Outsiders: Patrick Depailler, um aventureiro

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Patrick Depailler (1944-1980): um bota da mais alta qualidade

RIO DE JANEIRO – A série dos Outsiders do automobilismo volta com mais um piloto francês que fez história. Conhecido pelo seu destemor, só foi parado com a morte. Patrick André Eugène Joseph Depailler, ou simplesmente Patrick Depailler, foi um desses pilotos que amou intensamente o esporte que abraçou, até o fim.

Nascido em Clermont-Ferrand, cidade montanhosa da região de Puy-de-Dôme, no dia 9 de agosto de 1944, Patrick teve dois ídolos no esporte: o compatriota Jean Behra e o escocês voador Jim Clark, a quem tinha como um mito das pistas. Filho de arquiteto, estudou para ser dentista e nunca exerceu a profissão.

Com 20 anos, em 1964, começou no automobilismo com seu primeiro carro, um Lotus Seven. Enveredou durante um tempo no motociclismo, mas voltou às quatro rodas em 1966. Pertencente à mesma geração que outro talento do esporte, François Cévert, Depailler competiu contra ele no Volant Shell, um concurso de revelação de talentos onde o vencedor era premiado com uma bolsa de 1 milhão de francos para investir na carreira. Patrick acabou derrotado por Cévert.

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Rival de François Cèvert: os primeiros passos na Fórmula 3 com um Alpine

Mesmo assim, seguiu adiante no esporte e na própria Fórmula 3 onde foi rival de François, com um Alpine. Aos 23 anos, ele estreava também nas 24 Horas de Le Mans. Com um Alpine A210 da Écurie Savin-Calberson dividido com Gérard Larrousse, ele abandonou na 17ª hora devido a problemas mecânicos – aliás, Depailler tentou – e nunca conseguiu – terminar a clássica corrida francesa em oito oportunidades.

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Escolha errada: Depailler não foi bem com os Pygmée de Fórmula 2 na temporada de 1970

Até 1969, a prioridade na carreira de Depailler foi a Fórmula 3, na qual terminou em 4º lugar no final do campeonato daquele ano. Em 1970, veio a passagem desastrosa para a Fórmula 2, fruto de uma péssima escolha de chassi: Patrick optou por correr com os Pygmée construídos por Marius Dal Bo e sua campanha foi pífia com este carro. Ao mudar para o Tecno, melhorou – e em 1971, ao voltar a correr de F-3, finalmente foi campeão.

Em 1972, Depailler regressou à Fórmula 2, como piloto da equipe Elf chefiada por John Coombs, correndo com um Alpine A367 (Elf 2) de motor Ford BDA. Após não marcar ponto nenhum nas três primeiras etapas, ganhou confiança com um segundo lugar na 4ª etapa, disputada na pista de rua de Pau e chegou à primeira vitória em Enna-Pergusa, na Sicília. Acabou o campeonato em 3º lugar, dez pontos atrás do vice-campeão, o compatriota Jean-Pierre Jaussaud.

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Estreia na Fórmula 1: com uma terceira Tyrrell, correu literalmente em casa, no circuito de Clermont-Ferrand

Antes disso, porém, Depailler já estreara na Fórmula 1. Por influência da Elf, o francês foi escalado para correr num Tyrrell 004 com motor Ford Cosworth. Largou em 16º no GP da França, justamente disputado em sua cidade natal, Clermont-Ferrand. Com problemas no decorrer da disputa, acabou em 20º, com 33 voltas completadas. No GP dos EUA, quase marcou seu primeiro ponto após largar em décimo-primeiro. Foi o sétimo colocado.

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A bordo do Elf 2A, Depailler não conseguiu se impor diante do poderio dos March BMW na Fórmula 2 europeia

No ano seguinte, Patrick continuou na Fórmula 2 e na equipe Elf de John Coombs, com o carro Elf 2A. Foi mais um bom ano para o piloto francês, mas insuficiente para acabar com a superioridade do March 732 BMW de Jean-Pierre Jarier e do Surtees TS15 de Jochen Mass. O piloto levou os nove pontos da vitória em Nürburgring, porque o vencedor, o sueco Reine Wisell, era considerado piloto graduado pela FIA e não marcava pontos na F-2. Depailler terminou em 3º lugar novamente, com 38 pontos.

