Outsiders: Chris Amon, o azarado

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RIO DE JANEIRO – Em treze anos de carreira na Fórmula 1, ele jamais conseguiu vencer uma corrida em caráter oficial. A falta de sorte que lhe acompanhou durante tanto tempo foi sua grande marca registrada. Em contrapartida, era um dos mais rápidos e competitivos pilotos de seu tempo. Falo de Chris Amon, que merece a distinção de outsider aqui no blog.

Nascido Christopher Arthur Amon, na cidade neozelandesa de Bulls, em 20 de julho de 1943, conseguiu persuadir seu pai para lhe dar um carro. Assim que completou a idade legal, entrou nas competições automobilísticas. Começou com um Austin A40 Special, em provas menores em seu país e eventos de Subida de Montanha. Trocou seu primeiro carro pelos monopostos, primeiro com um Cooper de 1,5 litro e depois guiou uma velha Maserati 250F. Evidentemente, o jovem piloto chamou a atenção ao guiar o Cooper T51 que fora do compatriota Bruce McLaren. E isto o levou à Fórmula 1. Antes de completar 20 anos, já estava entre as “feras” do automobilismo.

French GP, Reims,  30 June 1963 Chris Amon(7th) Lola Mk4A

Sua estreia foi marcada pela proverbial falta de sorte: com um velho Lola MkIV-A Climax V8, alinhado pela escuderia de Reg Parnell, ele não pôde largar para o GP de Mônaco de 1963 porque Maurice Trintignant, seu experiente companheiro de equipe, teve problemas mecânicos. Como não havia carro reserva, Amon ficou chupando o dedo e não correu.

Em seis corridas que disputou – cinco delas com o velho Lola – Chris conseguiu dois 7ºs lugares na França e Grã-Bretanha. Foi tudo o que pôde fazer e já no GP do México, estreava numa Lotus 24. Na temporada seguinte, em 1964, Amon marcou pontos logo na segunda corrida, o GP da Holanda – isso após não se qualificar para o GP de Mônaco. A Lotus do time de Reg Parnell, com motor BRM, não desenvolvia bem e o piloto enfrentou também uma série de falhas mecânicas que comprometeram seu campeonato. Acabou o Mundial de Pilotos em 16º lugar, com dois pontinhos apenas.

A sorte de Amon pouco mudaria nos dois anos seguintes, de temporadas erráticas para o neozelandês. Em 1965, fez apenas duas aparições na França e Alemanha, abandonando em ambas as oportunidades. Saiu do time de Reg Parnell e fez apenas uma corrida em 1966, no GP da França, com um Cooper. Na Itália, tentou qualificar uma Brabham BT11 inscrita por ele mesmo, mas não se qualificou.

1966 - Bruce McLaren - Chris Amon

Nessa mesma época, o piloto começava a participar ativamente da Can-Am, uma série de protótipos de muita repercussão nos anos 60/70, com ótimos prêmios e que tinha corridas nos EUA e Canadá. Não obstante, ganhou ainda as 24 Horas de Le Mans, dividindo o lendário Ford GT40 ao lado de Bruce McLaren, de quem quase foi piloto na Fórmula 1. Mas o ano de 1967 lhe reservava, aos 23 anos, a passagem para a Ferrari. Após um encontro com o Commendatore, recebeu um contrato para integrar o time que já tinha Lorenzo Bandini, Lodovico Scarfiotti e Mike Parkes.

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Logo na estreia pelo time de Maranello, em Mônaco, Chris chegou em 3º mesmo tendo largado em décimo-quarto. O ótimo resultado do neozelandês foi ensombrado pela morte terrível do italiano Lorenzo Bandini, durante a corrida nas ruas de Monte-Carlo. Depois disto, Mike Parkes quebrou uma perna num acidente no GP da Bélgica e Lodovico Scarfiotti deu um tempo das corridas de F-1, o que fez de Amon o único piloto do time para o restante do ano.

Além da corrida monegasca, Amon subiria ao pódio ainda mais três vezes, sempre em terceiro, nos GPs da Bélgica, Grã-Bretanha e Alemanha. Foi o 4º colocado no Mundial de Pilotos de 1967 com 20 pontos – o que não podia ser considerado um mau resultado. E nas corridas longas, o neozelandês foi muito bem, ajudando a Ferrari a ser campeã do Mundial de Marcas com um ponto de vantagem para a Porsche. Em dupla com Lorenzo Bandini, ele venceu as 24h de Daytona e os 1000 km de Monza, a bordo da lendária Ferrari 330 P4.

