Equipes históricas – Copersucar-Fittipaldi, parte V

Emerson _ F6_02
O Copersucar F6, projeto de Ralph Bellamy, pronto para o primeiro teste em Interlagos. Ricardo Divila está na foto, à direita, agachado diante do carro

RIO DE JANEIRO – O título mundial conquistado por Mario Andretti e pela Lotus na temporada de 1978 indicavam o caminho a ser seguido pelas equipes da Fórmula 1. Chassis privilegiando o chamado efeito-solo, no qual as laterais dos bólidos funcionavam com o efeito de asa de avião invertida, provocando um incremento de aerodinâmica e aumentando de forma espantosa a velocidade dos carros em curva.

Essa premissa também norteou os sonhos dos irmãos Fittipaldi, que projetavam para 1979 um ano muito melhor que o anterior. Os resultados com o F5A tinham sido muito bons e o time experimentara um avanço e uma evolução com a qual nunca havia sonhado. O voo para a quinta temporada da história do time patrocinado pela Copersucar prometia ser ambicioso.

Tão ambicioso quanto o carro que Ralph Bellamy desenhou para o time brasileiro. Apresentado ainda antes do término do ano de 1978, o novo Copersucar-Fittipaldi F6 tinha o chamado bico “Concorde”, side-pods menores e uma aerodinâmica que se dizia refinada e revolucionária. Um carro “dois anos à frente”, palavras do designer Ralph Bellamy. Wilsinho e Emerson investiram tudo o que tinham e o que não tinham no projeto. Eles acreditavam que finalmente a Copersucar atingiria o patamar de equipe grande na Fórmula 1.

O primeiro teste do carro, em 8 de dezembro, se encarregaria de mostrar justamente o contrário.

Emerson era todo sorrisos e parecia bem confiante quando saiu para as primeiras voltas do F6 no Autódromo de Interlagos. Combinou com Wilsinho que faria um aquecimento pelo anel externo e depois daria de duas a três voltas para depois compartilhar as primeiras impressões.

copersucar-f6-interlagos-1979
Não demorou muito para que Emerson percebesse o quão problemático era o novo carro

O F6 tinha uma característica única: seus escapamentos eram virados para a frente do carro e saíam pelas laterais, o que provocava um som no mínimo insólito, do qual Emerson não gostava porque não estava acostumado a isso. Logo de cara, quem acompanhou as primeiras voltas viu que havia algo muito errado com o novo carro. Emerson praticamente “toureava” o F6 feito um cavalo bravo. Parecia guiar um kart de quase 500 HP de potência pelos quase 8 km do lendário circuito paulistano. Quem sabe dessa história toda é o “Cuca”, apelido de Mário Marcio Souto Maior, que contou tudo ao Rui Amaral, que publicou isso tudo no blog dele.

O bicampeão deu duas voltas e parou nos boxes. Fez um gesto na direção de Ralph Bellamy, como que dizendo ‘vem cá’.

“Tem algo de muito errado com esse carro”, disse Fittipaldi. “Ele não faz curvas. Quase me jogou para o muro da curva 1 na primeira volta”, reclamou.

“Você não está acostumado ao carro-asa”, comentou Bellamy.

Teria sido melhor que o designer ficasse calado. Emerson deixou o cockpit do F6 e dirigiu-se ao engenheiro. Mão no ombro do projetista, dedo em riste, recebeu uma resposta atravessada.

“Nunca mais diga que eu não sei pilotar um Fórmula 1. Respeite ao menos o meu bicampeonato.”

Wilsinho, temperamental como sempre, quase partiu para a porrada com Bellamy e Emerson, político, contemporizou. Logo depois, ainda trabalhando para o jornal O Estado de S. Paulo, mas dividindo as funções de repórter na publicação da família Mesquita com o emprego de repórter e comentarista na Rede Globo, Reginaldo Leme aproximou-se para entrevistar Emerson, que não pôde dizer muita coisa. E nem podia.

“Foi só um teste para ver se estava tudo bem com o carro. Eu não conheço o carro, o carro também não me conhece. Mas vamos ver, vamos tentar”, disse.

