Saudosas pequenas – Onyx

RIO DE JANEIRO –  A série das Saudosas Pequenas, que deu uma pausa forçada em razão do carnaval que o blogueiro foi curtir, está de volta. E, como o prometido, o regresso é com a Onyx Grand Prix.

Fundada por Mike Earle e Greg Field no fim dos anos 70, a escuderia começou na Fórmula 2 no ano de 1981 como time semi-oficial da March, alinhando carros para o venezuelano Johnny Cecotto e o italiano Riccardo Paletti, que levou todos os seus patrocínios para a F-1, quando entrou na Osella e teve sua meteórica carreira interrompida por um acidente fatal em Montreal, no Canadá.

Field saiu da equipe e Earle continuou tocando a Onyx sozinho. A escuderia seguiu firme na F-2 como time semi-oficial, tanto da March como da BMW. Beppe Gabbiani, o principal piloto, conquistou quatro vitórias nas primeiras cinco corridas da temporada de 1983, mas o fôlego acabou e ele terminou em 3º, atrás de Jonathan Palmer e Mike Thackwell.

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O italiano Emanuele Pirro foi um dos pilotos da Onyx na última temporada da Fórmula 2 europeia, em 1984

No último ano da história da categoria, o time teve três carros – um deles, o da foto acima, com o patrocínio da Marlboro, foi guiado por Emanuele Pirro. O italiano e Thierry Tassin acabaram em 6º no campeonato com 18 pontos e Pierre Petit foi o nono.

A Fórmula 2 foi extinta, mas a Onyx Grand Prix seguiu na Fórmula 3000, categoria criada para preencher a lacuna deixada pelo desaparecimento da antecessora. Os pilotos eram Emanuele Pirro, Johnny Dumfries (nas quatro primeiras corridas) e Mario Hytten, que ficou até o fim do ano. Pirro venceu duas etapas, conquistou uma pole position e foi o 3º no campeonato, atrás de Christian Danner, o campeão, e de Mike Thackwell.

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Na Fórmula 3000, Pirro foi vice-campeão da temporada 1986, defendendo a Onyx

Em 1986, Pirro permaneceu fiel a Mike Earle e o segundo carro foi revezado por vários pilotos: Russel Spence, John Jones e Wayne Taylor. Nenhum destes três foi competitivo. Pirro sim: foi vice-campeão, vencendo as duas corridas finais da temporada e terminando a sete pontos de Ivan Capelli.

No terceiro ano da F-3000, a equipe teve dois pilotos novos, ambos egressos da Fórmula 3 de seus países: o italiano Stefano Modena e o francês Pierre-Henri Raphanel. Modena, que era considerado uma grande revelação em seu país, não decepcionou: superou os experientes Maurício Gugelmin e Roberto Pupo Moreno, além do espanhol Luis Perez-Sala. Venceu três corridas e levou o caneco, carimbando sua passagem para a Fórmula 1, pela Eurobrun.

Em 1988, a Onyx foi atingida pela falta de competitividade do chassi March 88B, que era muito fraco se comparado aos monopostos produzidos por Reynard, que estreava na Fórmula 3000 e Lola. Como efeito, o alemão Volker Weidler, que sucedeu o campeão Stefano Modena, chegou num modestíssimo 15º lugar no campeonato com apenas cinco pontos. Naquele mesmo ano, a equipe já olhava para o horizonte com um outro objetivo, bem mais ambicioso: a Fórmula 1.

Naquela época, Mike Earle tinha outro sócio, Jo Chamberlain, que procurou Paul Shakespeare, que foi à luta para a captação de patrocínio para viabilizar o projeto Onyx de F-1 e fazer a escuderia estrear na temporada de 1989. Martin Dickson foi nomeado o Team Manager e foi aí que surgiu a controvertida figura de Jean-Pierre Van Rossem.

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Jean-Pierre Van Rossem: o homem do Moneytron, que ninguém do automobilismo conhecia e que, num piscar de olhos, passou de mecenas a proprietário da Onyx Grand Prix

Belga nascido em 1945, Van Rossem, formado em economia e que se autodefinia um “anarquista”, cultivava um visual insólito e pode ser comparado sem nenhum problema a Lord Alexander Hesketh, pelo menos na fanfarronice. Com um sistema chamado Moneytron, um programa de computador que calculava prognósticos de ganhos na bolsa de valores, ele ficou milionário de uma hora para outra. Consta que sua fortuna alcançou a casa de US$ 800 milhões.

