Equipes históricas – Copersucar-Fittipaldi, parte III

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Cores vivas no FD04: o prata deu vez ao amarelo

RIO DE JANEIRO – Para o terceiro ano de existência da Copersucar-Fittipaldi na Fórmula 1, a equipe brasileira tinha pelo menos uma novidade. A cor prata das primeiras duas temporadas foi substituída pelo amarelo, teoricamente a cor oficial do Brasil no automobilismo. No mais, a decoração do beija-flor estilizado estava mantida e, pelo menos no início da temporada, seria utilizado o FD04 enquanto o novo carro não ficava pronto.

O novo projeto ficou sob a responsabilidade de um estrangeiro, o que queria dizer que Ricardo Divila não seria mais o responsável direto pela concepção dos carros do time dali em diante – a princípio, pois o engenheiro brasileiro ainda seria muito útil para o time com sugestões. O britânico David Baldwin, responsável pelo surgimento do Ensign N176, foi chamado por Wilsinho e Emerson Fittipaldi para dar luz ao futuro carro da Copersucar.

A temporada começaria em 9 de janeiro de 1977 com o GP da Argentina, ausente do calendário no ano anterior, sob um sol de rachar catedrais em Buenos Aires. Depois de muito tempo, Ingo Hoffmann voltava a figurar numa lista de inscritos com o FD04 #29. Outra novidade era a troca do número do carro de Emerson Fittipaldi. Ao invés do #30, o bicampeão passaria a acelerar o FD04 #28.

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Três pontos na prova de abertura, o GP da Argentina: a temporada de 1977 começava bem para a Copersucar

Nos treinos, com 21 inscritos, Emerson pegou o 16º lugar e Ingo o décimo-nono. Enquanto a corrida do “Alemão” acabava cedo, com um motor quebrado, na 22ª volta, Fittipaldi foi bem mais feliz. Beneficiado por um sem-número de abandonos (sete pilotos apenas viram a quadriculada) e por seu excelente preparo físico, o Rato conseguiu um improvável quarto lugar, a 55″48 do vencedor, o surpreendente Jody Scheckter, na estreia do Wolf WR1, projeto de Harvey Postlethwaite para a nova equipe chefiada por Peter Warr. Dois nomes que fariam ainda parte do futuro da equipe brasileira, como vocês verão brevemente.

Com o bom resultado na abertura do Mundial, as esperanças dos torcedores brasileiros se renovaram. Não obstante, José Carlos Pace, com a Brabham Alfa, quase vencera na estreia, mas acabou em 2º após perder quatro quilos dentro de seu carro, derrubado por uma virose. O clima era de euforia: Moco fez o quinto tempo nos treinos, com Emerson de novo em 16º, Ingo mais uma vez em décimo-nono e havia ainda Alex Dias Ribeiro, largando em penúltimo com o March 761.

Interlagos delirou com a feroz largada do saudoso Moco, que passou à ponta. Emerson pulou para 13º e logo depois para 12º, à frente até de Niki Lauda, que partira pessimamente. Ingo Hoffmann começou em décimo-oitavo e melhorou uma posição, trazendo logo depois Alex Dias Ribeiro.

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Com o FD04, Emerson Fittipaldi conseguiu terminar duas vezes seguidas em 4º lugar

A liderança de Moco durou pouco e depois de uma reação feroz, com direito a uma rodada, ele abandonaria na 33ª volta. Aquele foi o GP do Brasil em que o novo asfalto da curva 3 começou a se soltar com o calor, provocando diversas rodadas e saídas de pista. Emerson, já entre os seis primeiros desde a 22ª passagem, correu com a categoria de sempre e foi beneficiado com a saída do galês Tom Pryce, que vinha em segundo, para chegar de novo em 4º lugar. O bicampeão dividia o 3º lugar do campeonato com 6 pontos, justamente empatado com o Moco e com James Hunt e atrás de Carlos Reutemann, vencedor em Interlagos e de Jody Scheckter, o ganhador na Argentina.

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Um pneu esvaziado tirou de Ingo Hoffmann a chance do primeiro ponto na F-1

Ingo Hoffmann poderia ter somado seu primeiro ponto na Fórmula 1 se um pneu de seu FD04 não tivesse esvaziado, o que permitiu a ultrapassagem do novato italiano Renzo Zorzi, que assim fez jus ao ponto do 6º lugar. O piloto, que participara de uma frustrante temporada de F-2 em 1976, agradeceu mais uma oportunidade dada pelos irmãos Fittipaldi e foi em frente na carreira: com o patrocínio do Bitter Safari e da lanchonete Jota’s, assinou com Ron Dennis para integrar a equipe Project Four na categoria de acesso à F-1, com chassis Ralt e motor BMW, ao lado do estadunidense Eddie Cheever.

