Outsiders: Brett Lunger, o piloto que foi à guerra

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Robert Brett Lunger: o homem que serviu ao Exército e guiou carros de F1 nos anos 70

RIO DE JANEIRO – No último dia 14, um piloto de pouco brilho na Fórmula 1 completou 68 anos. Com 34 GPs disputados no currículo, entre os anos de 1975 e 1978, sem pontuar nenhuma vez, o estadunidense Brett Lunger trazia dentro de si as marcas da guerra. Como representante das forças armadas de seu país, ele esteve no Vietnã por três anos. Um caso raro, talvez único, de um piloto de automobilismo que foi à guerra.

Natural de Wilmington, no estado de Delaware e nascido Robert Brett Lunger, ele tinha formação acadêmica refinada. Estudou em Princeton, uma das universidades mais conceituadas dos EUA, mas antes de ganhar o diploma, teve que servir a Tio Sam. Entrou na Marinha, tornou-se tenente e fuzileiro naval.

Lunger serviu com distinção na Guerra do Vietnã com um dos esquadrões de reconhecimento de elite que operavam na linha de frente e até mesmo por trás das linhas inimigas.

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Na Fórmula 5000 com um Eagle: Lunger era conhecido pelo apelido de “Rich Kid” (Menino Rico)

Após viver o horror de um conflito sangrento, Brett abandonou os galardões e o fardamento militar por outro tipo de uniforme: o macacão de piloto de competição. Na verdade, ele já tinha envolvimento com o esporte antes do Vietnã – e olha que ele não era propriamente um entusiasta quando se apaixonou de vez pelo automobilismo . Em 1966, aos 21 anos, ele era chamado de “rich kid” (menino rico) na série estadunidense Can-Am. Nos anos pós-guerra, Lunger disputaria a Fórmula 2 e provas de Fórmula 5000 também, com um Eagle feito este da foto acima.

A bordo de um March 722, o piloto disputou inclusive o Torneio Brasileiro realizado em Interlagos. Com o carro da Space Racing, ele terminou todas as corridas: oitavo na primeira rodada, sétimo na segunda e nono colocado na terceira, com bastante regularidade. Mas sua carreira naquela categoria não proporcionou a Brett resultados de grande monta: sua melhor performance foi em Mantorp Park, na Suécia, com um 4º lugar naquele mesmo ano de 72. Quando nada dava certo, não havia jeito que desse jeito: numa ocasião, o piloto conseguiu explodir três motores num único fim de semana, como aconteceu em Rouen Les Essarts, na França.

Ainda em início de carreira, Brett casou-se com a filha de Sir Leonard Crossland, que fora presidente da Ford britânica e era um executivo da Lotus, que construía carros de Fórmula 1. Não era propriamente um casamento pautado por interesses, mas é claro que o piloto usou das boas relações da família de sua mulher para cavar uma vaguinha na categoria máxima. E dinheiro nunca fora um problema. Afinal, ele não era o “rich kid” dos anos 60? Ele era herdeiro da Dupont, uma das maiores indústrias químicas dos EUA. Só que ele nunca tirou partido disso, assim como Peter Revson (herdeiro da Revlon), para chegar onde chegou.

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Estreando pela F1 com um segundo Hesketh 308 em 1975

Finalmente, no ano de 1975, Brett Lunger estreava na Fórmula 1. A bordo de um Hesketh 308 número #25, ele disputou três das últimas corridas daquele ano. A primeira prova foi na Áustria, em 17 de agosto. Largou em 17º e chegou em décimo-terceiro, sob chuva. No GP da Itália, o piloto foi o décimo colocado. E nos EUA, em sua primeira corrida caseira, foi vítima de um acidente e deixou a corrida.

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No cockpit do Surtees TS16 com que disputou parte da temporada de 1976

No ano de 1976, com o patrocínio dos cigarros Chesterfield, Lunger arrumou uma vaga de piloto fixo no Team Surtees. A equipe não veio ao Brasil para a abertura daquela temporada e a estreia do estadunidense no carro #18 aconteceu na África do Sul com um 11º lugar. Seus desempenhos, de fato, não eram empolgantes – ele chegou a ficar de fora em duas corridas, EUA (Long Beach) e Espanha. Mas Lunger escreveria seu nome na história numa ocasião importante para os rumos do campeonato.

Em 1º de agosto de 1976, ele estava no grid do GP da Alemanha em Nürburgring, largando da 24ª posição. Quando a corrida começou, sob tempo instável, chovia em diversos pontos da pista e havia pilotos ainda com pneus de pista seca passando por trechos já molhados. Niki Lauda foi um dos que pararam nos boxes para montar pneus biscoito em seu carro e o austríaco vinha entre os últimos colocados quando algo quebrou-se em sua Ferrari e ele bateu com violência na curva Bergwërk.