Seu gosto pela aventura começou a lhe custar caro: ele tinha tudo para guiar um terceiro carro da Tyrrell no fim da temporada de Fórmula 1, nos GPs do Canadá e Estados Unidos. Aí resolveu brincar de andar de motocross e como resultado sofreu uma fratura na perna direita. Precisou imobilizá-la e por isso o lugar que seria seu ficou com Chris Amon.

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Em 1974, assumiu o posto de piloto titular da Tyrrell, conquistando a pole no GP da Suécia, em Anderstorp

Contudo, num golpe do destino, a morte trágica de François Cévert em Watkins Glen abriu-lhe a possibilidade de ser piloto titular do time de Ken Tyrrell. Outra vez a Elf influenciou e Depailler, após um teste, foi contratado por “Tio” Ken para ser piloto titular do carro #4 ao lado de Jody Scheckter.

As primeiras provas da primeira temporada completa de Depailler na Fórmula 1 foram difíceis. Primeiro o piloto não estava 100% recuperado da fratura sofrida no ano anterior e tanto ele quanto Jody tiveram que começar o ano a bordo do modelo 006, que tinha uma curta distância entre-eixos e suspensões de barra de torção, o que desagradava profundamente os dois pilotos.

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Uma boa dupla com Jody Scheckter por três temporadas…

Quando chega o Tyrrell 007, o novo carro projetado por Derek Gardner, os resultados começam a aparecer. A temporada de Depailler é razoável, se comparada ao excelente campeonato de Jody Scheckter. Mas o francês se sai bem, com direito a uma pole position em Anderstorp e o 2º lugar na Suécia. Termina o campeonato em nono lugar, com 14 pontos.

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No March BMW 742 da equipe Elf: campeão europeu de Fórmula 2

Na Fórmula 2, Depailler enfim deslancha: vence cinco das 10 provas do campeonato de 1974 com um March 742 BMW e é campeão. Ele soma 54 pontos contra 43 do alemão Hans-Joachim Stuck e 31 de Jacques Laffite – todos, a exemplo de Depailler, já na Fórmula 1.

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O ano de 1975 foi difícil para a Tyrrell e Patrick Depailler fez campanha modesta naquela temporada

A Tyrrell perde um pouco o rumo em 1975, quando todos apostavam que o 007 estaria entre os favoritos. Diante da superioridade de Ferrari, McLaren, Brabham e até dos bons desempenhos da Hesketh graças a James Hunt, o desempenho dos carros azuis não é dos melhores. Scheckter vence apenas o GP da África do Sul. Depailler faz somente 12 pontos no campeonato, com um pódio em Kyalami, como 3º colocado.

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A bordo do revolucionário Project 34, o Tyrrell seis rodas projetado por Derek Gardner (em pé, à direita)

Na pré-temporada de 1976, Depailler revela sua vocação de excelente piloto de testes. Trabalhando exaustivamente no desenvolvimento do modelo P34, o ousado carro de seis rodas mais uma vez desenhado por Derek Gardner, que tinha quatro pneus de tamanho menor que o habitual, além de uma penetração aerodinâmica superior a de qualquer outro Fórmula 1 da época, o francês vê a equipe colher os frutos do pioneirismo de um projeto que foi tido como um dos mais insólitos da história do automobilismo.

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Patrick foi muito bem com o Tyrrell P34 na temporada de 1976

Quando o P34 estreia em Zolder, na Bélgica, Depailler abandona. Logo depois, ele consegue um 3º posto em Monte-Carlo e bisa a dobradinha obtida dois anos antes em Anderstorp, uma pista decididamente boa para a Tyrrell, novamente chegando em segundo atrás de Scheckter. Patrick também termina em 2º no GP da França e aí fica quatro corridas sem marcar pontos, o que terá sido decisivo para sua classificação final no campeonato de pilotos.

