Saudosas pequenas – Spirit, parte I

RIO DE JANEIRO – A série Saudosas Pequenas inicia sua contagem regressiva. Faltam poucas escuderias – menos de 10 – para serem retratadas no blog. A bola da vez é uma antiga equipe de Fórmula 2 que, graças a uma montadora, chegou à Fórmula 1 e depois teve que se virar sozinha. Refiro-me à Spirit Racing.

Fundada por John Wickham e Gordon Coppuck em fins de 1981, a Spirit entrou direto na Fórmula 2 europeia, para disputar o certame continental em 1982. Seus dois carros eram muito bem preparados: tinham motor Honda RAV6 2 litros e pneus Bridgestone. Os pilotos eram o belga Thierry Boutsen e o sueco Stefan Johansson.

cc5846d1550b774854db90b20b2b9f76
A Spirit tinha bons carros e motores Honda na F-2 Europeia: um de seus pilotos era o sueco Stefan Johansson

Johansson foi o piloto mais rápido da temporada: conquistou cinco pole positions. Mas seus resultados não traduziam tamanha velocidade. Tanto que só foi ao pódio uma única vez naquele ano e somou apenas onze pontos, terminando a temporada em oitavo lugar.

1982thierryboutsenspiriyg8
Thierry Boutsen foi 3º colocado no Europeu de F-2, muito perto do campeão Corrado Fabi e do vice Johnny Cecotto

Boutsen, mais regular, foi bem melhor: venceu três corridas com o Spirit Honda, em Nürburgring, Spa-Francorchamps e Enna-Pergusa. Somou 51 pontos (50 válidos) e acabou em terceiro, atrás do campeão Corrado Fabi e do vice Johnny Cecotto, que foram direto para a Fórmula 1 em 1983.

Ainda em 1982, Coppuck e Wickham foram procurados por ninguém menos que Soichiro Honda e companhia limitada. Afastados da categoria máxima desde 1968, os japoneses construíram em segredo um motor turbo V6 e queriam desenvolvê-lo. Pelas boas relações com a Spirit na F-2, o construtor britânico foi o escolhido. E assim, a equipe teve que reformular seu carro para receber o motor Honda e iniciar os primeiros testes dinâmicos.

Boutsen, por seu desempenho na F-2, acreditava piamente que seria ele o escolhido para testar e guiar o Spirit F201 modificado. Mas a equipe e os japoneses acabaram por escolher Stefan Johansson, que andou com o carro pela primeira vez em novembro de 1982, no circuito britânico de Silverstone.

hondaspiritru3
Stefan Johansson no primeiro teste do Spirit Honda em Jacarepaguá

Os treinos de desenvolvimento do motor Honda prosseguiram no ano seguinte. Johansson e a Spirit foram para alguns circuitos, como Willow Springs (EUA) e o saudoso Autódromo de Jacarepaguá – este após o GP do Brasil de 1983 – para testar a resistência do propulsor japonês ao calor reinante nestes dois circuitos. Se bem me lembro, o desempenho não foi dos mais animadores.

Restava à Honda ver como o motor se comportaria em ritmo de corrida. E assim o Spirit F201 apareceu como um dos carros inscritos para a Race Of Champions, a última corrida extracampeonato da história, realizada em Brands Hatch.

Num dos treinos livres, Johansson conseguiu ser o 2º mais rápido, mas após milhas e milhas de treinos sem relativos problemas, o motor bichou na prova de classificação e o sueco foi obrigado a largar do fim do pelotão, sem tempo cronometrado. Na corrida, uma colisão com a Theodore de Roberto Guerrero furou o radiador do carro e Johansson desisitu.

O motor e o carro passaram por mais nove mil milhas de treinos em Silverstone, Brands Hatch e Donington Park antes que os japoneses considerassem que estavam finalmente ‘prontos’ para a estreia na Fórmula 1.

Johansson 83
O GP da Inglaterra, em Silverstone, foi o primeiro do Spirit F201 com motor Honda Turbo

A estreia ocorreu no GP da Inglaterra, em Silverstone. O F201 projetado por Tim Wright e Gordon Coppuck portou-se bem nos treinos. Stefan Johansson fez o 14º tempo em 1’13″962, quatro segundos e meio mais lento que a pole position obtida por René Arnoux. O sueco largou bem e pulou para 11º ao fim da primeira volta. Após uma breve luta com a Lotus Renault de Nigel Mansell, a bomba de combustível do Spirit quebrou e a reaparição oficial do motor Honda durou apenas cinco voltas.

Já em Hockenheim, no GP da Alemanha, John Baldwin fez algumas mudanças na parte aerodinâmica e o carro, além de ganhar nova pintura, foi batizado de F201C. Johansson classificou-se em 13º, mais de seis segundos e meio pior que a pole position de Patrick Tambay – mas a exemplo de Silverstone, não foi o pior a se qualificar com um carro de motor turbo. O motor, contudo, fundiu na 12ª volta.

Spirit_Honda_1983
Uma das provas em que a Spirit competiu foi o GP da Áustria, em Zeltweg

No GP da Áustria, Johansson foi mais lento nos treinos que dois carros com o decadente motor Ford Cosworth V8 – a McLaren de Niki Lauda e a Williams de Keke Rosberg. Mas a corrida entrou para os compêndios da Honda: mesmo cinco voltas atrasado em relação a Alain Prost, o sueco chegou ao fim da corrida, em 12º lugar. Suprema ironia: à frente do antigo colega de Spirit nos tempos de Fórmula 2, Thierry Boutsen.

1983stefanjohanssonspir
Quase! No GP da Holanda, em Zandvoort, Stefan Johansson ficou a um lugar da zona de pontuação. Acabou em 7º

Veio a corrida da Holanda, em Zandvoort, onde o Spirit saiu da oitava fila, de novo pior que dois carros com motor Cosworth. Mas Johansson, o carro e o motor resistiram bem. Tanto que o sueco fez uma ótima corrida e quase marcou um ponto: chegou em 7º lugar, o melhor resultado da curta participação da Spirit na Fórmula 1 e do novo motor Honda V6 turbo.

A esta altura, os japoneses já tinham assinado um contrato com a Williams, que precisava desesperadamente de uma unidade desta natureza para sair da turma do fundão, onde se encontrava de forma inexorável naquela segunda metade de temporada em 1983. Em Monza, no GP da Itália, após o encorajador resultado de Zandvoort, todo mundo na Honda estava otimista: só que o distribuidor quebrou na 5ª volta.

1983rocsj
A última prova do Spirit com motor Honda foi em Brands Hatch, no GP da Europa

A última aparição do motor RA163 da Honda no chassi Spirit aconteceu em Brands Hatch, no GP da Europa, na mesma pista onde o propulsor fizera sua primeira aparição, meses antes. Décimo-nono no grid, Johansson levou o carro até o fim em 14º lugar. Os japoneses encerraram a parceria com a Spirit, consideraram a missão cumprida e fizeram já no GP da África do Sul a estreia como fornecedores da Williams.

5d9a5b44a6625630c87e9370a357cb9d
Jo Gartner ainda disputou a F-2 Europeia com um Spirit e terminou o campeonato em 6º lugar na temporada de 1983

Em paralelo à Fórmula 1, um Spirit F201 ainda corria no Europeu de Fórmula 2 em 1983. Com o carro #24 da Emco Sports, Jo Gartner, da Áustria, venceu o GP de Pau e terminou o campeonato daquele ano em sexto lugar.

No próximo post, vocês conhecerão a luta da Spirit para sobreviver na Fórmula 1 durante os anos de 1984 e 1985.

Comentários