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Em 1968, o engenheiro Mauro Forghieri teve a ideia de implementar no carro de Amon aerofólios enormes, cuja altura em determinados circuitos podia bater 2 metros. Esses experimentos aerodinâmicos, aliados à falta de consistência do piloto, fizeram a temporada do neozelandês ir para o vinagre. Após um 4º lugar na corrida de abertura do campeonato em Kyalami, na África do Sul, Amon conseguiu três pole positions consecutivas, abandonando em todas as oportunidades. Ele ainda conseguiu um ótimo 2º lugar no GP da Inglaterra, após longo duelo com Jo Siffert, e no restante do ano, abandonaria as cinco últimas etapas – tudo isso largando da primeira ou da segunda fila em todas elas.

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Em contrapartida, na Tasman Series, disputada na Oceania, Amon tinha ótimos desempenhos. Em 1968, venceu duas corridas – mas acabou perdendo o título para Jim Clark. No ano seguinte, com o lendário modelo Dino F2 da Ferrari, ganhou o GP da Nova Zelândia, empolgando seus conterrâneos. E na Fórmula 1, a velha má sorte tornou a dar as cartas: Chris conseguiria apenas o 3º lugar no GP da Holanda, em seis corridas que disputou. Impaciente, preferiu abandonar a equipe no meio do campeonato de 1969 – e se tivesse esperado, pegaria uma Ferrari afiada em 1970. Mas preferiu correr com um chassi de Fórmula 1 com motor Ford Cosworth DFV.

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Seus laços com a Ferrari não foram de todo rompidos em 1969. Com a Ferrari 312P Esporte Protótipo, foi 2º colocado nas 12 Horas de Sebring e quarto no BOAC 500 de Brands Hatch, tudo em dupla com Pedro Rodriguez. Também disputou provas de Can-Am com um protótipo desenvolvido pelos italianos para a série ianque – a monstruosa 612P, que lhe deu três pódios e o 6º lugar no campeonato, com 39 pontos. A sua última corrida pela Casa de Maranello foi os 1000 km de Monza, em 1970, quando chegou em segundo.

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Naquele ano, Chris Amon assinou com a March e foi disputar o Mundial de Fórmula 1 pela equipe STP, chefiada por Robin Herd e Max Mosley, tendo Jo Siffert como companheiro fixo e Mario Andretti em eventuais participações. A bordo do novo March 701, venceu o Troféu Internacional em Silverstone – mais uma prova extracampeonato – e ao longo da temporada, largou cinco vezes entre os quatro primeiros, provando que era mesmo um piloto veloz.

Após uma primeira metade de temporada irregular, mesmo com o 2º lugar em Spa-Francorchamps e Clermont-Ferrand, a segunda parte do campeonato de Amon foi bem mais consistente e ele conquistaria ainda mais um pódio com o 3º lugar em Mont-Tremblant, no Canadá. Acabou em 8º no Mundial de Pilotos com 23 pontos. Na Can-Am, fez 28 pontos em três corridas, com o March 707 de motor Chevrolet big block. Os desentendimentos entre Mosley e Herd minaram o ambiente e de novo o neozelandês foi buscar novos ares.

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Amon escolheu a Matra-Simca para disputar o Mundial de 1971. E logo no começo daquele ano, venceu o GP da Argentina. Mas, como sempre, era um evento extracampeonato, para a homologação do circuito de Buenos Aires, que pretendia regressar ao calendário da Fórmula 1. Com o chassi MS120B desenhado por Bernard Boyer e Gérard Ducarouge impulsionado pelo motor MS73 V12 de escapes sonorizados e o mais belo ronco da história, Chris conquistou a pole position para o GP da Itália, com a incrível média horária de 251,214 km/h na época. O proverbial azar do piloto fez com que Amon marcasse somente nove pontos, com o 11º lugar no Mundial de Pilotos e o pódio no GP da Espanha, no circuito Parc Montjuich.

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Em 1972, o Matra MS120C, depois atualizado para a versão D, continuava um carro veloz, mas irregular, alternando quebras com ótimos desempenhos. Num deles, no GP da França, onde partiu da pole e liderou metade das 38 voltas, um pneu furado acabou com o sonho da inédita primeira vitória. Amon chegou em terceiro e foi o último pódio do piloto na Fórmula 1.

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A Matra acabou com o programa de monopostos e se dedicou nos anos seguintes aos Protótipos. Com 29 anos, Chris ainda tinha muita lenha para queimar, mas arriscou a pele ao aceitar desenvolver o Tecno-Pederzani, com motor 12 cilindros boxer de 460 HP de potência. Logo no GP da Bélgica, numa corrida atribulada, Amon somou um pontinho com o 6º lugar. Ele disputou apenas mais três corridas com o time e o projeto do Tecno F1 foi abortado. Nas duas corridas finais, Chris teve à disposição um Tyrrell 006, mas só correu no Canadá, quando foi 10º colocado. A equipe desistiu do GP dos EUA em Watkins Glen, após a morte de François Cévert.