Quem conseguiu ouvir a conversa que se seguiu à curta entrevista, garante que o bicampeão estava assustado com a primeira experiência a bordo do Copersucar-Fittipaldi F6.

“O carro não anda. E não vai andar nunca. Jogamos três milhões de dólares no lixo. O carro parece uma banana amassada, de tanto que torce quando tenta fazer curva”.

O teste foi encerrado e, à noite, secretamente, Wilsinho mandou Ricardo Divila conferir se Emerson estava certo. E de fato, o bicampeão tinha razão: o F6 tinha uma rigidez torcional abaixo do necessário para fazer curvas. Parecia mesmo uma banana amassada de tão mole.

Os irmãos Fittipaldi não se conformaram e cobraram explicações de Bellamy, que durante uma reunião perdeu a cabeça e a compostura. “Vocês não entendem nada! Essa merda tem que andar!”, exclamou, dando murros numa mesa. “Pela primeira vez em cinco anos eu tive vontade de fechar a fábrica e largar tudo”, contou Wilsinho.

Aliás, registre-se que Bellamy, contratado para este projeto da Copersucar-Fittipaldi, não era o desenhista principal da Lotus, para quem trabalhava anteriormente. Era apenas um dos muitos engenheiros que trabalhavam sob o olhar clínico de Colin Chapman. Isso só foi descoberto depois. E ao ter carta branca para fazer sozinho um carro tido como “revolucionário”, o inglês perdeu-se totalmente.

Foi dado um prazo de no máximo seis meses para a salvação do F6, a equipe tinha um campeonato por começar e o Mundial de 1979 deu a largada no GP da Argentina em Buenos Aires, dia 21 de janeiro. Nem todos os times tinham seguido a tendência dos Lotus, mas Ligier e Tyrrell já tinham carros-asa rápidos e relativamente competitivos. Portanto, não foi surpresa a vitória dominante de Jacques Laffite a bordo do novíssimo JS11 da equipe de Guy Ligier. Emerson Fittipaldi até que não foi mal a bordo do bom e velho Copersucar-Fittipaldi F5A: largou em 11º e chegou em sexto, muito próximo do quinto colocado, incrivelmente o campeão do ano anterior, Mario Andretti.

1979-2crop Sérgio Sade
Com o bom e velho F5A, até que Emerson andou bem no GP do Brasil, enquanto pôde

O paliativo foi continuar a temporada com o carro velho enquanto o novo não fosse suficientemente testado para estrear. E de novo o F5A seria usado no GP do Brasil, em 4 de fevereiro. Motivado para mostrar que ainda era o grande bicampeão do mundo dos tempos de Lotus e McLaren, Emerson andou bem nos treinos e fez o 9º tempo. Largou de forma excelente, passando em sexto na primeira volta e depois andando em quarto. Até precisar parar nos boxes para trocar pneus na 22ª passagem. Voltou em 13º e nunca mais recuperou posições para pontuar de novo. Acabou a corrida num distante décimo-primeiro lugar.

3616 (800×413)
A única corrida do F6 tal como foi construído foi em Kyalami, no GP da África do Sul. Emerson largou em 18º e terminou em 13º

Aí a equipe fez um último esforço e decidiu levar o F6 para a 3ª etapa em Kyalami, na África do Sul. Emerson não conseguiu extrair nada de positivo do carro e ficou num apagado 18º lugar do grid. A corrida foi uma tragédia: o bicampeão caiu para penúltimo quando um toró alagou a pista e a direção de prova deu bandeira vermelha, na quarta volta.

No reinício, Emerson continuou pouco competitivo no molhado. A pista rapidamente secou, o piloto chegou a andar em 15º, mas o rendimento do novo Copersucar era sofrível. Fittipaldi acabaria superado até pelo mexicano Hector Rebaque, que andava num Lotus 79 particular. Levou quatro voltas nas costas e acabou em 13º lugar.

