Saudosas pequenas – Surtees, parte V (final)

RIO DE JANEIRO – Após uma temporada bastante razoável em 1976, graças aos bons desempenhos de Alan Jones, o Team Surtees partiu para o ano de 1977 com esperanças renovadas na Fórmula 1. E com uma dupla nova de pilotos: o austríaco Hans Binder, inexperiente e egresso da F-2 europeia teria a companhia do folclórico Vittorio Brambilla, o famoso “Gorila de Monza”, que vinha da March, onde se tornara uma personagem da categoria pelas frequentes patacoadas com seu carro alaranjado e o patrocínio das Ferramentas Beta.

6054362258_600f7702d9_o
Preservativos Durex: o polêmico patrocínio que Vittorio Brambilla não quis usar e que impediu a transmissão do GP da Inglaterra em 1977

Por falar em patrocínio, John Surtees arrumou um – e polêmico, para os seus dois carros. Assinou contrato com os fabricantes de preservativos Durex e, de saída, provocou uma cizânia dentro da própria escuderia. Católico praticante, Brambilla não aceitava sentar num carro que fazia propaganda de camisinha. Como no dele a Beta apareceria em maior destaque – e na Fórmula 1 daqueles tempos, isso era possível – o “Gorila de Monza” acabou cedendo.

5470510547_078d22d96f_z
No carro do Gorila de Monza, só os dísticos da Beta, da Goodyear e dos lubrificantes Fina…

A Surtees seguiu com o modelo TS19 e fez a perna sul-americana, começando com um 7º lugar de Brambilla na Argentina, onde o italiano esteve em sexto até a 47ª volta, quando engripou a injeção de combustível do seu carro. Após um duplo abandono em Interlagos – onde nenhum dos dois pilotos acabou no lendário cemitério de carros da Curva 3 do circuito paulistano, Brambilla foi de novo sétimo no GP da África do Sul em Kyalami, onde Binder terminou sua primeira corrida, em décimo-primeiro.

Nas corridas seguintes em Long Beach e Jarama, Brambilla revelou a Surtees sua velha vocação para os acidentes, abandonando ambas as corridas por batida. Em lento aprendizado na F-1, Binder evoluía. Chegou ao fim em 11º no circuito urbano estadunidense e foi nono na Espanha.

Após um 8º posto em Mônaco, Brambilla deu show no GP da Bélgica, disputado sob chuva inclemente em Zolder. Fez a melhor volta da disputa, liderou entre a 19ª e a 22ª volta e chegou na quarta posição. Larry Perkins teve uma oportunidade como substituto de Hans Binder, dispensado por Surtees, e chegou em décimo-segundo.

5470511431_38995a85b3_z
Vern Schuppan fez algumas aparições a bordo do TS19

O australiano, que recebia mais uma chance na categoria máxima, naufragou nos GPs seguintes e abandonou definitivamente a Fórmula 1. O carro #18 passou às mãos de outro compatriota seu, Vern Schuppan, que estreou pelo time com um 12º posto em Silverstone, no GP da Inglaterra, onde Brambilla foi oitavo.

tumblr_mcz3riAfVM1qapwfro1_1280
Para nenhuma surpresa, Brambilla com o carro destruído no toró de Watkins Glen, 1977

O “Gorila de Monza” ainda seria 5º colocado no GP da Alemanha, antes de bater consecutivamente nas quatro corridas seguintes – Holanda, Itália, Watkins Glen e Canadá. Nesta última, ainda salvou o ponto da sexta posição, porque tinha grande vantagem sobre o sétimo colocado.

clip_image008_thumb
Lamberto Leoni também tentou a sorte com os carros do time, sem sucesso algum

Schuppan fez um 7º posto em Hockenheim, mas após falhar a qualificação para a corrida da Holanda, deixou a equipe e o italiano Lamberto Leoni foi chamado para qualificar o TS19 em Monza, contudo sem atingir seu intento. Hans Binder regressou para as três corridas finais e o saldo não foi dos melhores: um 11º lugar em Watkins Glen e dois acidentes no Canadá e Japão decretaram o fim de sua trajetória na Fórmula 1.

780319SSIT029-15
O britânico Rupert Keegan, veloz mas trapalhão, assinou com o Team Surtees para 1978

Apesar dos prejuízos que deu a John Surtees, destruindo bicos, partindo suspensões e empenando monocoques, o “Gorila de Monza” fizera os seis pontos da equipe em 1977 e foi mantido para a temporada de 1978. O cockpit do segundo carro ficaria com o britânico Rupert Keegan, rápido, mas inconstante, que deixara razoável impressão ao volante dos Hesketh.