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Em 1974, Chris Amon aproveitou o boom dos motores Ford Cosworth e encomendou um projeto de carro próprio a Gordon Fowell, que desenhou o Amon AF101, com o qual o neozelandês repetia Jack Brabham, tornando-se ao mesmo tempo piloto e construtor. Criador e criatura foram vistos em somente um único GP, o da Espanha, em Jarama, quando o piloto largou em 23º e desistiu com problemas de freio. Chris ainda se qualificou para o GP de Mônaco na 20ª posição, mas não largou em razão de falhas no distribuidor do motor.

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Doente por ocasião do GP da Alemanha, Chris entregou o volante do carro a Larry Perkins, que não se classificou. Após mais um fracasso no GP da Itália, o Amon AF101 foi aposentado e o neozelandês conseguiu uma vaguinha na BRM. Com o monstrengo P201, chegou em 9º no GP dos EUA, em Watkins Glen.

Na Tasman Series, o piloto continuava ganhando corridas e alternando ótimos desempenhos com um sem-fim de problemas técnicos em seu carro. Após quase um ano ausente da Fórmula 1, Chris foi chamado por Morris Nunn para colaborar no desenvolvimento de um novo carro, o Ensign N175, com o qual reapareceu nos GPs da Áustria e Itália, chegando na 12ª posição em ambas as corridas.

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Entusiasmado com a ajuda valiosa do piloto, então com 32 anos, Morris não hesitou em oferecer-lhe um contrato e Amon fechou para correr pelo Team Ensign no Mundial de 1976. Ainda com o velho N174, chegou em oitavo lugar no GP dos EUA, em Long Beach, antes da estreia do N176, já sem o periscópio do motor que caracterizava os carros na década de 70. Com ele, Amon chegou em 5º e somou dois pontos no Mundial de Pilotos.

Nos treinos do GP da Suécia, Chris conseguiu um espantoso 3º tempo no treino oficial e andou em quarto por 37 voltas até o carro ter um problema de suspensão. Ele voltou a andar bem em Brands Hatch, com o 6º lugar no grid, abandonando a corrida com um vazamento de água. E no GP da Alemanha, após o acidente sofrido por Niki Lauda, resolveu de vontade própria abandonar o automobilismo, sendo demitido do time por Morris Nunn.

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Mas a aposentadoria não foi de todo cumprida. No fim do ano, já morando nos EUA, Walter Wolf convidou Chris Amon para guiar seu Wolf-Williams FW05 no GP do Canadá, em Mosport, e o piloto aceitou. Fez o 25º tempo no grid, mas após uma batida nos treinos, não pôde correr naquela que foi sua última aparição na Fórmula 1.

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Em 1977, ele fez uma única aparição na série Can-Am, que regressava às pistas depois de três anos, com um Wolf-Dallara WD1. “Não gosto mais disso”, afirmou Amon – que assim deixou em definitivo as competições. Seu lugar passou a ser ocupado por um jovem canadense chamado Gilles Villeneuve, que seria posteriormente recomendado à Ferrari por… Chris Amon. Foi o último envolvimento dele com a categoria máxima.

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Hoje aposentado, aos 70 anos de idade, Chris Amon curte a família e a cidade de Taupo, na Nova Zelândia, onde reside. Há alguns anos, colaborou inclusive com as obras que modernizaram o circuito que chegou a receber corridas da extinta categoria A1GP. Deixou as pistas com um currículo de 96 GPs disputados, 5 pole positions, três voltas rápidas em prova, onze pódios, 83 pontos somados, 183 voltas na liderança e 22.571 km percorridos.

Comentários

  • é uma história de vida interessante,um bom currículo deve de ter andado de tudo,mas se fosse brasileiro estaria sendo zuado.

  • Tudo na vida é relativo, conforme a filosofia de almanaque… Será mesmo que o Amon devia ter essa alcunha de “azarado”? O cara ganhou 24 h de Le Mans, de Daytona, 1.000 km de Monza, andou de F-1 por todas as pistas de seu tempo, ganhou na Tasman, correu nos monstros da Can-Am, se divertiu à beça, ganhou muito dinheiro e saiu vivo e inteiro, o que não era pouco, nos anos 60 e 70.
    Podia ter ganho mais se…. Mas o “se” não existe. Aposto que tá bem feliz com tudo que passou.
    Pilotaço, vencedor na vida, isso sim.