E quem conhecia Van Rossem era Bertrand Gachot, piloto que disputara a Fórmula 3000 e fora contratado pela Onyx para ser um dos titulares do time na Fórmula 1 em 1989. O franco-luxemburguês tinha US$ 2 milhões e seu dinheiro foi multiplicado de forma que, em forma de “agradecimento”, Van Rossem acabou como sócio da equipe. Majoritário, é bom lembrar.

O outro piloto do time era o sueco Stefan Johansson, que após um ano terrível na Ligier, buscava sua reabilitação no automobilismo. O carro, projetado por Alan Jenkins, demorou a ficar pronto porque a equipe ainda não tinha o patrocínio e a definição sobre a Moneytron demorou a ponto da pré-temporada inexistir. Resultado: o modelo ORE1, com motor Ford Cosworth V-8, foi apresentado na véspera do embarque para o GP do Brasil e transportado às pressas para o Rio de Janeiro.

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O Onyx ORE1 tinha motor Ford Cosworth e foi projeto do engenheiro Alan Jenkins

Sem nenhum teste prévio, a Onyx foi obrigada a fazer o shakedown do carro no kartódromo Maqui-Mundi, que ainda existia, na Barra da Tijuca, perto do circuito. Foram 31 km de treino e olhe lá. Apesar das dificuldades e da falta de treino, o ORE1 tinha pinta de carro promissor, com uma suspensão diferenciada e uma caixa de câmbio de dimensões minúsculas.

Previsivelmente, a falta de quilometragem deixou Gachot e Johansson nas duas últimas posições da primeira pré-qualificação do ano. O sueco virou o tempo de 1’35″232 e Gachot andou em 1’37″932. Só para se ter uma ideia, o tempo de Alex Caffi, o primeiro dos não-pré-qualificados, foi 1’30″747.

Em San Marino, progressos. Mas a equipe novamente ficou de fora: Gachot foi o quinto colocado na pré e Johansson, o oitavo. Também em Mônaco os dois falharam a classificação entre os 30 que lutavam pelas 26 vagas do grid naquele ano de 1989.

No México, enfim, um dos ORE1 passou a pré-qualificação. Foi o #36 de Stefan Johansson, que se qualificou em 21º enquanto Gachot ficava de fora na pré-qualificação por um triz. A corrida de Johansson acabou na 17ª volta, com a embreagem quebrada.

Em contraste absoluto com as ambições modestas de Mike Earle, Jean-Pierre Van Rossem não tinha limites: ele gastou US$ 20 milhões comprando um jato Gulfstream para acompanhar a corrida estadunidense que seria realizada em Phoenix, no deserto do Arizona. Como boa novidade, Greg Field regressava à Onyx como Team Manager no lugar de Martin Dickson naquela ocasião.

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No início do campeonato os resultados inexistiam, mas a equipe cresceu em competitividade e as performances melhoraram

No GP dos EUA, o sueco conseguiu de novo uma vaga no grid e Gachot, com o último tempo na pré, assistiu a boa corrida de Johansson, que chegou a ser sétimo colocado nas voltas 34 e 50, acabar por problemas mecânicos. No GP do Canadá, a mesma rotina: o #36 dentro e o #37 fora. A equipe cometeu um erro primário numa troca de pneus: uma das pistolas de ar comprimido enroscou no carro. Bandeira preta e desclassificação para Johansson.

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Bertrand Gachot conseguiu um ótimo 11º lugar no grid do GP da França

No GP da França em Paul Ricard, milagre: os dois Onyx não só se pré-qualificaram, como Gachot conseguiu um grid melhor que o de Stefan Johansson. O franco-luxemburguês pegou um belíssimo 11º posto e o sueco foi o décimo-terceiro. Na corrida, outro milagre: os dois pilotos andaram na zona de pontuação e Johansson conseguiu um brilhante quinto lugar, somando os dois primeiros pontos do time na Fórmula 1.

Apesar do resultado sensacional na corrida anterior, o sueco falhou a qualificação em Silverstone e Gachot foi o único que andou no GP da Inglaterra, conquistando o 21º posto do grid para chegar em décimo-segundo. Johansson voltou a correr em Hockenheim, abandonando após a nona volta com problemas de transmissão, que afligiram os dois pilotos na Hungria.