Ainda com o TS19 nas primeiras seis corridas do ano, o time não começou bem. Brambilla ficou de fora do GP do Brasil e Keegan, em razão de uma batida, não participou do GP dos EUA. Em Mônaco, a estreia do TS20, mais um carro concebido em colaboração entre Ken Sears e John Surtees, fracassou: Brambilla foi de novo alijado de um grid naquela temporada.

78belbrambillaao3
O TS20 com Vittorio Brambilla a bordo, no circuito belga de Zolder

Mesmo com o carro novo, Keegan e Brambilla continuavam a alternar desempenhos irregulares e medíocres, com o inglês não se classificando para a maioria das corridas e o “Gorila de Monza”, quando não batia, ainda fazia alguma coisa de bom, como por exemplo o 6º lugar num chuvoso GP da Áustria, em Zeltweg.

Após se machucar num acidente nos treinos do GP da Holanda em Zandvoort, Rupert Keegan ficou de fora pelo resto do campeonato. Seu lugar foi ocupado em Monza por um sujeito chamado Carlo Franchi, a. k. a. Gimax, que corria… com peruca!

Gimax
Carlo Franchi, que corria sob o pseudônimo de “Gimax”: um dos piores pilotos que já passou pela Fórmula 1

“Ele foi sem dúvida o pior piloto que eu vi correr de Fórmula 1”, revelou Emerson Fittipaldi em entrevista à revista Auto Esporte, em 1981. “Mas era divertido vê-lo nos boxes, a cada vez que tirava o capacete e a balaclava e a peruca caía junto. Só que guiava muito, muito mal.”

Emerson não estava errado: Gimax foi seis décimos mais lento do que Hector Rebaque, o primeiro reserva. E se tivesse disputado a pré-qualificação que eliminou quatro pilotos na sexta-feira, teria sido o 31º entre trinta e dois pilotos. Brambilla se qualificou para a largada na última fila, em 23º, ao lado do brasileiro Nelson Piquet. E acabou vítima do acidente que tiraria a vida do sueco Ronnie Peterson: uma roda desprendida de outro bólido acertou em cheio a cabeça do “Gorila de Monza”, que teve traumatismo craniano e ficou alguns dias em coma.

René Arnoux Qualifying the Surtees-Ford in the US GP at Wat
René Arnoux a bordo do Surtees TS20 nos treinos do GP dos EUA, em Watkins Glen

O jeito para John Surtees foi honrar os compromissos do fim do campeonato com dois novos pilotos: o francês René Arnoux, que disputara algumas corridas de F-1 naquele mesmo ano com um Martini MK23 e Beppe Gabbiani, italiano que vinha da Fórmula 3. Com um pouco mais de quilometragem, Arnoux largou em Watkins Glen e Montreal, conseguindo um 9º lugar nos EUA. Inexperiente, Gabbiani não se qualificou para nenhuma das duas corridas.

gp_canadá_1978_001
O novato Beppe Gabbiani pouco fez nas provas finais de 1978, a não ser sujar o TS20 de lama…

Ao fim do Mundial de 1978, sem dinheiro e condições de produzir um carro competitivo para andar no meio do pelotão quando os carros-asa começavam seu reinado, John Surtees retirou-se como construtor. Ao longo de oito anos, sua equipe disputou 118 GPs, conquistando dois pódios, três recordes de volta (dois deles, cortesia de José Carlos Pace) e 53 pontos somados na Fórmula 1.

Comentários

  • Essa do Brambilla quase ter batido as botas no acidente do Peterson eu não sabia!!!

    Agora, convenhamos, que frescura essa do italiano não correr num carro com propaganda de camisinha só por ser católico. Parece aquele jogador africano que estava no Sevilla, o Kanout, que por ser muçulmano, não queria vestir a camisa com o 888.com na frente (tiveram que embaçar a camisa dele; ridículo) até a equipe dar-lhe um pé na bunda.

    Fanático é uma merda, mesmo!

    Abraço, xará!!

  • Não sabia do trauma do “Gorila”, também.
    Mas além dos traumas nos anos perigosos da F1, revividas por aqui, John Surtees ainda viu uma roda acabar com a carreira do filhote. Uma pena.

    Abr

    • moises simoes, seguinte: muito mais que acabou com a carreira!
      Foi fatal o acidente do filho dele. . .
      Zé Maria
      PS: e por ironia do destino, muito parecido com o do Gorila em Monza/78, levou também uma “rodada” na cabeça.