Saudosas pequenas – Forti Corse, parte II (final)

RIO DE JANEIRO – A despeito de inúmeras dificuldades enfrentadas em 1995, que começavam no carro ruim e terminavam na inexperiência da equipe, a Forti Corse mostrou crescimento ao longo do seu primeiro ano e o objetivo inicial era tentar manter seus titulares por mais um ano. Só que Pedro Paulo Diniz fechou com a Ligier e levou todos os seus patrocinios junto com ele. E Roberto Pupo Moreno foi mais uma vez emprestar seu conhecimento e experiência a times da Fórmula Indy, onde ficaria por muitos anos.

Na pauta de Guido Forti e Carlo Gancia, que ainda comandavam juntos o time, negociações com pilotos brasileiros e italianos. A equipe não tardou a fechar com Andrea Montermini, que só tivera a chance de guiar “cadeiras elétricas” na Fórmula 1, feito a Simtek e a Pacific – e mesmo assim deixara impressão positiva no chefe do time italiano. O segundo cockpit tinha vários pretendentes, entre eles os brasileiros Ricardo Rosset e Tarso Marques, além do francês Franck Lagorce e do persistente Hideki Noda, cuja Superlicença fora negada pela FIA.

A procura por um piloto com dinheiro era a prioridade número um de Guido Forti: com a saída dos apoiadores de Pedro Paulo, ele não tinha dinheiro para pagar pelos motores Ford Zetec V-8 e nem sabia se teria como continuar na categoria até o fim da temporada. Pelo menos o carro novo estava saindo do forno – trabalho de Chris Radage, ex-Brabham e Cesare Fiorio, ora vejam, chegou para tentar organizar a casa. Antes do GP do Brasil, foi anunciado como o novo diretor esportivo do time de Alessandria.

Entrementes, Ricardo Rosset assinou com a Arrows após um único teste e Tarso Marques fechou um contrato para ajudar a Minardi – com a possibilidade de correr no Brasil e na Argentina. As negociações com Lagorce e Noda ficaram no desvio e a equipe, que já não tinha mais Chris Radage no projeto do FG03 e sim Riccardo de Marco, acabou contratando outro italiano, Luca Badoer, que era da Minardi, para compor a dupla da Forti Corse com Andrea Montermini.

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Carroça: no começo do ano o FG01B com motor Ford Cosworth ED só andava assim, rebocado

Sem o FG03 pronto, o time levou o FG01 na versão B para a Austrália. Aquele carro, como os leitores sabem, além de ruim, usava o motor Ford Cosworth ED, de dimensões diferentes do Zetec que o time receberia. Não custa nada lembrar: o carro era ainda o de 1995, os motores de 1994 e estávamos em 1996. Nada poderia ser pior, portanto.

O GP da Austrália, com os carros amarelos pintados “à Bangu”, foi um prenúncio do que viria pela frente. Andrea Montermini mandou dois motores para o espaço e não se classificou. Luca Badoer, idem. A FIA dava um recado claro com a adoção real da regra dos 107%: ou se encaixavam no que ela pretendia em termos de desempenho das equipes, ou a Forti iria dançar em todas as outras corridas.

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Em tempos bicudos, qualquer graninha valia; os postos Hudson estamparam seu nome no GP do Brasil de 1996

Em Interlagos, com as boas relações de Guido com os brasileiros, foi acertado um patrocínio dos Postos Hudson, por duas corridas – Brasil e Argentina. E com Cesare Fiorio começando a ajustar a casa, até que o desempenho dos dois trambolhos amarelos melhorou em Interlagos. Badoer e Montermini dividiram a última fila, mas conseguiram passar com alguma sobra do corte dos 107% do tempo da pole. Na corrida, Luca ainda chegou ao final em 11º lugar. Montermini rodou na 27ª volta e desistiu.

