Outsiders: o “Captain Nice” Mark Donohue

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Mark “Captain Nice” Donohue posando ao lado do McLaren com que venceu a Indy 500 de 1972

RIO DE JANEIRO – A série dos Outsiders das pistas está de volta e hoje o blog traz a biografia de um dos melhores pilotos dos EUA em todos os tempos: Mark Donohue, de vida vitoriosa e fim trágico.

Nascido Mark Neary Donohue Jr. em 18 de março de 1937, na cidade de Summit, no estado de Nova Jersey, desde cedo, interessou-se pelos carros e por mecânica, tanto que graduou-se em engenharia na Brown University, em 1959. Nessa época, Donohue já era dono de um velho Chevrolet Corvette ’57, com que disputou suas primeiras corridas. Participou de uma subida de montanha em Belknap County, New Hampshire – e logo na estreia venceu.

Walt Hansgen reconheceu as habilidades do piloto, que em 1961 venceu a bordo de um Elva Courier o SCCA National Championship, certame de protótipos do Sports Car Club of America. E o levou para a equipe oficial da MGB, pela qual Mark disputou ao lado do veterano Hansgen as 500 Milhas de Bridgehampton – e os dois venceram. Vendo que a parceria poderia ser frutífera, Walt inscreveu-se nas 12 Horas de Sebring em 1965 ao lado da jovem promessa, então com 27 anos. Com uma Ferrari 275, chegaram na 11ª colocação.

Campeão na classe B do SCCA com um Shelby Mustang GT350 e na Fórmula C com um Lotus 20B, Donohue continuava caindo nas graças de Hansgen, que o indicou para a equipe oficial Ford. Como prêmio, Mark foi um dos pilotos do construtor de Detroit nas 24 Horas de Le Mans de 1966, pela escuderia Holman & Moody. Contudo, a primeira experiência do piloto em Sarthe ao lado de Paul Hawkins durou somente 12 voltas a bordo do GT40, devido a uma falha no diferencial. Antes, porém, Donohue e Hansgen chegaram em 3º nas 24h de Daytona e em segundo nas 12h de Sebring.

O destino faria a vida de Mark Donohue se cruzar com a de um velho conhecido nas pistas. Em 7 de abril daquele ano de 1966, Walt Hansgen morreu aos 46 anos. No funeral, Roger Penske indagou a Mark se ele gostaria de estrear por sua escuderia em Watkins Glen. O começo não foi dos mais felizes: Donohue destruiu completamente o carro que lhe foi entregue.

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No Ford GT40 #2 divido com Bruce McLaren, o piloto foi 4º colocado das 24h de Le Mans em 1967

Mesmo após o mau resultado na estreia em Sarthe, a Ford chamou Mark novamente para disputar as 24h de Le Mans. Colocou o estadunidense ao lado de ninguém menos que Bruce McLaren, o neozelandês que já começava como construtor de carros de F1. Os dois não se entenderam quanto ao ajuste do Ford GT40 MKIV. Cada um tinha um estilo de pilotar e as discordâncias foram a tônica da parceria. Apesar disto, conseguiram um excelente 4º lugar.

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A bordo do Lola T70 Chevrolet do Team Penske: Donohue foi campeão do USRRC

O ano de 1967 foi sensacional na carreira de Donohue: aos 30 anos, ele venceu o United States Road Racing Championship com o Lola T70 MKIII de motor Chevrolet. Com sete provas disputadas ao longo do certame, venceu seis – Las Vegas, Riverside, Bridgehampton, Mid-Ohio, Watkins Glen e Pacific Raceways – e foi 3º colocado em Laguna Seca.

Ao mesmo tempo, disputou a Trans-Am com três vitórias conquistadas em 12 provas a bordo de um Camaro, vencendo em sua classe nas 12h de Sebring. Sem dúvida, um ano profícuo na carreira do “Captain Nice”.

Na temporada seguinte, o USRRC foi de novo dominado por Donohue. Desta vez a bordo de um McLaren M6A com motor Chevrolet, o piloto não disputou a primeira prova no México e, em que pese os três abandonos registrados ao longo do ano, venceu o campeonato com sobras. Ele tornou-se bicampeão da Trans-Am, com 10 vitórias em 13 etapas, recorde que só seria superado por Tommy Kendall muito tempo depois.

