Saudosas pequenas – Toleman, parte II

RIO DE JANEIRO – Após um primeiro ano bastante difícil e outro de afirmação, a Toleman encarou a temporada de 1983 para buscar resultados e pontuar na Fórmula 1. A mudança de regulamento, com o fim dos carros-asa, de certo modo ajudou o time britânico, pois Rory Byrne usou e abusou de criatividade para conceber o TG183B, o novo carro do time.

Primeiro, adotou um duplo aerofólio traseiro, o que nenhuma outra escuderia pensou para aquele campeonato. E reintroduziu um conceito anteriormente utilizado por Gordon Murray na Brabham, em 1978: os radiadores montados no aerofólio dianteiro do carro.

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Bruno Giacomelli trocou a Alfa Romeo pela Toleman

Como outra novidade, a Toleman trouxe da Alfa Romeo o italiano Bruno Giacomelli, que poderia contribuir com sua experiência ao lado de Derek Warwick para fazer evoluir o carro. No entanto, o piloto começou levando um pau homérico do novo companheiro de equipe em qualificações. Desde os testes, o TG183B mostrou que era um carro que poderia surpreender, tanto que Warwick foi o 5º no grid para o GP do Brasil, em Jacarepaguá. Na corrida, o ritmo não foi o mesmo e o britânico chegou em oitavo.

Nas primeiras corridas, houve falta de confiabilidade e alguns acidentes, como o de Warwick em Mônaco, quando o piloto tentou ganhar na marra a 3ª posição que era de Marc Surer e acabou batendo na traseira da Arrows do suíço, provocando o abandono dos dois. Na primeira metade da temporada, o melhor resultado foi um 7º lugar de Warwick na Bélgica. Giacomelli fez um oitavo nessa mesma corrida e foi só.

Até o GP da Áustria, a Toleman parecia fadada a mais um ano de fracassos. Começaram a acontecer quebras de turbo e de câmbio em profusão. Mas no GP da Holanda, finalmente a sorte sorriu para Ted Toleman e seus comandados: Derek Warwick conseguiu a 4ª colocação em Zandvoort, marcando os primeiros três pontos dele e da equipe na Fórmula 1.

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Derek Warwick foi o responsável direto pelos primeiros pontos do time na Fórmula 1

Nas últimas corridas, houve pelo menos um carro do time recebendo a quadriculada. Em Monza, Warwick foi sexto e em Brands Hatch, pela primeira vez na história, dois Toleman pontuaram, com o britânico em quinto e Giacomelli em sexto. Warwick voltou a terminar em 4º na corrida de encerramento em Kyalami, na África do Sul. Isto valeu ao piloto uma contratação pela equipe Renault para 1984.

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Ayrton Senna em sua estreia em Jacarepaguá, dia 25 de março de 1984; clique histórico do craque Miguel Costa Jr.

Ao contrário de Warwick, Giacomelli ficou sem ter onde guiar. O italiano foi preterido pelo venezuelano Johnny Cecotto, fera do motociclismo que estava nos monopostos e faria sua segunda temporada na categoria máxima. Para o lugar de Warwick, foi escolhido o jovem Ayrton Senna da Silva, 23 anos de idade, campeão inglês de F-Ford 1600, campeão inglês e europeu de F-Ford 2000 e campeão inglês de Fórmula 3.

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Com o TG183B na África do Sul

Com um currículo impressionante nas categorias de base, Senna travou o primeiro contato com o novo brinquedo antes do fim do ano de 83. Fez muitos treinos com o Toleman Hart antes de estrear no GP do Brasil de 1984, mas o carro o deixou na mão: o turbo quebrou na 9ª volta.

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Sem o bico, o brasileiro fez uma corrida heroica em Kyalami; o esforço lhe renderia o primeiro ponto no ano

O brasileiro não tardou a surpreender com um desempenho consistente no GP da África do Sul, em Kyalami. Largando em 13º na sua segunda corrida na F-1, Ayrton lutou contra um carro sem sustentação na dianteira, pois a carenagem do bico voou durante a disputa. E o TG183B não tinha direção hidráulica. Senna chegou em 6º e ao fim da corrida não conseguia sair do cockpit por seus próprios meios. Acabou carregado até o box da equipe, onde finalmente pôde celebrar a conquista do primeiro e suado pontinho.