A Copersucar não tinha mais planos de inscrever dois carros no resto do ano, para concentrar os esforços de finalização do novo bólido. Entrementes, a comitiva da categoria desembarcou em Johanesburgo para a terceira prova do campeonato de 1977, o GP da África do Sul, em Kyalami. Nos treinos, Emerson surpreendeu-se com a boa performance do FD04 numa pista em que o carro não fora competitivo um ano antes: ficou a 0″68 da pole de James Hunt e obteve o nono tempo num grid com 23 pilotos. O brasileiro fez uma boa corrida, mas acabou mesmo em décimo. A festa da vitória de Niki Lauda, a primeira após o grave acidente sofrido em Nürburgring, foi ensombrada pela morte brutal de Tom Pryce, que atropelara um fiscal na reta dos boxes e foi atingido pelo extintor de incêndio que Jensen Reed Van Wuuren carregava.

O show não podia parar e a temporada seguiu com o GP dos EUA-Oeste em Long Beach, outro evento envolto em profunda tristeza. Em 18 de março, José Carlos Pace perdeu a vida num acidente aéreo, ocorrido no intervalo entre a prova sul-africana e a Corrida dos Campeões, de que participaria. A partir da quarta etapa, Moco foi substituído pelo alemão Hans-Joachim Stuck.

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Otimista com as boas performances do FD04, o Rato foi 5º no GP dos EUA-Oeste, em Long Beach

No GP dos EUA, foram admitidos 22 carros ao invés dos 20 do ano anterior e Emerson, que fizera o primeiro ponto da Copersucar em Long Beach, na prova de estreia do circuito da Califórnia, estava bastante contente com o desempenho do carro, bem balanceado e equilibrado num circuito de rua muito exigente, de freadas fortes, curvas de 90º e muros muito próximos.

O Rato cravou o sétimo tempo a 0″752 da pole de Niki Lauda e fez uma corrida muito boa, oscilando no início entre o 6º e 7º lugares. Emerson lutou muito com Alan Jones, que substituía Tom Pryce na Shadow e quando o australiano teve problemas na metade da disputa, fixou-se na zona de pontuação. Com o inesperado abandono de Jacques Laffite a duas voltas do fim, o brasileiro somou mais dois pontos com a quinta posição. Com oito somados em quatro corridas, Emerson estava em 6º no Mundial de Pilotos e a Copersucar-Fittipaldi ocupava um surpreendente quinto posto no Mundial de Construtores.

Isto tudo fazia a equipe ficar mais e mais otimista – e não era para menos. “Se com o FD04 estamos indo bem, o F5 deverá ser melhor ainda”, alardeava Fittipaldi. Os últimos preparativos de construção do carro no Brasil estavam bem encaminhados e o primeiro teste seria feito em Interlagos, com Wilsinho Fittipaldi matando o tesão de guiar novamente um Fórmula 1, antes da estreia, marcada para o GP da Bélgica, em Zolder.

Cabe lembrar que, apesar das boas performances da equipe brasileira no início do ano de 1977, a Rede Globo optou por não tramsitir a prova de Long Beach, ocupando o horário da corrida, com largada às 18h de Brasília, com os programas 8 ou 800 (apresentado por Paulo Gracindo) e Os Trapalhões. Mexer na grade, que é bom…

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Emerson chegou em 13º no GP da Espanha e abandonou em Mônaco

Enquanto isso, o FD04 ainda teria mais dois desafios por cumprir: as provas da Espanha e de Mônaco, nas ruas de Monte-Carlo. Na pista de Jarama, o FD04 não andou bem e Emerson classificou-se em 19º, largando uma posição à frente com o forfait de Niki Lauda, que não alinhou em virtude de problemas físicos. O brasileiro alcançou o 13º lugar, mas depois caiu para último na 32ª volta e por lá ficou. Terminou a disputa em 14º, cinco voltas atrás do vencedor, Mario Andretti – no segundo triunfo consecutivo do novo Lotus 78, um carro que marcaria a mudança radical de conceito que a Fórmula 1 enfrentaria nos anos seguintes.

Em Mônaco, o Rato não conseguiu brilhar como no ano anterior, quando marcara o sétimo tempo nos treinos de classificação. Acabou num modesto 18º na definição do grid e sua corrida acabou após 37 voltas, alijado da disputa por problemas mecânicos. Nisto, o novo Copersucar-Fittipaldi F5 já estava prontinho para estrear após um teste feito por Wilsinho em Interlagos. Sem qualquer tipo de problema detectado, o carro foi embarcado para a Inglaterra e de lá seguiu viagem para Zolder, onde seria o GP da Bélgica.

