da Arrows na corrida seguinte em Watkins Glen, recomendando que não corresse naquela ocasião – o que efetivamente aconteceu.

Scheckter resolveu seguir outro caminho ao fim do seu contrato com a Wolf e aceitou uma proposta da Ferrari para entrar no time de pilotos da Casa de Maranello. Aos 29 anos, mostrou-se um piloto maduro e capaz de aguentar a pressão de guiar para os exigentes tifosi do mais tradicional construtor da Fórmula 1.

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Testando a Ferrari 312 T4 em Fiorano

O resultado foi que, mesmo sem um carro veloz e com deficiências tecnológicas em relação a Ligier, dominadora da primeira metade do ano e Williams, que mandou na segunda parte do campeonato, Scheckter mostrou constância, inteligência e regularidade. Como efeito, das 15 corridas do ano, marcou pontos em doze e seu pior resultado foi um 7º lugar na França. Quando não podia vencer, o que aconteceu na Bélgica, Mônaco e Itália, quando faturou o título antecipado, corria para chegar nos pontos. E por isso mereceu o título – certamente deixando surpresos todos os que acompanharam seu início de carreira na Fórmula 1.

Aliás, é bom lembrar que naqueles anos de Ferrari, Scheckter tinha como companheiro de equipe um piloto que emulava o seu próprio estilo dos anos 70, numa escala de destemor ainda maior: Gilles Villeneuve, por quem o sul-africano desenvolveria grande carinho e admiração. E em 1980, o campeão mundial teria mesmo que tirar o chapéu para o franzino canadense.

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A bordo da Ferrari 312 T5, no pior ano na Fórmula 1 ; desilusões, desclassificação e fim da carreira aos 29 anos

Foi uma temporada de provações para os dois pilotos. O modelo 312 T5 seguia a tendência do T4 campeão de 1979, mas a equipe não esperava que houvessem seguidos problemas de aderência com os pneus Michelin, que deixaram a Ferrari em situação vexatória em diversas corridas. Não raro, tanto Villeneuve quanto Jody ficavam do meio para o fim do grid, embolados com os carros de equipes menores e com muito menos dinheiro, como Arrows, Osella, Ensign, ATS e Fittipaldi.

Por duas vezes, Scheckter passou pela situação de largar na última fila do grid com o carro número #1. E no Canadá, em Montreal, sentiu o gosto amargo de uma desclassificação pela primeira vez em sua carreira – um dissabor pelo qual um outro companheiro de profissão naqueles tempos, o brasileiro Emerson Fittipaldi, tinha vivido nos tempos de Copersucar. Não se sabe o quanto este episódio foi decisivo, mas o sul-africano resolveu deixar a Fórmula 1 no fim do ano de 1980. Acabou terminando o campeonato com dois solitários pontinhos. Villeneuve fez seis, numa das piores temporadas da história da Ferrari.

Os números de Jody Scheckter podem não impressionar, mas foram bastante bons. Em 112 corridas disputadas, venceu dez vezes, conquistando três pole positions, cinco voltas mais rápidas e 33 pódios. Ele somou 255 pontos e liderou 675 voltas, num total de 2.855 km no comando.

Ao fim de sua carreira como piloto, Scheckter tornou-se empresário e fazendeiro. Abriu uma empresa que construía simuladores de armas de fogo, como treinamento para militares, policiais e firmas de segurança. Ao vender a FATS, Jody investiu na carreira dos seus filhos mais velhos, Toby e Tomas – este último, bastante conhecido por suas aparições na Fórmula Indy.

Vale lembrar que Jody teve um irmão que também correu na Fórmula 1, nos anos 70. Ian Scheckter foi companheiro de equipe do brasileiro Alex Dias Ribeiro em 1977 e teve um filho também piloto, Jaki Scheckter, que nunca mais foi visto nas pistas.

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Scheckter diversificou a área de atuação após a aposentadoria; foi comentarista, fazendeiro e empresário

Hoje, o campeão mundial de 1979 é dono de uma fazenda em Overton, Hampshire, a 64 km ao oeste de Londres. Planta alimentos orgânicos e vive feliz com a segunda esposa, Claire Scheckter e os quatro outros filhos que teve neste casamento.

Comentários

  • O Jody Scheckter foi o protagonista de uma das maiores pancas da história da f1
    Começou feito um louco,depois se estabilizou e foi um grande piloto….

  • O cara tem uma garagem dos sonhos em um galpão atrás da casa de sua fazenda, onde guarda vários dos carros em que correu: F-Ford Merlyn, Trojan F-5000, Porsche 917 Can-Am, McLaren M-21 de F-2, McLarens M-19 e M-23, Tyrrell 007, Wolf WR1, sua Ferrari campeã, etc… Ele ia comprando os carros aos poucos através de um amigo, para não saberem que era ele fazendo a coleção e aí subirem os preços. Prá quem pode…

  • Excelente a resenha sobre o Scheckter, Mauricio.

    Mas, só pra lembrar de como a historia é ingrata, vou recordar uns detalhes dessa primeira vitoria da Wolf, na Argentina: o Moco tinha ultrapassado o Watson nas primeiras voltas, e abriu uma confortável liderança, mantida quase até o final da prova, quando começou a andar lento. Isso permitiu ao Jody recuperar a distancia e ultrapassar o Moco a cerca de 3 voltas do fim. O Brabham BT45 do brasileiro continuou se arrastando pela pista e quase perdeu o segundo lugar para o Reutemann, em cima da linha de chegada. O Moco deixou de registrar nas estatisticas uma corrida já “ganha”, totalmente dominada por ele, por estar… DESIDRATADO ! O fortissimo calor reinante aquele dia em Buenos Aires, somado a preparação fisica do brasileiro, que não era tida como das melhores, fez com que ele não conseguisse mais andar rapido, entregando uma vitoria certa e permitindo a Wolf vencer a sua corrida de estreia !
    Como fã do Pace, até hoje não me conformo com essa perda, e tenho comigo que a vitoria dele nessa prova teria sido mais do que merecida. Lamentável, que a historia só registre o resultado e não a grande corrida (e o famoso azar…) do Moco.

    Antonio