Estamos a léguas de distância

Os pequenos fãs do automobilismo interagem com o piloto Scott Tucker. Lá, respeito ao público é obrigação dos organizadores
Os pequenos fãs do automobilismo interagem com o piloto Scott Tucker. Lá, respeito ao público é obrigação dos organizadores

Colaboração de Cleber Bernuci

SEBRING, FLÓRIDA – Tive a oportunidade de viajar pela primeira vez aos Estados Unidos, e com uma missão que todo apaixonado por automobilismo adoraria ter: acompanhar as 12 Horas de Sebring. E o que eu vi aqui me deixou estonteado, embasbacado, impressionado. Os três termos que mais me vinham à cabeça eram organização, entretenimento e respeito. Algo muito diferente do que vemos não só no automobilismo brasileiro, mas em eventos esportivos em geral, do futebol ao tênis.

(E já vou abrindo um parêntese: este texto não é para esculachar a CBA, nem a Stock Car, nem a GT3, nem o Campeonato Brasileiro, nem o torneio de bocha da Mooca. É para mostrar que isso é uma via de duas mãos, e que não é tão incrivelmente difícil de se fazer.)

A primeira coisa que me impressionou é o respeito que a organização tem para com o público. Nos quatro dias em que estive no autódromo, eu nunca vi um segurança sendo mal educado com alguém, e nem ninguém sendo mal educado com o segurança, tentando dar “carteirada”, dizendo que é amigo de não sei quem. Isso é parte da via de duas mãos a que me refiro no Brasil: sempre tem aquela banda podre do público que só vai para reclamar e tentar tirar vantagem de qualquer coisa (uma credencial, entrar em um lugar não permitido), na melhor definição da Lei de Gérson.

A estrutura do autódromo é diferente da que vemos no Brasil e na Europa: há duas vias no pit lane, uma para o trânsito dos carros de competição e outra para os equipamentos. As equipes montam suas tendas e estruturas ali. Mais para o fundo do autódromo ficam as garagens e HCs das equipes. No meio disso tudo tem estacionamento, museu, lojas e praça de alimentação. Pilotos, mecânicos e chefes de equipe circulam pelos mesmos lugares em que o público está. E não há nenhum tipo de frenesi para tirar foto com um piloto. É tudo tratado com muita naturalidade e respeito.

Este espaço foi o que mais me impressionou: tem barraca de cerveja, de hambúrguer, de café, de sorvete, de doce, de loteria (!)… Banheiros sempre impecavelmente limpos e abastecidos, e lojas de tudo que é tipo. É onde o amante do automobilismo pira: miniaturas de todas as categorias e todas as épocas, camisetas, réplicas, botons, pins, quadros, livros (muitos, muitos livros), revistas antigas, pinturas, gravuras, carros antigos expostos, horário para autógrafos (em filas organizadas; americano não tem essa ânsia que o brasileiro tem de tirar foto com o ídolo; um autógrafo basta)… Até a escola de pilotagem da Barber, que tem uma sede em Sebring, oferecia desconto de 30% para quem se inscrevesse em um curso de pilotagem durante o fim de semana – de US$ 4 mil para US$ 3,2 mil, uma bela barganha.

Havia gente de tudo que é tipo: os beberrões vestidos de monge, de vacas (beberrões, não arruaceiros), casais novos, casais de idosos, avôs com netos, famílias inteiras, bebês, crianças de colo… Todos convivendo na maior harmonia. A visão aérea do complexo era um mar de trailers, e muita gente que mora no norte do país, ainda muito frio nesta época, faz isso: pega o trailer, bota a família dentro e desce para o sul curtir um sol e umas horas de corrida de carro.

Encontrei um casal de brasileiros e eles fizeram uma analogia que a princípio parece absurda, mas que é a que melhor descreve o que passamos. A mulher disse que “parece a Festa do Peão de Barretos”. O que tem a ver corrida de carros com montaria em touros? Se não tiver Red Bull no meio, nada. Mas é isso mesmo: um complexo pronto para receber centenas de milhares de pessoas e com ALTERNATIVAS para os diversos gostos. Não é apenas cobrar ingresso (caro) e deixar o cara jogado às moscas numa arquibancada suja, muitas vezes tomando sol e chuva. É por isso que o público das categorias nacionais é nulo (não dá pra contabilizar o pessoal da área VIP, por favor).

Emerson Fittipaldi fez um belo esforço ano passado nas 6 Horas de São Paulo. Não havia um patrocinador principal para a corrida, mesmo assim a organização trabalhou para oferecer um mínimo de entretenimento para o público durante as seis horas de corrida: montou uma roda gigante, colocou uma pequena praça de alimentação, montou um museu com carros históricos – inclusive o Penske com o qual venceu as 500 Milhas de Indianápolis. Ainda assim, era pouco para uma família passar seis horas ali dentro. Era um passeio que terminaria em meia hora. Entendo que foi a primeira edição da corrida, que o orçamento não era o ideal, etc..

É um modelo que todas as categorias e modalidades deveriam adotar: entreter o público, e não apenas “oferecer entretenimento”. Por “oferecer entretenimento” muita gente tem a errada ideia de que é jogar um bando de endinheirados (ou nem tanto) em um camarote VIP com bebidas e canapés grátis sem gastar nada.

