Discos eternos – O samba é a corda… os Originais a caçamba (1972)

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RIO DE JANEIRO – Eles começaram como Os Modernos do Samba na década de 60. Na primeira oportunidade que tiveram para se apresentar na América Latina, ficaram conhecidos como Los Sete Diablos de la Batucada. E só então mudaram para o nome que perdura até hoje: Originais do Samba.

Este foi o grupo em que Mussum, o popular e inesquecível integrante d’Os Trapalhões, apareceu para o estrelato. Tocando seu reco-reco, Kid Mumu da Mangueira liderava o grupo informalmente, além de, com muito bom humor, temperar as apresentações dos Originais, que acabavam em carnaval – quase sempre, como aconteceu no Midem, em Cannes, quando tocaram com Jair Rodrigues.

A primeira e lendária formação do grupo, além de Mussum, tinha Bidi (cuíca), Lelei (tamborim), Chiquinho (agogô), Rubão (surdo) e Bigode do Salgueiro (pandeiro) – que entrou no lugar de Jonas, o primeiro pandeirista, ainda nos tempos de Os Modernos do Samba. Com grande competência, o grupo tocou em diversos festivais de música, como apoio de Elis Regina em “Lapinha” e de Jair Rodrigues em “Canto Chorado”, na Bienal do Samba da TV Record em 1968 e, no mesmo ano, de Martinho da Vila em “Casa de Bamba” no IV Festival de Música Popular Brasileira. Na edição seguinte, foram o grupo de apoio de Márcia em “Gostei de Ver”, música que terminou entre as seis primeiras classificadas.

Diante do sucesso colhido no Midem e da competência demonstrada nos festivais, os Originais do Samba acabaram contratados pela RCA Victor em 1969 para lançar um LP por ano – o que foi seguido à risca até 1979, quatro anos antes do fim do acordo entre grupo e gravadora. O sexteto infernal no batuque não se limitava à percussão: os integrantes mostravam sua categoria sambando no pé (Mussum saía como destaque de chão da sua querida Estação Primeira de Mangueira) e cantavam – muito bem, por sinal.

Em 1972, os Originais, no auge da carreira, lançaram um dos melhores trabalhos da discografia do grupo. O samba é a corda… os Originais a caçamba atingiu também números expressivos de vendas. Foram 100 mil cópias comercializadas nas lojas, conferindo ao grupo um suado e também sonhado disco de ouro. E no quesito samba, eles conseguiam tirar o sono de Martinho da Vila, o campeão de vendagens na RCA Victor.

Não era para menos: eles conseguiram estourar com dois dos grandes sucessos de 72/73: a primeira faixa, “Do lado direito da rua direita”, imediatamente virou sucesso em São Paulo, cidade em que os Originais – mesmo sendo cariocas – decolaram para o estrelato. E depois, claro, atingiria as rádios do Brasil inteiro. A composição de Chiquinho e Luiz Carlos recebeu algumas ressalvas, principalmente de Mussum, mas não teve jeito. Mesmo com uma letra longe de ser poética e melódica, o sambão – aposta de Bidi, que acreditava em seu sucesso – era irresistível e o forte apelo popular da música a levou como um foguete para as paradas.

Mas nada se compara, nada mesmo, ao maior clássico do grupo. “Esperanças Perdidas”, de Adeílton Alves e Décio Carvalho é, até hoje, a música que representa melhor do que qualquer outra os Originais do Samba dentro do cenário do gênero e na MPB.

Quantas belezas deixadas nos cantos da vida
Que ninguém quer e nem mesmo procura encontrar
E quando os sonhos se tornam esperanças perdidas
Que alguém deixou morrer sem nem mesmo tentar

Minha beleza encontro no samba que faço
Minhas tristezas se tornam um alegre cantar
É que carrego o samba bem dentro do peito
Sem a cadência do samba não posso ficar

Não posso ficar
Eu juro que não
Não posso ficar eu tenho razão
Já fui batizado na roda de bamba
O samba é a corda e eu sou a caçamba

Quantas noites de tristeza ele me consola
Tenho como testemunha minha viola
Ai! Se me faltar o samba não sei o que será
Sem a cadência do samba não posso ficar!

Não posso ficar,
Eu juro que não
Não posso ficar eu tenho razão
Já fui batizado na roda de bamba
O samba é a corda e eu sou a caçamba

E se o samba é a corda e os Originais a caçamba, eles também nos presentearam com “E lá se vão meus anéis”, clássico de Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro, além de duas inéditas de Jorge Ben, emérito colaborador do grupo, escrevendo exclusivamente para eles as excelentes “Lá vem Salgueiro” e “Tereza”.

Ainda havia “A volta do ponteiro”, música que o grupo defendeu no último FIC da Globo, realizado em 1972, além de muitas referências a ritmos do Nordeste e da África. Não foram esquecidos, também, os sambas de quadra e nem mesmo os pontos de umbanda. O grupo também deu espaço a um desconhecido compositor de Volta Redonda, chamado Wando, que ainda não sonhava em ser o “Obsceno”, tentando emplacar suas primeiras composições – que eram sambas, alguns deles de ótima qualidade, por sinal. Neste disco, os Originais gravaram “Catimba criolo”.

Como muita gente sabe, no mesmo ano de 1972, Mussum começou a trabalhar na televisão com Renato Aragão e Dedé Santana, deixando definitivamente o grupo após o lançamento de Clima total, em 1979. E só parou de fazer todo mundo rir com sua figura divertida, querida e hilária quando se empirulitou, 22 anos depois, em decorrência de complicações pós-transplante cardíaco.

O grupo Originais do Samba ainda existe – por sinal, Bigode do Salgueiro, com 72 anos de idade, é o mais longevo integrante, compondo a formação atual com Scooby, Rogério e Juninho. Além de Mussum, faleceram Rubão, o primeiro surdista; seu sucessor, o divertidíssimo Branca de Neve e o cuiqueiro Bidi. Lelei, o tamborinista, virou escritor e humorista. Chiquinho aposentou-se.

Ficha técnica de O samba é a corda… os Originais a caçamba
Selo: RCA Victor
Gravado em São Paulo no ano de 1972
Músicas:

1. Do lado direito da rua Direita (Chiquinho/Luiz Carlos)
2. Catimba criolo (Wando)
3. Ciranda, cirandela [Recife em dia de festa] (Carvalho/Zapata)
4. Esperanças perdidas (Adeílton Alves/Décio Carvalho)
5. Cravos e rosas (Luiz Carlos/Lelé)
6. As três capitais (Bidi)
7. A volta do ponteiro (Beto Scala/São Beto)
8. Eu vou pagar pra ver (Luiz Wanderley/Antônio Aguiar)
9. Tchuna Macurucaiao (José Roberto/Bulau/Lelé)
10. Boi-Bumbá (Toninho/Jorge Veiga/Zito de Souza)
11. Tereza (Jorge Ben)
12. E lá se vão meus anéis (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
13. Lá vem Salgueiro (Jorge Ben)

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