Obrigado, Luciano do Valle

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RIO DE JANEIRO – Quem ama o esporte de uma maneira geral, como eu ou muitos dos leitores deste blog está, sem dúvida, muito triste. Morreu neste sábado, aos 66 anos de idade (e não 70, como anteriormente havia escrito), o locutor esportivo Luciano do Valle. Ele viajava para Uberlândia, no Triângulo Mineiro, para trabalhar numa partida da 1ª rodada da Série A do Campeonato Brasileiro, passou mal no voo e não resistiu a um mal súbito, vindo a falecer às 16h15 no Hospital Santa Genoveva.

Na opinião deste blogueiro, Luciano foi o narrador mais completo da história da televisão brasileira. Ele não se limitava ao futebol, apenas e tão somente, como vários da atualidade. Era polivalente. E brilhante, em várias modalidades. Do boxe ao tênis, da Fórmula 1 ao judô, ele fazia de tudo. E bem-feito.

Digo isso sem medo de errar porque, felizmente, eu presenciei o auge da carreira do Luciano. Diria que no intervalo compreendido entre a Copa de 1982 e o início da década passada, o homem voava. E voou alto, em ares onde nenhum outro jornalista jamais ousou sobrevoar. Ao deixar a Rede Globo, pedindo demissão após a Copa do Mundo de 1982 e desafiar o poderio de sua antiga casa, introduzindo ao público brasileiro o vôlei ao vivo, trouxe na tela da Record, emissora pela qual passou ainda naquele ano, a ousadia de um Brasil x URSS sob chuva no Maracanã lotado por 95 mil pessoas para ver a formidável geração que tinha Zaitsev e Savin jogar contra Renan, Willian, Montanaro, Amauri e outros grandes nomes do esporte no país. E os russos perderam. E Luciano, de um dia para o outro, se tornou o dínamo do esporte na televisão brasileira.

Em 1984, na Bandeirantes, casa em que trabalhou até o fim da vida (com um pequeno hiato entre 2003 e 2006, quando voltou à Record), revolucionou o conceito de esporte na telinha. Introduziu o lendário Show do Esporte e fez história, não só com o programa, de mais de oito horas initerruptas nas tardes/noites de domingo, como também foi capaz de trazer ao nosso dia-a-dia, modalidades que nunca tinham tido projeção.

Luciano foi um pioneiro, a ponto de fazer a sinuca, dos malandros da Lapa e dos bares pouco frequentáveis, um esporte para se assistir, torcer e vibrar. Não há quem não conheça Rui Chapéu e se lembre de Carne Frita, Praça e Roberto Carlos graças a ele. No boxe, por suas mãos, vieram Chiquinho de Jesus, Luciano “Todo Duro” e Adílson “Maguila” Rodrigues. Vimos lutas lendárias de Sugar Ray Leonard com sua personalíssima voz. E presenciamos o surgimento de um fenômeno que massacrava adversários em menos de três minutos: Mike Tyson.

Não paro por aqui, não. O Luciano foi o primeiro a narrar NBA na televisão brasileira – e na TV aberta! Desfilou sua competência ao lado de Edvar Simões, narrando a histórica final entre Lakers e Boston em 1987, que me fez apaixonar de imediato pelo Showtime de Byron Scott, James Worthy, AC Green, Earvin ‘Magic’ Johnson e Kareem Abdul-Jabbar. Virei um torcedor devotado dos Lakers de Los Angeles, e o culpado disso foi o Luciano. A NFL também ganhou espaço na Band graças a ele, que narrou um Superbowl com o Washington Redskins campeão.

Pensa que acabou? Calma, gente… tem mais, muito mais: como é que todos nós conhecemos a Fórmula Indy? Claro, pela voz do Luciano do Valle. Voz de narrações épicas das vitórias de Emerson Fittipaldi nas 500 Milhas de Indianápolis e o título de 1989. Afora outros triunfos fantásticos dos nomes que sucederam o grande Rato. Ele também pode – e deve – ter o mérito de fazer de Paula e Hortência mitos do basquete, assim como Oscar Schmidt. Quem há de esquecer das narrações do Mundial de 1994, histórica conquista das meninas? Ou então do épico jogo do Pan de Indianápolis, Oscar comendo a bola e deixando os ianques atônitos diante de uma vitória inesquecível?