No GP do Canadá, em Mosport, o francês faz uma corrida sensacional até o combustível começar a vazar dentro do cockpit da P34. O cheiro da gasolina provoca uma intoxicação em Depailler, que perde rendimento e acaba derrotado por James Hunt, num dos muitos resultados que influenciaram no título do piloto da McLaren. Ele sai quase desacordado de dentro de sua Tyrrell, numa das cenas mais emblemáticas da Fórmula 1 dos anos 70. Na chuva de Fuji, na última etapa, Patrick brilha de novo e chega em segundo. Saldo final: 39 pontos, sete pódios e o 4º lugar no Mundial de Pilotos.

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Derrapando junto com Ronnie Peterson em foto lendária na Curva do Sol do Autódromo de Interlagos em 1977: o P34 desandou naquele ano

Para 1977, com Jody Scheckter aceitando uma oferta irrecusável (US$ 250 mil à vista) de Walter Wolf, Ken Tyrrell trouxe Ronnie Peterson para ser o novo colega de Depailler. Contudo, a equipe perde o rumo: mesmo com Patrick trabalhando exaustivamente nos testes, o seis rodas vê sua competitividade bastante diminuída por conta de modificações que pioraram o desempenho do bólido. Num ano tremendamente infeliz para ambos os pilotos, Peterson só conseguiu um pódio, na chuva de Zolder. Depailler foi um pouquinho melhor: foi 2º colocado no Canadá e 3º na África do Sul e Japão. Acabou o campeonato em nono lugar, com 20 pontos.

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Com o modelo 008 convencional, venceu o GP de Mônaco e quase ganhou na África do Sul, superado pelo antigo colega de equipe Ronnie Peterson, na última volta

A Tyrrell abandonou o modelo P34 para 1978 porque a Goodyear também não tinha mais interesse em fabricar de forma exclusiva os pneus menores para as rodas dianteiras do carro. Derek Gardner projetou o convencional modelo 008 e foi com ele que Patrick Depailler conheceria a glória de sua primeira vitória na Fórmula 1, no GP de Mônaco, nas ruas de Monte-Carlo. Foi uma das últimas conquistas do time de Ken Tyrrell e Depailler, com cinco pódios no campeonato, acabou o campeonato em 5º lugar, com 34 pontos.

Ao fim daquele ano, um rude golpe: a Elf e o banco First National City (Citybank) cortavam os laços com a Tyrrell e Ken não pôde segurar Patrick Depailler por mais uma temporada. Rapidamente Guy Ligier, que expandia as operações de sua escuderia para dois carros, chamou o piloto para compor dupla com Jacques Laffite e lá ia Patrick para sua segunda equipe na Fórmula 1.

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Pódio em Interlagos no GP do Brasil de 1979 junto aos franceses Jacques Laffite (então seu companheiro de Ligier) e Didier Pironi (que na verdade foi o quarto colocado)

A equipe tem um início de campeonato de sonho. O modelo JS11, projetado por Gérard Ducarouge, é o que começa melhor a temporada, sob os auspícios do chamado efeito-asa inventado por Colin Chapman e que fizera do Lotus 79 o carro-referência para todas as equipes da Fórmula 1 em 1979. Com Laffite, o carro vence na Argentina e no Brasil, com direito a uma dobradinha inesquecível e acachapante em Interlagos.

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A bordo da Ligier JS11 em Monte-Carlo

Mas as coisas não seguem como o planejado nas etapas seguintes e Depailler, após um 5º lugar nas ruas de Long Beach, chega à sua segunda vitória de forma enfática no circuito espanhol de Jarama. O piloto ainda faz mais um 5º posto, em Mônaco, resultado que o deixou com 20 pontos entre 22 somados e em boa situação no campeonato de 1979.

Às vésperas do GP da França, que aconteceria em Dijon-Prenois, Patrick ruma a Clermont-Ferrand para uns dias de folga e seu espírito aventureiro irá lhe custar caro uma segunda vez na carreira: Depailler voa de asa delta e sofre um sério acidente, fraturando ambas as pernas. Furioso, Guy Ligier manda o piloto, que convalescia no hospital, embora do time e contrata o veterano Jacky Ickx, já na curva descendente da parábola no que dizia respeito à F-1, para o seu lugar.