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O piloto foi um dos que tentaram resgatar Niki Lauda das chamas, no horroroso acidente do GP da Alemanha em 1976

Lunger vinha logo atrás de Lauda e não teve tempo de desviar da bola de fogo que se tornara o carro do austríaco, uma vez que naquela parte do Nordscheleife, os pilotos vinham em velocidades entre 210-230 km/h. Bateu na Ferrari e logo saltou do carro para tentar ajudar o companheiro de profissão que ardia dentro de um carro em chamas, com um extintor de incêndio em punho.

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Lunger, Guy Edwards e Arturo Merzario salvaram a vida de Niki Lauda, que ardia em chamas

A luta contra o incêndio travada por Brett e depois por Guy Edwards e Arturo Merzario é um dos momentos mais comoventes da história do esporte. Graças aos três, Lauda foi retirado ainda com vida, embora com graves lesões pulmonares e queimaduras igualmente sérias, do carro destruído. “Perto do que passei no Vietnã, salvar Lauda foi uma tarefa fácil”, declarou na época. O episódio foi revivido no blockbuster “Rush”, dirigido por Ron Howard e que foi exibido recentemente nos cinemas.

Logicamente, Lunger não retornou para a segunda largada e sua carreira ficaria marcada para sempre por esse episódio. Até o fim do campeonato de 76, ele conseguiria um 10º lugar na Áustria e um 11º em Watkins Glen.

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Ainda pela equipe de Bob Sparshott, mas já de McLaren M23, Lunger participou da temporada de 1977

No ano de 1977, o piloto deixou a Surtees. Com o apoio dos fiéis patrocinadores, acertou com a BS Fabrications, uma minúscula escuderia que alinhava carros particulares e chefiada por Bob Sparshott. Após saltar os GPs do Brasil e da Argentina, os dois primeiros do ano, Lunger reapareceu no GP da África do Sul, terminando em 14º lugar. Bateu em Long Beach, numa pista onde não se sentia à vontade e e foi 10º na Espanha. Foi sua última corrida com o chassi March 761, pois a equipe recebera um velho McLaren M23 e passaria a correr com ele até o fim do campeonato.

Mais uma vez, não foi um ano de desempenhos espetaculares. Mas Brett Lunger também não se expunha ao ridículo de atuações pífias, como já vimos muitos outros fazerem. O piloto fez um trabalho bastante honesto, terminando oito corridas e obtendo um 9º lugar no GP da Holanda, em Zandvoort, como melhor resultado.

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Numa das corridas da temporada de 1978, o piloto foi patrocinado pela marca de cigarros Lark

Em 1978, Brett renovou com a BS Fabrications e voltou a competir com o McLaren M23, já um carro com cinco anos de fabricação. Desta vez, a equipe veio para a “perna” sul-americana e foi em Jacarepaguá que ele conseguiu o melhor grid da carreira, um 13º lugar, abandonando o GP do Brasil disputado num calorento verão carioca, com superaquecimento no motor de seu carro.

No Daily Express International Trophy, corrida extracampeonato disputada em Silverstone, Lunger foi um dos poucos que conseguiu sobreviver ao caos numa chuva torrencial que tirou vários pilotos do traçado. O estadunidense chegou em quarto, ainda que muitas voltas atrás de Keke Rosberg, que deu show num precário Theodore. Acabaria sendo o melhor resultado de Brett na F-1, ainda que numa corrida sem pontos para o campeonato daquele ano.

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Na segunda metade do Mundial de 1978, Lunger passou a competir com um McLaren M26. Aqui, ele acelera em Brands Hatch

Em Zolder, na Bélgica, o piloto chegou em 7º após partir da última colocação, por pouco não marcando seu primeiro ponto na categoria. Já a bordo do modelo M26, mais moderno que o antecessor, terminou em oitavo em Brands Hatch e Zeltweg. Na Áustria, ele ganhara um companheiro de equipe: o brasileiro Nelson Piquet juntou-se a Lunger para disputar três corridas com o time de Bob Sparshott, por indicação de Jack Brabham.

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Turma do fundão: ao lado do mexicano Hector Rebaque (#25), a bordo do Ensign N177 #23 no GP dos EUA, o último dele na F1

Mas enquanto Nelson já estreava – ironia do destino – na própria Brabham no GP do Canadá daquele mesmo ano de 1978, a carreira de Lunger na Fórmula 1 chegara ao fim. A última corrida do piloto foi o GP dos EUA, em Watkins Glen, a bordo de um Ensign N177, número #23. Brett largou em 24º e terminou em décimo-terceiro lugar.

Brett deixou a Fórmula 1 com 43 aparições e 34 GPs disputados, num total de 1.713 voltas percorridas, perfazendo 8.139 km no total. Tornou-se analista de Fórmula 1 para as transmissões da rede de televisão estadunidense CBS, trabalhando inclusive com Jackie Stewart. E após deixar a universidade para trás e lutar pela honra de seu país no Vietnã, retornou a Princeton e completou enfim a sua graduação acadêmica.

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Mesmo depois dos 50 anos, Lunger jamais deixou de lado as atividades físicas. Dedicou-se ao ciclismo e a participar de maratonas, mantendo a forma e a mente sã.

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