Na Bélgica, chegou em 7º, mas com a posterior desclassificação de Martin Brundle, Senna acabou herdando este ponto mais tarde. O TG183B já dava mostras de fadiga e Rory Byrne tinha pronto um carro novo, saindo do forno. Só que em San Marino, pela primeira – e única – vez na vida, Ayrton ficou de fora de um Grande Prêmio.

Foi o seguinte: de uma hora para outra, Ted Toleman e Alex Hawkridge resolveram romper o vínculo que já vinha desde 1981 com a Pirelli, de olho no sucesso dos compostos da Michelin. Sem pneus de qualificação do fabricante italiano para poder treinar, Senna ficou de braços cruzados nos boxes na sexta. No sábado, choveu, ele andou e foi um dos mais rápidos. Mas não teve jeito: com o 28º e último tempo, Ayrton não correu.

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O TG184 com Johnny Cecotto

Em Dijon-Prenois, no GP da França, o TG184 finalmente estreou, já calçado de Michelin. Nem Senna, muito menos Cecotto, viram a quadriculada. Os dois abandonaram com os turbos quebrados.

E veio Mônaco…

Dia 3 de junho de 1984. Caía um toró nas ruas do Principado de Mônaco e mesmo assim a largada foi autorizada. Naquele domingo, a Fórmula 1 teve uma pequena amostra do que Ayrton Senna era capaz.

Com o carro #19 da modesta equipe britânica, ele brincou de andar no molhado. Ganhou posições para cima de Laffite, Winkelhock, Rosberg e Arnoux, sem contar a batida do desastrado Nigel Mansell, que liderava. E, suprema audácia, superou Niki Lauda na altura da 19ª volta e partiu ao encalço do líder Alain Prost.

http://youtu.be/A_UxLZVk8mA

Volta após volta, Senna engolia a diferença que o separava do francês, que indiretamente começaria a fazer parte de sua vida na Fórmula 1. Na volta 31, a vantagem do líder sobre Ayrton era inferior a 8 segundos e a direção de prova, sob responsabilidade de Jacky Ickx, piloto da Porsche no Mundial de Carros Esporte, deu bandeira vermelha e quadriculada ao mesmo tempo.

Ninguém entendeu e Senna comemorou, achando que tinha vencido. Ao chegar no pódio, frustração: valeu o resultado da volta anterior, os pontos foram computados pela metade e Prost ganhou, com o brasileiro em 2º. “Rapinagem em alto estilo” – este foi o título da matéria da revista Auto Esporte alusiva àquela corrida.

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Senna fez misérias com o TG184, considerado um dos melhores chassis da Fórmula 1 na época

Aquele desempenho não só mostrou que Senna teria muito futuro na Fórmula 1 como instigou a Toleman a explorar seus limites ao máximo. De fato, Ayrton cobrava muito da equipe. Um comportamento um pouco petulante para um jovem de apenas 24 anos, é verdade. Mas uma amostra do que ele queria fazer no automobilismo.

Apesar de dizerem que o chassi do TG184 era “uma porcaria” (palavras da irmã do piloto, Viviane Senna), o carro começou a ter desempenhos muito bons em qualificação após Mônaco. Ayrton foi nono no grid em Montreal, sétimo em Detroit, sexto em Dallas e sétimo em Brands Hatch. Nessa corrida, provou que o pódio em Mônaco não fora obra do acaso: o brasileiro chegou em 3º, numa grande atuação, com direito a uma manobra épica de ultrapassagem sobre Elio de Angelis na Paddock Bend.

Há quem diga, inclusive, que esta ultrapassagem selou o destino de Senna para 1985. Talvez, posto que, no meio do campeonato, o piloto – que assinara por três anos com a Toleman – fez um contrato de gaveta com a Lotus, cuja assinatura só foi registrada por um único jornalista brasileiro: Reginaldo Leme.

