Discos eternos – Titanomaquia (1993)

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RIO DE JANEIRO – Na mitologia grega, Titanomaquia foi a guerra entre os Titãs, liderados por Cronos e os Deuses Olímpicos, liderados por Zeus, que definiria o destino do Universo. Zeus derrotou Cronos depois de uma luta que durou dez anos.

Na música brasileira, mais precisamente no rock, Titanomaquia é o título do sétimo álbum de estúdio dos Titãs, que no início dos anos 90 direcionavam seu som para algo muito mais próximo do que se fazia em Seattle do que em qualquer outro lugar do mundo.

Corria o ano de 1992 e o grupo sofria sua primeira baixa. Arnaldo Antunes, cabeça pensante, compositor de vários dos clássicos titânicos desde a formação do grupo e líder natural da banda no palco, parte para carreira solo. Porém, os laços não são rompidos e ele contribui com várias músicas do novo disco.

Lançado um ano antes da debandada de Arnaldo, Tudo ao Mesmo Tempo Agora fora a primeira guinada do grupo rumo a sonoridades mais, digamos, sujas, mais pesadas. E por isso mesmo, foi massacrado pela crítica musical. Titanomaquia foi a cereja do bolo. Tanto que o disco foi produzido por Jack Endino, que trabalhara com o Nirvana em Bleach, primeiro disco do grupo de Kurt Cobain.

Essa guinada dos Titãs continuava incomodando a crítica. Nem todos foram receptivos quanto à mudança de postura do grupo no palco e à atitude sonora, com mais guitarras, mais vocais gritados e torrentes de palavrões. Nem tudo foi tão ruim, porque alguns fizeram resenhas elogiosas ao disco e, se as vendas não foram tão boas quanto nos tempos de Cabeça Dinossauro Ô Blesq Blom, as apresentações ao vivo continuavam ótimas – como sempre.

As rádios roqueiras tocaram várias das faixas, em especial “Será que é disso que eu necessito?”, de vocais urrados por Sérgio Britto e a ótima “Nem sempre se pode ser Deus” (‘Por isso que estou gritando… por isso que estou gritando… por isso que estou gritando!’), em excelente performance de Branco Mello.

O grupo mantém a velha veia irônica em músicas como “Taxidermia” (‘Se eu tivesse seus olhos eu seria famoso!’), “A verdadeira Mary Poppins” (‘Eu sou o verdadeiro Bruce Lee… eu sou o verdadeiro Bob Marley… eu sou o verdadeiro Peter Sellers… eu sou a verdadeira Mary Poppins… eu sei que estou fedendo, eu sei que estou apodrecendo’), “Felizes são os peixes” (‘Tanto faz… é igual… felizes são os peixes… felizes são os peixes’) e “Agonizando” (‘Até morrer, até morrer… até espumar, até ferver… até morrer, até morrer… até secar, até apodrecer… agonizando… agonizando… agonizando’).

Outra música que merece destaque é “Hereditário”, não pelo fato de – assim como “Será que é disso que eu necessito?”, “Nem sempre se pode ser Deus” e “Taxidermia”, ter tido clipe na MTV. Mas sim porque foi a única música com Nando Reis numa das parcerias. O baixista, que já flertava com a MPB, em momento algum estava em sintonia com o viés mais roqueiro e mais punk do grupo – e mesmo assim, apareceu nos shows de cabeça raspada, visual super agressivo.

A turnê de divulgação de Titanomaquia de fato foi um sucesso, os shows foram, em sua grande maioria, sensacionais e com o fim das apresentações, o grupo deu um tempo dos palcos. Vieram projetos paralelos – Sérgio Britto e Branco Mello formaram o grupo Kleiderman com Roberta Parisi; Paulo Miklos lançou um (ótimo) disco solo, assim como Nando Reis e Tony Bellotto estreou como romancista, lançando Bellini e a Esfinge.

Como curiosidade final: o disco veio, na sua versão em LP (que eu tive, claro, afinal estamos falando de 1993, um ano onde nem todo mundo tinha aparelho de reprodução de Compact Disc), num invólucro preto com o nome do álbum em uma tipografia de letras bem rústicas – já que na arte final concebida por Fernando Zarif não há uma única menção ao nome do grupo, quanto mais ao nome do disco.