E não podia faltar o futebol: o Luciano criou a seleção de Masters, trouxe para os holofotes do presente (isso nos anos 80/90) velhos ídolos de um passado nem tão distante, mas que um país sem memória feito o nosso trata de enterrar na vala do esquecimento sem a maior piedade. Voltamos a vibrar com a “Patada Atômica” do Rivellino, os gols de Cláudio Adão, os lançamentos de Mário Sérgio, a bomba de Nelinho, a graça de Cafuringa… vimos Zico e Pelé ainda mostrando classe infinita. Tudo graças ao Luciano Do Valle, que não só ousou com o projeto como se tornou treinador dessa turma toda!

O esporte deve muito a ele. Com desprendimento, ousadia e personalidade, Luciano do Valle deixou a sua marca na televisão e em diversas modalidades. Fez, sozinho, muito mais do que muitos dirigentes de cargos bem-remunerados, que prometem e nada fazem.

Luciano completou 50 anos de carreira ano passado e se preparava para trabalhar em mais uma Copa do Mundo, se não me engano seria a 11ª dele como profissional de televisão – errei nas contas: ele caminhava para a 12ª. O homem de uma carreira tão longeva, tão bem-sucedida, mas que vinha prejudicada por seguidos problemas de saúde, não pensava em parar.

O esporte foi a vida desse homem. Do começo, ao fim.

É um sábado muito triste. Mesmo eu, que jamais tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, feito muitos colegas de profissão que tiveram a chance, fico arrasado.

Obrigado, Luciano do Valle. Obrigado por tudo. Só nos resta lhe pagar tributo, relembrando suas narrações que, felizmente, serão eternas.

Abaixo, alguns vídeos em homenagem a esse grande profissional da televisão e do jornalismo esportivo brasileiro.

http://youtu.be/XiBqH-dkFAE

Programa Bola da Vez, ESPN Brasil, em 24 de setembro de 2013

Antológica narração de um gol de Zico no Mundão do Arruda, numa partida entre Brasil x Iugoslávia, 1986

Copa América de 1979, num Maracanã lotado: Brasil x Argentina, com Maradona em campo

http://youtu.be/RVxEWmDS4UY

5 de julho de 1982: o dia da última narração de Luciano Do Valle pela Globo. O que ele faz no gol de Falcão arrepia, até hoje

http://youtu.be/MJkJaQZH7VI

Outro momento épico: 500 Milhas de Indianápolis, 1989. Vitória de Emerson Fittipaldi. Narração histórica do Luciano

A última corrida de Fórmula 1 que Luciano Do Valle narrou ao vivo na Globo. Título de Nelson Piquet no GP dos EUA, 17 de outubro de 1981. Inesquecível!

A voz emocionante e emocionada de um momento histórico: Brasil campeão mundial feminino de Basquete, em 1994. Auge da geração de Paula e Hortência

Comentários

  • Rodrigo,

    Belíssima homenagem a aquele que, além de ser a mais bela e perfeita voz da narração esportiva na TV brasileira, foi incansável incentivador de todos os esportes. Como você disse, fez muito mais pelo esporte nacional do que todos os administradores oficiais (cartolas).

    Descanse em paz Luciano, voce foi GRANDE !!!

    Antonio

  • O esporte deve muito a ele. Com desprendimento, ousadia e personalidade, Luciano Do Valle deixou a sua marca na televisão e em diversas modalidades. Fez, sozinho, muito mais do que muitos dirigentes de cargos bem-remunerados, que prometem e nada fazem.

    O esporte foi a vida desse homem. Do começo, ao fim.

    Assino embaixo essas duas frases que vc colocou Rodrigo,vc foi absolutamente feliz e preciso nessa.

    Que Deus receba Luciano do Valle de braços abertos no céu.

  • Belo texto Rodrigo, o cara mudou muita coisa na televisão. Só uma pequena correção a narração da vitória do Brasil no Pan de 87 pela Band foi de Osmar de Oliveira , salvo engano O Bolacha narrou a partida das meninas tb final com os EUA.

  • Perfeito texto.
    Confesso que fui um critico do locutor por alguns momentos, principalmente, por confundir alguns nomes nas transmissoes da Indy mas inegavel sua
    Dedicacao e pioneirismo nas transmissoes das mais diversas modalidades. Isso num pais que so tem olhos para o futebol.
    Descanse em paz!!

  • Super atrasado no comentário, só pude assistir agora a magistral entrevista ao Bola da Vez.
    Agradecendo à você, Rodrigo Mattar, pela oportunidade de nos proporcionar desfrutar desse momento mágico que foi essa entrevista com o já saudoso Luciano do Valle, sem dúvida um dos grandes nomes do esporte em todos os tempos!
    Abraço.
    Zé Maria