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O último carro de corrida de Patrick foi a Alfa Romeo 179

Aos 35 anos, Depailler parecia, após o acidente de asa delta, acabado para a categoria máxima. Mas havia quem pensasse o contrário: a Alfa Romeo, que regressara em 1979 primeiro com um pesado modelo experimental e depois disto com o modelo 179, queria o francês como piloto de testes. E ele aceitou o desafio.

Na pré-temporada e no início do campeonato, Depailler caminhava amparado por muletas e fazia um comovente esforço para ganhar a confiança de toda a equipe da Alfa Romeo. Na primeira corrida, o GP da Argentina, qualificou-se em 23º lugar apenas, 0″22 mais rápido que Emerson Fittipaldi. Com esforço, chegou ao sétimo lugar, mas abandonou na 46ª volta, com o motor quebrado.

Em Interlagos, o francês classificou-se em 21º mas correu por pouco tempo, abandonando de novo. No GP da África do Sul, largou em sétimo e caiu para último na 10ª volta, onde ficou até ficar fora novamente na passagem número 53. Mas o trabalho de Depailler fazia o carro progredir a olhos vistos e o piloto conseguiu um fantástico 3º lugar no grid do GP dos EUA-Oeste, em Long Beach.

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Depailler desenvolveu o carro com muita paciência e os resultados começaram a aparecer

Patrick pulou para segundo após a largada, logo atrás de Nelson Piquet. Figurou com destaque entre os três primeiros até a 28ª volta e caiu para quarto quando foi superado por Gilles Villeneuve. Sua ótima corrida acabou na 41ª passagem, devido a um problema de suspensão em sua Alfa Romeo.

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Nas ruas de Mônaco: uma ótima apresentação antes de quebrar

Após abandonar de novo na Bélgica, Depailler mais uma vez foi excepcional com seu carro numa pista de rua: 7º no grid do GP de Mônaco, passou para quinto após a largada e estava confortavelmente instalado na quarta posição após o abandono de Alan Jones, quando o motor de seu carro expirou.

As últimas corridas de Patrick na Fórmula 1 acabaram sendo os GPs da França, em Paul Ricard e da Inglaterra, em Brands Hatch. Em ambas, ficou pelo caminho: na terra natal, sua Alfa apresentou problemas de dirigibilidade e na Inglaterra, foi o motor que o deixou na mão novamente.

Apesar da ausência de resultados, o trabalho de Depailler era elogiado e a equipe já acenava com uma possível renovação de contrato para a temporada de 1981. A Alfa Romeo programou para o fim de julho e início de agosto uma sessão de testes na pista de Hockenheim, visando o GP da Alemanha, e lá foi o francês para mais treinos e mais horas de voo a bordo da Alfa Romeo 179.

No dia 1º de agosto de 1980, durante os treinos na parte matinal, algo acontece de errado com a Alfa de Depailler na aproximação da Ostkurwe. O bólido estava a aproximadamente 250 km/h quando ocorreu uma guinada súbita e o choque violento e frontal com o guard-rail. Na batida, as pernas do piloto acabaram seccionadas. Nada pôde ser feito e Patrick André Eugène Joseph Depailler perdia a vida. Ele era casado e tinha um filho, Loïc, que ensaiou a carreira de piloto, abreviada no início dos anos 2000.

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Um registro pouco nítido do que sobrou da Alfa após a batida fatal

Sua carreira foi encerrada com um total de 95 GPs, duas vitórias, uma pole position, quatro voltas mais rápidas em prova, 19 pódios, 141 pontos somados, 164 voltas lideradas e 614 km na liderança. Depailler também percorreu um total de 21.297 km e 4.635 voltas durante todo o tempo em que esteve na Fórmula 1.

Foi uma pena que Patrick tivesse ido embora tão prematuramente. Quem sabe, talvez, ele tivesse tido a chance de mostrar a Guy Ligier que não estava acabado para o automobilismo.

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Infelizmente, a fatalidade chegou antes.

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