O piloto tornou-se o “Rei” da Trans-Am, embora a Penske ficasse conhecida em algumas ocasiões por burlar o regulamento em busca de um carro mais leve e mais rápido. Roger e Donohue foram os introdutores do lastro adicional no automobilismo, colocando peso interno para atingir as medidas regulamentares. No começo, apanharam feio – mas depois acertaram a mão e foi só alegria. Primeiro com os Camaro e depois com os Javelin da American Motor Company (AMC), a parceria Penske-Donohue colecionou mais títulos.

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Com outro Lola T70, desta vez o MKIIIB, Donohue e seu parceiro Chuck Parsons ganharam as 24h de Daytona em 1969

A excelência da Penske não se limitou às competições de Turismo: em 1969, o time inscreveu um protótipo Lola T70 MKIIIB com motor Chevrolet e venceu com ele as 24h de Daytona, sempre com Mark Donohue e ao lado de Chuck Parsons. E nos monopostos, a primeira experiência foi logo na Indy 500 e o “Captain Nice” foi razoavelmente bem: 7º colocado. Melhorou ainda mais em 1970, quando foi o vice-campeão da clássica prova do USAC.

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Com a lendária Sunoco-Ferrari 512M da equipe Penske-White: duas pole positions em Daytona e Sebring, na temporada de 1971

No ano seguinte, a Penske inscreveu a lendária Ferrari 512 M com as cores azuis da Sunoco e o apoio do revendedor de Ferrari nos EUA Kirk F.White. Por isso, a equipe foi chamada de Penske-White Racing. Roger recebeu o carro inteiramente desmontado e recondicionado. O motor foi inteiramente reconstruído na Traco, especalista em preparação dos possantes propulsores Can-Am e atingiu 600 HP de potência, o que proporcionou a pole position nas 24h de Daytona, no primeiro confronto direto com os Gulf-Porsche 917 da equipe de John Wyer. Donohue e David Hobbs terminaram na 3ª colocação.

Em Sebring, Donohue foi de novo brilhante e conquistou a segunda pole position consecutiva da 512 M. Mas um contato com Pedro Rodriguez trouxe danos ao carro, que acabou a prova em sexto. Além de rápido, o carro da Penske-White tinha outra vantagem: nos reabastecimentos, o time conseguia trabalhar melhor que os rivais.

A equipe foi à França e inscreveu-se nas 24h de Le Mans. Correndo com o dorsal #11, a dupla Donohue/Hobbs conseguiu o quarto melhor tempo no treino classificatório. Mas eles perceberam logo que a corrida não seria das mais fáceis: a Ferrari do time estadunidense não tinha a aerodinâmica tão refinada quanto os times europeus e faltava velocidade. O carro chegava aos 320 km/h no retão Les Hunaudières, mas os Porsche 917 na configuração “Langheck” (traseira longa) eram ainda mais velozes, atingindo incríveis 380 km/h – sem pneus slicks, é bom lembrar. Faltava arrasto aerodinâmico à Ferrari, e tanto Donohue quanto Hobbs compensavam isso ‘no braço’ nos trechos mais lentos. Um problema de motor, contudo, acabou com a aventura. A Ferrari 512 M seria logo aposentada, pois o regulamento para 1972 previa o uso de motores 3 litros, contra a mecânica de 5 litros dos grandes protótipos daquela época.

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Estreia com pódio na F1: Donohue foi 3º colocado do GP do Canadá, em Mosport

No fim do ano, Roger Penske inscreveu um McLaren M19A com motor Ford Cosworth V8 para a disputa do GP do Canadá de Fórmula 1. Não tinha sido um ano dos mais entusiasmantes para o time de Bruce McLaren, ofuscado – como todas as outras equipes da categoria – pelo desempenho da Tyrrell e de Jackie Stewart em especial. Porém, com um carro não-oficial, Donohue conseguiu o melhor resultado do construtor em 1971.

Largando em 8º entre 24 pilotos no circuito de Mosport, Donohue alcançou um incrível terceiro lugar, à frente de Denny Hulme. Não à toa, o pódio do estreante chamou a atenção e todo mundo se perguntou se ele seria capaz de façanha semelhante na última prova do campeonato, o GP dos EUA, em Watkins Glen. Mas o “Captain Nice” não disputou a corrida, sendo substituído por David Hobbs, por compromissos anteriormente assumidos.

