Saudosas pequenas – Spirit, parte II (final)

RIO DE JANEIRO – Órfã da Honda quando esta se mudou de mala e cuia para a Williams, a Spirit não ficou a ver tantos navios assim. Os japoneses deram algum dinheiro para que a equipe pudesse prosseguir na Fórmula 1.

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Aos 37 anos, Emerson Fittipaldi voltou temporariamente à Fórmula 1 a bordo de um Spirit-Hart nos testes de pneus da temporada 1984, no Rio de Janeiro

E olha que na pré-temporada de 1984, John Wickham quase deu um golpe de mestre: nos testes de pneus que se realizavam em Jacarepaguá (que saudade daqueles tempos…), seu carro pintado de branco com motor Hart Turbo teve ninguém menos que Emerson Fittipaldi a bordo!

Aos 37 anos, o bicampeão mundial de Fórmula 1 renascera para o automobilismo correndo de Superkarts e curtindo muito as conquistas como se fora um adolescente. Claro que a presença de Emerson a bordo do carro do time inglês tinha dois propósitos: o primeiro, conseguir patrocínio e o segundo, ajudar o italiano Fulvio Maria Ballabio a evoluir sua pilotagem e assim obter a sonhada superlicença que o permitiria ser titular da Spirit.

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O italiano Fulvio Ballabio bem que tentou, com o apoio da Mondadori, responsável pela distribuição das revistas de Mickey e sua turma na Europa, conseguir uma vaga: não foi bem-sucedido

Explica-se: herdeiro da Mondadori, a editora das historinhas em quadrinhos  do Pateta, Mickey e Pato Donald na Itália, Ballabio era o pote de ouro atrás do arco-íris para John Wickham, a salvação dos problemas prementes de dinheiro do time.

O desempenho de Emerson nos testes de pneus foi modesto e o de Ballabio, ridículo. Resultado: a FISA não deu a superlicença ao italiano e o brasileiro declinou o convite para encarar aquela “cadeira elétrica”: se mandou para os EUA, onde naquele mesmo ano estreou na Fórmula Indy, tornando-se um dos mais bem sucedidos pilotos daquela categoria.

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Mauro Baldi foi quem acabou escalado para guiar o horroroso Spirit-Hart no início do ano de 1984

Assim, a Spirit teve que recorrer a quem se encontrava disponível no mercado. E havia um nome com alguma experiência e que prontamente foi chamado: o italiano Mauro Baldi, de 30 anos na época, foi guiar o 101 projetado por Gordon Coppuck e Tim Wright.

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Em San Marino, Baldi chegou em 8º lugar. Só Deus sabe como…

O carro não era grande coisa e a temporada não começou bem: Baldi abandonou o GP do Brasil na 12ª volta com problemas no distribuidor do motor Hart Turbo. Na África do Sul, dadas as precárias condições do carro, o 8º lugar em Kyalami foi considerado um resultado excepcional – tanto quanto no GP de San Marino, em Imola.

Baldi abandonou em Zolder com problemas de suspensão e em Dijon-Prenois, no GP da França, com quebra de motor. Com o penúltimo tempo entre 27 pilotos, o italiano não se qualificou em Mônaco e acabou substituído, de surpresa, antes do GP do Canadá.

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Na segunda metade do campeonato, o #21 passou às mãos do holandês Huub Rothengatter

Em Montreal, estreou pela Spirit o holandês Huub Rothengatter, que vinha para a Fórmula 1 após algumas temporadas bem razoáveis na F-2. Com um carro ruim, ele não podia fazer milagre: no Circuito Gilles Villeneuve, ele acabou a corrida 14 voltas atrás do vencedor Nelson Piquet. Em Detroit, não se classificou e um vazamento de óleo acabou com a corrida de Rothengatter em Dallas.

No GP da Inglaterra, outra vez Rothengatter levou um caminhão de voltas do vencedor: acabou nove atrás do austríaco Niki Lauda, da McLaren. Mas em Hockenheim, o holandês conseguiu enfim terminar uma corrida entre os classificados: foi nono, embora quatro voltas atrasado em relação a Alain Prost.

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Laranja Mecânica: o Spirit foi pintado de laranja no fim do campeonato

Em Zeltweg e Zandvoort, no GP caseiro de Rothengatter, os problemas continuavam. Monza foi uma exceção e o holandês andou bem, dada a fragilidade do carro: chegou em 8º, igualando os melhores resultados de Mauro Baldi na temporada.

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Mauro Baldi regressou para as últimas etapas e o carro voltou às cores antigas

De repente, John Wickham chamou o italiano de volta para as corridas finais: em Nürburgring, Baldi terminou pela terceira vez no ano em oitavo e em Portugal, na estreia do circuito do Estoril, ele foi o décimo-quinto colocado.

A situação financeira da Spirit na virada para a temporada de 1985 era desesperadora. O que a escuderia podia pagar era pelos motores Hart Turbo e mesmo a estrutura ia de mal a pior. Três mecânicos era tudo o que John Wickham tinha na folha de pagamento no início do campeonato.

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Últimos suspiros: sem dinheiro e sem mecânicos, a Spirit deixou a Fórmula 1 e não provocou comoção nos fãs

Para completar o desastre, o desempenho de Mauro Baldi e da equipe foi sofrível nas três primeiras corridas do ano. Abandonos seguidos no Brasil, Portugal e San Marino, quando o piloto italiano deixou a corrida na nona volta, foram a gota d’água. A Spirit encerrou de forma patética sua passagem pela Fórmula 1, com 23 GPs disputados e nenhum ponto somado, ofertando à Toleman a possibilidade de regressar às pistas, pois a cota de pneus Pirelli que era da Spirit caiu como uma luva para as ambições do time que seria comprado, ainda em 1985, pela Benetton. Uma sorte com que a Spirit, mesmo com a parceria que trouxe a Honda de volta à Fórmula 1, jamais pôde sonhar.

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