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“Copersign”: os críticos mais ácidos do time não pouparam o novo F5 da semelhança com o Ensign projetado por David Baldwin

Ao chegar no palco da 7ª etapa do campeonato, foi impossível não observar que o novo carro do time brasileiro tinha semelhanças incríveis com o Ensign N177 no desenho e concepção. Simplesmente David Baldwin fizera quase uma cópia de sua criação para o time de Morris Nunn no ano anterior e as más línguas não tardaram em chamar o Copersucar F5 de Copersign.

Emerson conheceu o carro nos treinos livres e obteve um razoável 16º lugar no grid para o GP da Bélgica. Apesar da pista molhada na hora da largada, o bicampeão partiu bem e pulou para 13º. Quando tudo parecia perfeito, o F5 simplesmente morreu na terceira volta, sem aviso prévio. Fittipaldi foi obrigado a abandonar numa corrida que poderia ter sido boa para o novo bólido e para a equipe. Cabe lembrar que Alan Jones, largando logo atrás de Emerson no grid, chegou em quinto ao fim da disputa, ganha de forma brilhante pelo sueco Gunnar Nilsson.

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Uma batida durante os treinos impediu a participação do F5 no GP da Suécia; Emerson precisou correr com o FD04

A corrida seguinte seria o GP da Suécia, em Anderstorp. Nos treinos, Emerson sofreu um sério acidente e o carro foi destruído. Era o único chassi do F5 pronto e por isso, a equipe teve que lançar mão do FD04, então inscrito como o carro-reserva. Sem perspectivas de competitividade, o brasileiro largou em 18º e, com diversos problemas enfrentados ao longo da disputa, terminou justamente em décimo-oitavo, seis voltas atrás de Jacques Laffite, que vencia pela primeira vez uma prova de Fórmula 1. Ninguém no Brasil acompanhou a corrida ao vivo e, no fundo, foi melhor assim: ao invés do GP da Suécia, foram programados desenhos animados e o inefável Concertos Para a Juventude.

Nesta altura, a relação entre os Fittipaldi e David Baldwin também já não andava às mil maravilhas e a equipe resolveu apostar em um novo engenheiro: Shabab Ahmed, um estadunidense filho de paquistaneses – que, em virtude de seu nome pouco ortodoxo, foi apelidado pelos brasileiros de “XisXis” – foi chamado para ajudar o F5 a melhorar seu desempenho.

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Último no grid para o GP da França, Emerson foi 11º com falta de combustível. Os mecânicos erraram o cálculo no abastecimento…

A colaboração de “XisXis” com a Copersucar-Fittipaldi não resultou muito no GP da França, mais uma vez realizado em Dijon-Prenois. Emerson marcou o tempo de 1’14″45 e pela primeira vez na carreira, amargou a última posição no grid que tinha 22 carros. Na corrida, o bicampeão conseguiu alcançar a oitava posição – só que ficou sem combustível por conta de um erro de cálculo dos mecânicos da equipe. Acabou em 11º.

Em Silverstone, aconteceu o GP da Inglaterra, que marcaria a estreia do Renault RS01 Turbo nas mãos de Jean-Pierre Jabouille. E não foi fácil para o Rato conseguir um lugar no grid. Só com o vácuo do McLaren de James Hunt ele obteve o 22º tempo do grid, com 1’20″20. E mesmo após Hunt sair de sua frente, o brasileiro ainda virou um tempo muito próximo. “Não consigo entender o que se passa com esse carro”, comentou o piloto.

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Novo abandono do F5, desta vez no GP da Inglaterra: foi o motor que deixou o bicampeão na mão

Frustrado, Emerson chegou até a largar melhor que o novo Renault Turbo, mas não demorou mais do que uma volta à frente de Jabouille. Ganhou posições com a habitual paciência, mas o carro, longe de ser competitivo, ainda conseguiu acompanhar o ritmo do próprio Renault, do ATS de Jean-Pierre Jarier e da Shadow de Riccardo Patrese. Emerson vinha em 13º atrás do ATS, quando o motor do F5 se entregou e ele teve que desistir.

O GP da Alemanha, em Hockenheim, foi mais frustrante ainda para Emerson e para a Copersucar. Mesmo com uma nova geometria de suspensão dianteira e traseira e um novo aerofólio traseiro, o F5 começou mal os treinos em virtude de uma falha no motor instalado no carro, que estava atingindo 10.700 rpm e deixava o bólido bem rápido em reta. Até o FD04 reapareceu de novo, mas os resultados não foram bons. Com um novo motor, o F5 voltou aos treinos, mas Emerson queixava-se de um comportamento inconstante. “Numa mesma curva, saía ora de frente, ora de traseira”.