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Stefan Johansson (aqui em Hockenheim) foi o homem que levou o Onyx ORE1 a um inesperado e espetacular pódio no GP de Portugal, no Estoril

Em Spa, na chuva belga, Johansson conquistou um bom 8º posto após largar em décimo-quinto, enquanto Gachot bateu. Na Itália, só o piloto do carro #37 largou, abandonando por superaquecimento. E após o revés de Monza, Stefan Johansson conseguiu um incrível 3º lugar no GP de Portugal – sem precisar trocar pneus após o entrevero entre Nigel Mansell e Ayrton Senna –  um pódio para a pequena equipe de Earle e Van Rossem, resultado inesperado para um carro que tinha desempenhos muito irregulares ao longo do ano.

No intervalo entre a corrida de Portugal e da Espanha, que seria realizada em Jerez de la Frontera, as extravagâncias de Van Rossem pareciam não ter limites. Corriam boatos de que ele já negociava com pilotos “de ponta” para o campeonato de 1990 e ele tinha em mente dispender US$ 40 milhões para patrocinar a construção de um motor Porsche para correr na categoria máxima.

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Mudança: antes do fim do ano, Bertrand Gachot perdeu seu assento e foi trocado por J. J. Lehto

Bertrand Gachot, que levara Van Rossem para ser o mecenas da Onyx, já tinha ‘dançado’ no time ao se queixar da falta de testes e de que a equipe aparentemente não tinha fé em seu potencial. Quem chegou para o seu lugar foi um jovem finlandês de 23 anos, chamado Jyrki Jarvilehto (JJ Lehto). Ele não se classificou em Portugal, mas conseguiu um bom 17º posto no grid na Espanha, onde abandonou.

Como Van Rossem fechou a torneira e os testes acabaram, foi difícil para a Onyx continuar mostrando um desempenho decente nas corridas finais. No Japão, seus dois pilotos não se qualificaram e na Austrália, no toró de Adelaide, Lehto ainda largou em 17º até rodar na vigésima-oitava volta e abandonar a disputa.

Apesar das irregularidades em sua performance, a Onyx conseguiu um aceitável 10º lugar no Mundial de Construtores – excelente para quem era estreante na Fórmula 1 – empatada com a Minardi, com 6 pontos e à frente, por exemplo, de March, Rial, Ligier, AGS e Lola-Larrousse. Foi uma boa recompensa para o time, que não precisaria mais passar pela pré-qualificação em 1990.

Mas as coisas começaram a desmoronar por completo antes do início da segunda temporada do time na categoria. Van Rossem já não tinha mais o mesmo interesse do ano anterior e sua personalidade e gênio extravagantes se chocaram com Mike Earle e Jo Chamberlain e estes dois caíram fora da equipe que um tinha ajudado a fundar e o outro a manter nos tempos de F-2 e F-3000.

Alan Jenkins, projetista do ORE1, assumiu o comando geral do time, com Peter Reinhardt para auxiliá-lo nas tarefas extrapista e Van Rossem, que já dera mostras de que não continuaria na Fórmula 1, ficou insatisfeito por não conseguir motores Honda e Porsche e retirou-se da Onyx, levando consigo o patrocínio da Moneytron. No fundo, o belga tinha outros objetivos bem menos nobres, como por exemplo a política. Todavia, antes de se eleger deputado, acabou condenado a cinco anos de prisão por sonegação de impostos. Nada muito diferente de qualquer outro que se envolve com o poder, não é mesmo?

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Perdendo o brilho: sem Van Rossem, a Onyx virou Onyx-Monteverdi. Os carros também ficaram para trás no desenvolvimento e performance

Com a Onyx em situação precária e sem contrato de fornecimento de pneus até que a pendência com a Goodyear se resolvesse (a equipe tinha apenas pneus de 1989), quem veio em socorro foi Peter Monteverdi, um suíço dono de uma marca de carros de luxo fora-de-série, que comprou 50% das ações do time. O pai do piloto Gregor Foitek, Karl, ficou com 25% do time e o percentual restante foi coberto por Brune Frei.

Nas duas primeiras corridas, enquanto Foitek ainda estava na Brabham, os mesmos pilotos que terminaram o campeonato de 1989 – JJ Lehto e Stefan Johansson – foram mantidos, contudo sem obterem qualificação para os GPs dos EUA e Brasil. Johansson foi embora após a corrida de Interlagos e Foitek entrou em seu lugar, para dividir o time com Lehto.

Sem perspectivas de construção de um novo carro, a Onyx seguiu com o ORE1 e foi com ele que Foitek largou em 23º e Lehto em 25º em Imola, no GP de San Marino. O finlandês chegou em 12º lugar.