A versatilidade de Donohue não tinha fim: ele venceu uma prova da Nascar no circuito de Riverside, em 1972. E no mesmo ano, entrou na pista de Indianápolis com o McLaren M16 Offenhauser azul-escuro com o patrocínio Sunoco para fazer história. Aos 35 anos, o piloto vencia a Indy 500, com a média recorde na época de 162.962 mph (262,21 km/h).

Numa parceria com a Porsche, a Penske Racing foi escolhida para ser o time oficial do construtor alemão na Série Can-Am, dos possantes protótipos que chegavam a 800 HP. Mark Donohue foi imediatamente escalado para ser o piloto de testes e desenvolvimento, recomendando – assim que sentou no carro e o experimentou pela primeira vez – o uso de dutos de freio maiores, para evitar o superaquecimento de pinças e pastilhas, além do inevitável fading, que afetaria sobremaneira o desempenho e a pilotagem.

E num teste em Road Atlanta, um acidente pôs fim ao trabalho de Donohue. Como consequência, uma fratura numa perna, que o deixou fora das pistas pelo resto do ano. O volante foi assumido por George Follmer e, bem ao seu estilo, Mark comentou sobre a troca.

“Não me sinto bem vendo outro cara dirigindo o meu carro, que conhecia tão bem. É mais ou menos como flagrar um outro homem na cama, com sua mulher.”

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Domando a fera: com o bestial Porsche 917/30, um dos mais potentes carros da história, Donohue venceu a série Can-Am em 1973

O acidente não foi empecilho para que a parceria Penske-Donohue seguisse adiante em 1973. E o revide seria ainda pior para os adversários. Com farta verba da Sunoco e apoio incondicional da Porsche+Audi, a Penske teve à disposição o brutal 917/30, um dos carros mais potentes da história do automobilismo, com alegados 1.100 HP, que o piloto tinha à disposição acionando um booster no cockpit. A língua afiada de Mark entrou de novo em ação. “Só terei potência suficiente se não conseguir rodar ao final de cada reta, em alta velocidade”.

O puxão de orelha nos engenheiros deu resultado: Donohue tornou-se o “Matador” da Can-Am, vencendo praticamente todas as provas – menos uma – da série estadunidense em 1973. Contudo, mudanças no consumo de combustível dos carros graças ao embargo do petróleo árabe na crise mundial naquela época acabaram por minar a força da categoria. Porsche e McLaren caíram fora, as provas perderam o interesse, a categoria esvaziou e nunca mais foi a mesma.

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Campeão até no IROC, com um Porsche RSR

“Captain Nice” aproveitou a deixa e, com um Porsche menos brabo, desta vez um Carrera RSR, venceu a série International Race of Champions (IROC) triunfando duas vezes em Riverside e outra em Daytona. O piloto bateu monstros sagrados como Richard Petty, AJ Foyt, Gordon Johncock, Bobby Allison, David Pearson, Denny Hulme e o brasileiro Emerson Fittipaldi.

Àquela altura, em tom de galhofa, o piloto passou a ser chamado “Dark Monohue”, numa troca bem-humorada das iniciais de seu nome e sobrenome. Ao fim de 1973, ele chegou a anunciar sua aposentadoria das pistas, motivado pela tragédia na Indy 500 que custou a vida do piloto Swede Savage. Mas não demorou um ano e ele foi demovido da ideia: é que Roger Penske finalmente chegava à Fórmula 1. Como construtor.

A Penske precisava de um piloto experiente e Donohue, velho amigo e conhecido, era a melhor opção para o time novato. O projeto de Geoff Ferris, batizado de PC1, era uma cópia quase escarrada do McLaren M23 de Gordon Coppuck. Mas não era competitivo: Mark reestreou com um 12º lugar no GP do Canadá, em Mosport, abandonando em Watkins Glen com uma falha de suspensão.

A bordo do Penske PC1 em 1975; o piloto foi 5º colocado no GP da Suécia

A pouca competitividade do PC1 incomodava o piloto. No início da temporada de 1975, ele conseguiu um 7º posto na Argentina e foi oitavo na África do Sul. Após uma sequência irregular de desempenhos, mesmo com a conquista dos dois primeiros pontos no GP da Suécia, a equipe abandonou seu próprio projeto e Roger Penske encomendou à March um chassi do modelo 751.