Talvez tenha sido o último suspiro de uma grande banda que deixou sua marca no rock brasileiro porque, a aparentar pela qualidade dos discos que vieram a seguir, a energia titânica de outrora deixou de existir.

Ficha técnica de Titanomaquia
Selo: Warner Music
Gravado entre setembro de 1992 e março de 1993 no estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro
Produção de Jack Endino
Duração: 35’57”

Músicas:

1. Será que é disso que eu necessito? (Sérgio Britto)
2. Nem sempre se pode ser Deus (Sérgio Britto/Branco Mello)
3. Disneylândia (Arnaldo Antunes/Paulo Miklos)
4. Hereditário (Arnaldo Antunes/Tony Bellotto/Nando Reis)
5. Estados alterados da mente (Arnaldo Antunes/Branco Mello)
6. Agonizando (Sérgio Britto)
7. De olhos fechados (Arnaldo Antunes/Paulo Miklos)
8. Fazer o quê (Sérgio Britto/Charles Gavin/Arnaldo Antunes)
9. A verdadeira Mary Poppins (Sérgio Britto/Marcelo Fromer/Paulo Miklos)
10. Felizes são os peixes (Sérgio Britto/Branco Mello)
11. Tempo pra gastar (Sérgio Britto/Marcelo Fromer/Charles Gavin)
12. Dissertação do Papa sobre o crime seguida de orgia (Arnaldo Antunes/Branco Mello)
13. Taxidermia (Paulo Miklos/Tony Bellotto/Arnaldo Antunes)

Comentários

  • Ótima análise Rodrigo! Esse disco é muito bom, embora eu prefiro os da fase (86-89) e tbm o “Tudo ao mesmo tempo agora”. Gosto muito da faixa “Fazer o quê”, cantada pelo Brito.

    Acho que a grande marca desse álbum, é a não rotulação do disco dentro de alguma vertente do rock. Ele é produzido por um cara do grunge, mas as músicas não se encaixam no estilo. Tem o peso do heavy metal, mas não tem estrelismos em solos de guitarra ou algo do gênero. E tem a verve titânica nas letras e na concepção do disco. Um verdadeiro discos dos Titãs.

    • Disse tudo, Victor!
      Depois disso foi só um tal de remix, remasterizado, re-oc@r@lhoa4 (desculpe o termo, RM. . .se quiser pode deletar, ok!).
      Em resumo, criatividade ZERO, ficaram parados no tempo, novidade mesmo que é bom. . .
      Mas como fazem parte da patotinha dos por cima da carne seca, continuaram sendo incensados pela crítica subserviente, que sempre levantou a bola dos figuras, que são tratados feito super-heróis, principalmente o Sr. Tony Belotto. . .
      O mais competente de todos é o Paulo Miklos, que inclusive já andou se aventurando, e bem, pelo cinema.

      • Concordo, apesar de lançarem álbuns legais como “Domingo” e “A Melhor banda de todos…”, A banda se acomodou e acabou sentindo o baque com a morte do Fromer e logo depois, com a saída do Nando Reis.

        O sucesso dos acústicos, elevou eles há um estrelismos muito popular, e com isso, a acomodação de se sentirem TOP mais uma vez (acharam que seria pra sempre) acabou fazendo eles virarem escravos do excesso de shows e aparições públicas… Agora que estão um pouco sumidos, de repente, poderemos ver mais uma virada da banda, o que eu acho pouco provável

  • Olha que desonestidade creditar as músicas aos falsos autores. No encarte do álbum com exceção de Disneylândia, Hereditário e De Olhos Fechados(que foram compostas ainda com Arnaldo Antunes na banda) todas as outras músicas a autoria é coletiva, ou seja, da banda toda. Eu acredito que o autor do texto tenha arriscado a sugerir quem criou tal música, ou então pegou de um site tendencioso e sem credibilidade. Mas algumas músicas eu até concordo, mas Dissertação pelo que eu saiba é apenas do Britto e do Branco. A letra não é deles, já que foi retirada do texto de mesmo nome do Marquês de Sade. Estados Alterados da Mente pelo que eu saiba é apenas do Britto e do Branco. Agora a não ser que exista alguma entrevista com alguns dos Titãs comentando sobre o real autor de cada música. Esse é o grande barato de quando a banda assina em coletivo, a gente tentar adivinhar quem criou o que.