Entreter é o termo correto. É ter lojas de artigos para os aficionados, ter espaços dedicados a mulheres, espaços dedicados a crianças, oferecendo alternativas para todas as idades e todos os gostos. É praticar preços justos (pagar R$ 10 em um cachorro-quente na lanchonete de Interlagos não é roubo, é estupro), é mirar o público sem apelação (aqui são raras as modeletes vestidas com macacão de couro divulgando uma marca, e quando aparecem não há nenhum frisson de marmanjo querendo tirar foto pegando na cintura da pobre modelo), é cuidar da limpeza. Aqui no paddock de Sebring há um latão de lixo a cada cinco metros. E a cada três horas um caminhão passava recolhendo tudo. Não se via uma lata de cerveja jogada no chão.

Há muito a que ser feito em eventos esportivos no Brasil. Estamos a léguas de distância do que se pratica aqui. E ainda dizem que em Le Mans a coisa é melhor ainda.

Comentários

  • Os campeonatos de pebolim que eu organizava na Escola Técnica Treinasse, aqui em Santos, entre 2001 e 2002, dariam um banho de organização na CBF, na CBA e na CBB, por exemplo!

    Depois dizem que a culpa é do público que não tem paciência. Mas você disse tudo: uma faca de ingresso para sentar no cimento (ou na tábua), com direito a um ou dois hot-dogs, um refrigerante ou cerveja (porque o preço é de lascar) e ver meia duzia de carro correndo sem emoção.

    Não tem mesmo como dar certo!

    Abraço!!

  • Rodrigo, quando você termina o texto com “Há muito a que ser feito em eventos esportivos no Brasil.”, deveria colocar “Há muito a que ser feito no Brasil.”. Em minhas primeiras viagens ao exterior Italia e EUA (2X), pude sentir a real noção da palavra civilidade.

  • Quando estive na Itália, fui a Monza acompanhar provas de F3 e GT e meu sentimento foi exatamente esse do seu texto ( que análise perfeita !!! )
    PS: Valeu pela menção que você fez da minha querida Moóca,quando vier a São Paulo vou te levar na Javari assistir o Juventus jogar, te garanto muita diversão a baixo custo kkkkk!!!!!!

    Forte Abraço !!!!!!!

  • O nome disso é EDUCAÇÃO e CIVILIDADE. Algo muito escasso no Brasil em todos os níveis sociais.
    Muito bom o texto Rodrigo, Parabéns!

  • Esqueceram de dizer que os pilotos daquí se acham “DEUSES”, veja quando a TV vai entrevistar algum piloto da stock mer…. aquí, ele continua andando como se o reporter tivesse obrigação de ficar correndo atrás dele.

    La quando os pilotos vão ser entrevistados, a primeira coisa que fazem é arrumar o macacão para que seus patrocinadores sejam bem vistos na TV.

    Mas fazer o que ????? A educação não é igual para todos.

      • Hehehe.
        Tempos atrás ouvi um comentario, que era para reparar quando a Globulo entrevistava algum jogador de futebol, na mesa de entrevista. Eles faziam um mega zoom que só aparecia da testa ao queixo do cara, e nenhum centimetro quadrado do painel dos patrocinadores. E isso é verdade.

  • Parabéns Rodrigo. Acompanho seu blog faz tempo, gosto da forma como escreve seus textos, da forma natural como se expressa. Acredito sim que um dia chegaremos lá, mas primeiro temos que começar como você mesmo falou com o preço do cachorro quente, depois com as empresas brasileiras, diga-se de passagem que não são poucas, a acreditarem no esporte como uma excelente via de marketing para seu público alvo, e em seguida, ir a escola, e aprender a ter educação para poder compartilhar o mesmo espaço com outras pessoas.
    Abraço.

  • Ótimo texto! Verdade seja dita: os EUA sabem organizar eventos de forma a que o público se divirta, mas aqui ainda estamos longe (muito, muito, muito longe) de chegar perto disso.

    • Para quem acompanha NBA NHL, é sabido de que o Jogo é um detalhe no complexo que é o ginásio. Vc vai la para faser um monte de coisas (comer, comprar, divertir-se) e se sobrar tempo, ver o jogo. Muitooo bom.

  • É assim que eu espero. Movimentos, protestos e manifestos pelo respeito ao público presente nos autódromos e aos telespectadores.

    E você falou dos eventos esportivos. Bem. O meu discurso é aquele do “chover no molhado” e mais ou menos o que as pessoas pregam em redes sociais e blogs por aí fora, contudo, não fazendo sua parte.
    Se o descaso (com as exceções que todos sabem), a falta de educação e espírito esportivo convive com o nosso automobilismo, o que me dá medo é que a Copa do Bundo e os Jogos da Olim_piada estão aí. Tapar o sol com a peneira do tamanho deste país não vai ser uma tarefa muito fácil. Além de outros fatores como o déficit socio-educacional e a falta de ações das políticas públicas (ações, políticas públicas existem até demais), tento calcular qual é o déficit da mídia alienista brasileira e as consequências desta aos cidadãos.

    P.S

    Irei passar algum tempo sem NET, portanto já calculo o meu déficit pessoal com o blog e os leitores rs. Vou tentar ler aos fins de semana ou feriados. Abr

  • bacana o seu testemunho estava lendo e penso como seria maravilhoso se fizéssemos uma coisa desse tipo aqui no Brasil, um dia talvez, esse ano vou em Interlagos assistir a WEC, fiquei sabendo q mudou pro domingo !!