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Com o March 751, rebatizado Penske PC2, o piloto foi 5º no GP da Inglaterra, em Silverstone

O carro ganhou algumas evoluções e informalmente passou a ser chamado de Penske PC2. A estreia ocorreu no chuvoso GP da Inglaterra em Silverstone, no qual o piloto estadunidense completou de novo em quinto. Apesar dos percalços enfrentados na Alemanha, com a quebra da suspensão do carro, o piloto chegou a Zeltweg, local do GP da Áustria, com muito otimismo.

Naquela mesma semana, Mark quebrara um recorde: no circuito de Talladega, no Alabama, ele conseguiu a média de 221.120 mph (355,858 km/h) com o velho Porsche 917/30, estabelecendo o recorde mundial em circuito fechado. Recorde este que só seria batido muito tempo depois por outro piloto da Penske: Rick Mears.

Donohue foi para os treinos da 11ª corrida do Mundial de Fórmula 1 em 1975 com o objetivo de conquistar como sempre um bom resultado, dentro do que o Penske PC2 poderia lhe proporcionar. A qualificação não foi muito feliz: o piloto obteve o 21º tempo, pior inclusive que o Copersucar-Fittipaldi guiado por Wilsinho, irmão de Emerson.

No warm up, realizado quatro horas antes da prova, chovia. A pista de Zeltweg era muito veloz, com médias superiores a 210 km/h e tinha pontos em que os pilotos vinham de pé embaixo. Num deles, a cerca de 250 km/h, Mark Donohue foi vítima de um furo num dos pneus Goodyear de seu PC2, provocando um acidente na veloz curva Hella-Licht, após os boxes.

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O piloto despencou barranco abaixo com seu bólido e matou um fiscal de pista, varando as cercas de proteção. Apesar da gravidade do acidente, Mark saiu andando dos destroços e, como é praxe nestes acontecimentos, foi conduzido a um helicóptero para a realização de exames mais detalhados num hospital mais bem equipado nas proximidades do circuito.

Contudo, faltava pressurização suficiente na aeronave e o voo foi feito numa altitude muito baixa, o que terá piorado o estado de saúde de Donohue, que se queixara de dores de cabeça. Constatou-se depois que um dos postes que segurava as cercas de proteção bateu em seu capacete com muita violência

Os exames diagnosticaram o pior quadro possível: Mark tinha hemorragia cerebral. Por isso, as dores de cabeça e os vômitos no caminho a um hospital em Graz. O piloto imediatamente entrou em estado de coma. E não mais sairia dessa situação, falecendo na noite de terça-feira, 19 de agosto de 1975. Donohue tinha 37 anos.

O acidente foi um baque tremendo nas ambições da Penske, que deu sequência ao trabalho no ano seguinte, com John Watson. Mas a perda de outro amigo, Heinz Höfer, o administrador do time, acabou por enterrar o projeto do Team Penske na Fórmula 1.

Liderada pela viúva Eden Donohue, a família do piloto entrou com uma ação na justiça culpando a Goodyear pela morte de Mark. Foi uma longa batalha nos tribunais, que durou anos. Mas em 10 de abril de 1986, o tribunal de Providence, no estado de Rhode Island, deu ganho de causa à família. A sentença foi uma gorda indenização para Eden e os dois filhos do piloto: US$ 9,6 milhões.

Um dos filhos de Mark, inclusive, seguiu a carreira automobilística. Nascido em 1967, David Donohue disputou por quatro vezes as 24 Horas de Le Mans, vencendo na divisão LMGT2 em 1998 com um Dodge Viper GTS-R, ao lado dos parceiros Justin Bell e Luca Drudi. Ganhou também as 24 Horas de Daytona, quatro décadas após o triunfo do pai, com a lendária equipe Brumos, derrotando junto aos parceiros Antonio Garcia, Darren Law e Buddy Rice o carro da Chip Ganassi Racing, que tinha entre seus pilotos o colombiano Juan Pablo Montoya. A diferença? 0″167 de segundo…

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As estatísticas, pelo menos na Fórmula 1, dizem muito pouco sobre o que foi Mark Donohue em quase 40 anos de vida. O piloto de 14 GPs disputados, com oito pontos somados e um pódio foi, sem dúvida nenhuma, muito maior e melhor do que os números supunham.

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