O GP da Inglaterra não foi só flores e champagne para Ayrton Senna. Marcou também a vida e a carreira de Johnny Cecotto, que sofreu um grave acidente durante os treinos e nunca mais pôde competir na Fórmula 1. Tempos depois, Cecotto revelaria uma grande mágoa do brasileiro, que nunca lhe telefonou para saber do seu estado de saúde e tampouco o visitou no hospital.

A Toleman resolveu seguir adiante com um carro apenas por três corridas e em Hockenheim, quando vinha em quinto na altura da 5ª volta, o aerofólio do carro se soltou. Senna virou passageiro do TG184 e bateu muito forte de traseira no guard-rail. Foi o primeiro grande susto que ele viveria na Fórmula 1.

As coisas foram correndo bem até o GP da Holanda. Nisso, a Lotus anunciou oficialmente a contratação de Senna para o campeonato de 1985 e a equipe sentiu como se tivesse levado uma facada nas costas. A Toleman, com Alex Hawkridge à frente da história, resolveu as coisas pela via que achou que estava ao seu alcance: impediu o piloto de disputar o GP da Itália, em Monza. Até a credencial de box de Ayrton foi tomada de suas mãos. Hawkridge pôs Stefan Johansson em seu lugar e o sueco até que foi bem: chegou em 4º.

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Rumo ao pódio: Ayrton despediu-se da equipe com um 3º lugar no GP de Portugal

Porém, como não havia mal que durasse para sempre, a equipe perdoou Senna e o piloto pôde voltar – agora com Johansson como companheiro de equipe – para o fim do campeonato. Em Nürburgring, na mesma pista onde já impressionara ao vencer uma corrida com modelos Mercedes 190E, o brasileiro provocou uma carambola logo após a largada. E em Portugal, com uma classificação magistral – 3º no grid – Senna foi de novo ao pódio, ladeando o tricampeão Niki Lauda e Alain Prost, que venceu a corrida, mas foi derrotado por meio ponto pelo austríaco.

Ah, os seis pontos de Mônaco… se Prost não tivesse deixado o orgulho besta de lado e a presunção por não querer ser derrotado por um novato…

A despedida de Ayrton da Toleman foi repleta de emoção. Não só Rory Byrne foi às lágrimas como também, atendendo a um último pedido do time, Senna quebrou, no dia seguinte ao GP de Portugal, o tempo de 1’21″703 estabelecido por Nelson Piquet para a pole position.

A Toleman seguiria seu caminho sem Senna. Entretanto, em mais um campeonato atribulado. Amanhã, o último capítulo da trajetória da equipe na Fórmula 1.

Comentários

  • Conforme bem lembrado pelo Rodrigo, a tal da porcaria que a Viviane Senna supostamente se referia, só veio dar as caras 26 anos depois. . .para bom entendedor, meia palavra basta. . .

  • Olá Rodrigo

    Com relação a sua frase: “Ah, os seis pontos de Mônaco… se Prost não tivesse deixado o orgulho besta de lado e a presunção por não querer ser derrotado por um novato.”, vi em vários lugares que a pontuação do Gp de Monaco foi feita pela metade devido a corrida ser interrompida… e ao mesmo tempo vi esse fato com relação a pontuação do Prost, se o mesmo chegasse em 2°. Se o Prost terminasse em segundo, ele iria receber 3 pontos, e não 6 como seria normalmente…e por consequência a diferença de pontos no fim do campeonato com relação ao Niki Lauda, seria um pouco maior. Parabéns pela série não só da Toleman, como as anteriores [Arrows e Osella]

    Abraço.

  • Curiosidade da foto imediatamente após o vídeo de Mõnaco é o spoiler DE que cedeu por algum motivo, zebrando o ângulo de incidência e por consequência desbastando a deriva vertical até o osso. . .

  • Logo quando vi esses posts sobre as equipes pequenas, a que mais aguardei era a Toleman por causa do Ayrton.. Lembro do meu pai, comentando do xilique do Senna por causa do acidente, e hoje, quando vi com ele, parecia que era eu que estava em 1984, não ele em 2013.. Viva a Fórmula 1! E viva Senna!