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Tatu na toca: Luca Badoer sai do seu carro virado ao contrário após acidente no GP da Argentina

No GP da Argentina, enquanto Andrea conseguia um excelente 10º lugar diante das limitações do FG01B, Luca Badoer foi protagonista de um acidente incrível com seu carro, ao tocar com a Ligier de Pedro Paulo Diniz (coincidência, não?) e capotar para ficar de cabeça para baixo. O minúsculo Badoer parecia tatu saindo da toca quando conseguiu se livrar dos cintos que o prendiam no banco e escapar do carro capotado.

Ainda sem o carro novo, os dois pilotos não se qualificaram pela segunda vez em quatro corridas, no GP da Europa, em Nürburgring. E finalmente quando o FG03 ficou pronto, só havia um chassi disponível para Luca Badoer no GP de San Marino, em Imola. Carro novo para Montermini? Melhor esperar por Mônaco…

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O FG03: nenhum sinal de melhora

Como efeito, a bordo de um modelo já ultrapassado, diria eu tétrico, Montermini não qualificou-se num dos GPs caseiros dele e dos outros pilotos italianos – pois Imola fica em Bologna, na região da Emilia Romagna. A República de San Marino é ali pertinho, por isso a deferência. Badoer foi um pouco menos infeliz: ficou a sete décimos da Arrows de Ricardo Rosset, pôs o FG03 no grid e ainda conseguiu chegar em 10º, quatro voltas atrás de Damon Hill.

Em Mônaco, com Montermini finalmente a bordo do carro novo, o italiano, embora qualificado, não largou no circuito de rua de Monte-Carlo: acidentou-se no warm up na saída do túnel e destruiu o carro. Chassi reserva? Nem em sonho. E o grid foi reduzido a 21 pilotos, dos quais cinco sequer passaram da primeira volta. A doida corrida de Mônaco em 1996 parecia perfeita para a Forti Corse marcar seu primeiro ponto em sua existência, mas Luca Badoer pôs tudo a perder numa manobra infeliz e imprudente quando vinha em décimo: fechou a passagem de Jacques Villeneuve, que vinha para lhe pôr uma volta a bordo da Williams Renault. O canadense ficou tiririca e a FIA “suspendeu” Badoer por duas corridas com direito a três provas de sursis e uma multa simbólica de US$ 5 mil.

Àquela altura, quem tinha caído fora da Forti Corse fora Carlo Gancia, que cansou da brincadeira e foi para os EUA, apostar na Indy Racing League, categoria criada por Tony George e dissidente da CART, tirando desta última as 500 Milhas de Indianápolis. Enquanto o corpulento brasileiro passaria a fazer parte daquela cizânia toda, Guido Forti vendeu 51% das ações do time ao Grupo Shannon.

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O Shannon Group seria a tábua de salvação da Forti Corse, mas no fim a história foi outra. Bem outra…

Grupo Shannon? Pois é: um austríaco com fama de estelionatário comandava essa Shannon, com sede na Irlanda. E, do nada, essa Shannon atacou com tudo no automobilismo internacional, mais ou menos – guardadas as proporções – da mesma forma que a Lotus agiu ano passado. Além da entrada de um novo sócio majoritário, o time tinha outras novidades: Cesare Fiorio saíra para a Ligier, entrando em seu lugar Daniele Coronna, que imediatamente chamou o engenheiro George Ryton para trabalhar no desenvolvimento do FG03.

A equipe italiana apareceu com um novo – e duvidoso – visual nos seus carros, que passavam a ostentar uma pintura verde e branca com aplicações de vermelho a partir do GP da Espanha. A entrada da Shannon na sociedade não trouxe benefícios em Barcelona e pela terceira vez no ano os dois pilotos não se qualificaram juntos para uma mesma corrida.

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No GP do Canadá, Luca Badoer conseguiu uma façanha

Engraçado que, no Canadá, onde os carros passaram a ostentar o patrocínio da Sokol, marca de helicópteros cujos modelos foram vendidos pelo Grupo Shannon a ninguém menos que Silvio Berlusconi, o magnata das comunicações e do Milan, também dublê de político, Luca Badoer conseguiu uma façanha: colocou o Arrows de Ricardo Rosset entre ele e Andrea Montermini no grid. Na corrida, problemas de câmbio no #22 e uma batida do #23 decretaram o abandono prematuro de ambos os pilotos.