Formula One World Championship
Gregor Foitek quase salvou o ano da equipe, mas bateu numa disputa pelo 6º lugar no GP de Mônaco com Eric Bernard, da Lola-Larrousse

Em Mônaco, novamente os dois pilotos conseguiram largar e Foitek esteve muito perto, mas muito perto mesmo, de um resultado que poderia salvar a equipe da iminente bancarrota. Até a 73ª volta, Foitek vinha em sexto lugar, mas acabou tocado pelo francês Eric Bernard, perdeu o controle do carro e bateu. O piloto da Lola-Larrousse fez o seu primeiro ponto do ano e Foitek, que era tido e havido como o barbeiro da Fórmula 3000, não continha as lágrimas de revolta nos boxes. Um dia é da caça, o outro…

No Canadá e no México, apesar dos problemas financeiros, a Onyx-Monteverdi continuava alinhando os dois pilotos com constância, ainda que nas últimas posições do grid. Nestas duas corridas, o melhor resultado foi um modesto 15º posto de Foitek no circuito Hermanos Rodriguez. Em Paul Ricard, uma pista veloz, a falta de velocidade dos ORE1 foi evidenciada e nenhum dos dois pilotos se qualificou para a corrida, assim como em Silverstone.

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A equipe era uma pálida sombra do que tinha mostrado na segunda metade do campeonato de 1989 e nada foi capaz de mudar o panorama terrível da Onyx-Monteverdi no ano de 1990

Na época do GP da Alemanha, em Hockenheim, o suíço Peter conseguiu trocar o nome da equipe para Monteverdi. Lehto e Foitek se qualificaram na última fila em Hockenheim e o finlandês chegou em 12º, sem obter classificação por não conseguir cumprir 90% da distância do vencedor Ayrton Senna.

A situação da equipe era alarmante: não havia dinheiro para a reposição de peças e a suspensão dos ORE1 era soldada ao chassi ao invés de ser totalmente substituída em caso de desgaste ou quebra. JJ Lehto reclamava com razão do mau tratamento e o finlandês teve uma mostra real do quanto as coisas andavam mal quando sentiu um problema de dirigibilidade no carro e o cardã de seu monoposto estava (ora vejam!) montado de forma errada!

Não obstante, Karl Foitek resolveu retirar-se da sociedade, tendo em vista o perigo que representava um carro que andava com a suspensão soldada, pondo em risco a vida do próprio filho e piloto, Gregor Foitek. Aí ficou insustentável: as finanças do time ruíram de vez e após mais uma desclassificação coletiva no GP da Hungria, o que restou da Onyx, ou melhor, a Monteverdi, saiu de cena na Fórmula 1.

O time fundado por Mike Earle nunca mais disputaria corrida alguma em qualquer outra categoria. Sua trajetória foi encerrada após 16 GPs disputados e um total de seis pontos somados. Earle, contudo, continua envolvido com o automobilismo: formou no fim dos anos 90 a Arena Motorsport International. Como já dito noutros parágrafos, o polêmico e excêntrico Jean-Pierre Van Rossem envolveu-se com a política e seu partido inclusive conquistou três cadeiras no parlamento belga nos anos noventa. Peter Monteverdi morreu em 1998.

Comentários

  • Acho que a grande colaboração da Onix pra F1 foi o projetista Alan Jenkins, ele que veio da Penske e Mclaren, trabalhou no mal afamado PC16 da Penske depois de ser aprendiz de John Barnard nos projetos MP4.Jenkins foi um tipo Gustav Brunner na F1, sempre fez bons e belos carros , médios na verdade, e ambos tiveram vida longa na F1.

    Esses primeiros anos da volta do motor aspirado foi um festival de equipes novatas, umas fantasticas ,como foi a jordan e outras folcloricas ,como foi o caso da Life…hehe

  • Olá Rodrigo,
    Obrigado por este post sobre a Onyx Racing que, das pequenas da F1, sempre foi a minha preferida seja tanto pela beleza do carro, como pelas cores. Além disso, era um time muito simpático com ótimos pilotos e alguns bons resultados. É uma pena que não tenha avançado mais mas, aquela era uma época de aventureiros na F1, Van Rossem não foi o único.
    Abraço!
    Guilherme Bezerra

  • Era garoto nessa época, e me lembro de ter simpatizado com essa equipe de cara, principalmente por ter um dos meus pilotos favoritos na juventude, o Johansson.

    Esse post me trouxe boas lembranças!