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Por mais que se esforçasse, com todo o talento de bicampeão do mundo, Emerson não impediu a desclassficação do F5 no GP da Alemanha

Mesmo com todas as alterações possíveis de molas, ajustes de suspensão, aerodinâmica e pneus trocados – inclusive de forma equivocada, com perfis côncavo para o dianteiro esquerdo e convexo para o direito, Fittipaldi não conseguiu melhorar seus tempos e pela segunda vez na carreira ficou fora de uma corrida de Fórmula 1. O piloto desabafaria, nos boxes.

“A Copersucar vai continuar. E eu estarei com ela, haja o que houver. Vou até o fim. Aceitei o desafio de fazer o nosso carro competitivo. Outras equipes como a BRM e a Surtees têm os mesmos problemas e nem por isso estão tão desacreditadas quanto nós.”

No GP da Áustria, vencido por Alan Jones de forma surpreendente com o Shadow DN8, Emerson conseguiu se classificar na 23ª posição do grid. E ainda conseguiu um razoável décimo-primeiro. A inconstância dos desempenhos do F5 seria evidenciada pelo resultado do GP da Holanda: 17º no grid, o bicampeão chegou em quarto lugar – só Deus sabe como.

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Inconstante: fora na Alemanha, 11º na Áustria, quarto na Holanda, fora na Itália. “Não consigo entender esse carro”, dizia Emerson

“O 4º lugar que conseguimos foi um excelente resultado. Mas que só foi conquistado graças aos problemas dos outros pilotos. Também tive muitos problemas, principalmente de falta de estabilidade nas curvas de alta velocidade e principalmente de perda de potência no motor”, explicou Emerson, avisado pela Nicholson-McLaren que o motor não era bom e não daria para acompanhar os outros Cosworth. Foi mais um resultado conquistado face sua imensa categoria de grande campeã e não pelo potencial do F5, cada vez mais posto em dúvida.

Enquanto a equipe começava a pensar no futuro, projetando o que viria em 1978, outro desapontamento veio em Monza, a mítica pista do primeiro título de Emerson, em 1972. Novamente às voltas com problemas de perda de potência e falta de equilíbrio do F5, Fittipaldi ficou a ver navios novamente: foi o 26º colocado nos treinos, atrás até do March 761 de Alex Dias Ribeiro. De nada adiantaram os pedidos dos brasileiros junto aos organizadores para a inclusão dos primeiros reservas no grid: o GP da Itália largaria com 24 carros e nada mais.

Pensando já no campeonato de 1978, os Fittipaldi encerraram a participação da equipe nos GPs dos EUA-Leste e Canadá; o time ficou em 9º no Mundial de Construtores e Emerson em 12º entre os pilotos

O fim melancólico da temporada da Copersucar-Fittipaldi estava próximo. No GP dos EUA-Leste, em Watkins Glen (também não exibido pela Rede Globo), o bicampeão largou em 18º e acabou em 13º. A última corrida do F5 foi o GP do Canadá, que mais uma vez a emissora detentora dos direitos de transmissão não exibiu, optando pelo seriado Mulher Maravilha e pelo humorístico Praça da Alegria. Emerson largou em décimo-nono e seu motor expirou na 30ª volta.

A decisão da equipe em não embarcar com os equipamentos para a última etapa no Japão, com o campeonato já decidido em favor de Niki Lauda, apenas antecipou a decisão de tentar salvar o Copersucar-Fittipaldi F5 aproveitando o que o carro tivesse de positivo. No bojo, foi uma temporada sem dúvida melhor que a de 1976, em que Emerson terminou em 12º no Mundial de Pilotos com onze pontos e a equipe brasileira ficou em nono, um ponto à frente da Ensign e melhor também que a Surtees e a ATS.

No próximo post, vocês saberão o que aconteceu na melhor temporada da história do time: 1978.

Comentários

  • Grande Rodrigo, boa tarde!

    Simplesmente sensacionais os teus posts sobre a Copersucar. É para ler devagar e com calma, uma viagem ao passado. Numa fantasia “maluca”, a equipe dos irmãos Fittipaldi teria pontuado de forma consistente com o atual sistema de pontos.

    Obrigado e forte ABRAÇO!

  • Já naquela época era costume dar bolo no telespectador do automobilismo. A Fittipaldi indo bem no começo da temporada e nada de apoio por aqui.