Porém, a partir daí as coisas começaram a ficar muito nebulosas nos bastidores. Guido Forti queria desfazer o negócio com a Shannon e recuperar os 51% que vendera ao grupo do duvidoso austríaco. Por que? Simples: o grupo não honrara os compromissos de venda, tendo depositado apenas US$ 300 mil na conta do fundador do time, que logicamente ficou uma arara.

E sem grana para pagar ao próprio Forti, quem garantiria que a Shannon honraria seus compromissos com a Ford para a revisão e manutenção dos motores? Tanto que no GP da França, Badoer e Montermini receberam a orientação de “andar pouco”. Ou seja: o mínimo necessário para tentar qualificar os dois carros, não tomar uma multa da FIA e se possível não completar a corrida, para daí em diante a pendenga entre a Shannon e Forti se resolver fora das pistas.

Montermini abandonou em Magny-Cours após três voltas apenas. Badoer encostou na 30ª passagem. Os dois tinham largado com pouco combustível e seguiram à risca os apelos do time. Nada de chegar ao fim da corrida francesa. E como a situação se agravasse e o litígio entre Forti e o Grupo Shannon fosse iminente, o impasse permaneceu até a véspera da chegada dos equipamentos dos times a Silverstone, sede do GP da Inglaterra.

Para surpresa de muitos, a Forti Corse foi para o circuito britânico, onde os pilotos deram umas poucas voltas com os FG03, sem nenhuma chance de se qualificarem. Não havia mais crédito do time junto à Cosworth e Bernie Ecclestone aconselhou Guido Forti a cair fora enquanto fosse tempo. E foi o que ele fez, embora a equipe italiana tenha aparecido na lista de inscritos dos GPs da Alemanha e Hungria. Como efeito, além dos processos trabalhistas e da derrota diante da Shannon nos tribunais, ainda havia uma multa de US$ 2 milhões a ser paga para a FIA. Como dinheiro não havia, o jeito foi fechar as portas. Morte natural e indolor, com 23 GPs disputados e nenhum ponto somado.

Como consolo, a picaretagem da Shannon teria seu fim ainda naquele ano de 1996. Pena que quando teve um carro com algum potencial para ir além, a Forti Corse se viu entranhada numa teia repleta de picaretas.

Comentários

  • Nossa que riqueza de detalhes!Agora falando sério como era fraco o tal de Ricardo Rosset em ?Se classificar atraz dessa fraca Forti é demais.

    • Michael, para vc ter uma idéia melhor da ruindade do Rosset, quando ele foi imposto como piloto (devido ao “paitrocinio”. . .) acho que na Tyrrell já vendida para a B. A. R., o velho Ken Tyrrell chutou o balde, pediu o boné e foi simbora, UM ANO ANTES DO COMBINADO!!!!
      E os mecânicos tratavam o figura pelo jocoso apelido de “Tosser”, trocando as letras das extremidades, quem sabe inglês mata fácil o porquê. . .
      Abs.
      Zé Maria

  • Seria o Rosset o pior piloto brasileiro a ter entrado na F1 ou o buraco é bem mais embaixo?

    Porque o Zonta, Diniz, Cristiano Da Matta, Pizzonia, Christian Fittipaldi ainda conseguiram arrancaram uns pontos, o Tarso Marques e o Luciano Burti nunca fizeram uma temporada completa e o Bernoldi pegou uma Arrows em frangalhos, logo o Bernoldi não pontuaria nem com uma ajuda angelical do Senna.

    Acho que há mais gente que não teve uma passagem boa pela F1 que esqueci de mencionar.

    • Olha na minha opinião dos que eu vi correr é muito difícil dizer um ,pois Pizzonia,burti,marques,Diniz e Rosset eram ridículos,muito fracos!