Como o F6 não apresentasse um rendimento aceitável, no que ocasionou o afastamento de Bellamy da equipe no correr do ano, o jeito foi retornar ao F5A enquanto não houvesse uma solução plausível. Emerson largou em 16º para a quarta etapa, o GP dos EUA-Oeste, em Long Beach, onde a grande atração foi a estreia de um modelo de capacete da estadunidense Simpson, que o bicampeão usou. A corrida acabou após 20 voltas: a transmissão do carro quebrou.

gp_espanha_1979_002
O F6 apareceu também no GP da Espanha, em Jarama, mas seu desempenho ruim limitou a participação do carro aos treinos livres

Mais e mais defasado em relação aos modelos de carro-asa das demais equipes, cada vez mais competitivos, o F5A só andava para trás. No GP da Espanha, por exemplo, Emerson qualificou-se em 19º e pelo menos chegou ao final, em décimo-primeiro, uma volta atrasado. Em Zolder, no GP da Bélgica, foi ainda pior: o brasileiro ficou com a penúltima posição do grid, a mais de quatro segundos da pole position. Só a experiência de bicampeão do mundo poderia permitir ao piloto terminar a corrida, o que ele fez. Chegou em 9º, a duas voltas da Ferrari de Jody Scheckter.

Uma chance razoável de mostrar alguma coisa com o F5A aconteceu em Monte-Carlo, o tipo de pista que equilibrava ainda o desempenho dos pilotos e o talento ainda falava alguma coisa. Emerson até andou bem nos treinos livres, teve direito a pneus macios da Goodyear, mas foi prejudicado em sua volta rápida e só largou em 17º. Desistiu por quebra de motor.

Enquanto isso, no Brasil, rumores davam conta que a Copersucar, insatisfeita com os resultados alcançados e com o fracasso de mais um carro, parecia disposta a não renovar seu contrato de patrocínio para a temporada de 1980. Jorge Wolney Atalla, até então presidente da cooperativa, corria sério risco de perder o cargo e se ele saísse, dificilmente o apoio seria mantido.

O GP da Suécia, marcado para junho, foi cancelado, o que permitiu à equipe ter um pouco mais de tempo para conseguir salvar o F6. Com seis chassis encostados e um caminhão de peças próprias para o novo carro, quase todo o investimento iria para o lixo se não fosse a turma do Studio Fly aparecer de novo. Giacomo Caliri e Luigi Marmiliori, sempre com o auxílio de Ricardo Divila, procuraram resolver os problemas de falta de aderência e rigidez torcional do F6, colocando tubos de aço no interior do chassi. A aerodinâmica foi revista e o tão falado bico “Concorde” foi deixado de lado.

6032284436_8494fbdfbf_o
O GP da Inglaterra, em Silverstone, foi a última corrida do F5A

O F5A estava no seu limite e ainda assim reapareceu para o GP da França, em Dijon-Prenois. Emerson conseguiu o 18º tempo, melhor que os novos e revolucionários, porém ineficazes carros da Arrows, que estreava o modelo A2. A Fórmula 1 não perdoava projetos fracassados e o A2 juntou-se ao F6 e também ao Lotus 80, da campeã mundial de 1978, na lista dos “cheques sem fundo” da categoria naquele ano. Voltando à corrida, Emerson abandonou com problemas de motor quando estava em décimo-primeiro. Em Silverstone, o carro foi quase cinco segundos mais lento que a pole position do Renault Turbo de Jean-Pierre Jabouille em classificação. Era um claro sinal de que nada mais havia a se fazer com o velho carro, que fez então sua despedida oficial naquela oportunidade. Emerson largou em 22º e abandonou novamente por problemas mecânicos.

4423210374_5fb1ebbafe
Bicampeão, já perto dos 33 anos, Emerson era considerado um piloto em declínio na Fórmula 1, mas ainda era cobiçado por algumas equipes

Por tudo o que vinha acontecendo naquele ano de 1979, prestes a completar 33 anos, Emerson dava claros sinais de falta de motivação. Muito embora propostas milionárias pipocassem – e o brasileiro recusara correr para Frank Williams, que vencera sua primeira corrida com dinheiro dos árabes em Silverstone – a imprensa internacional não perdoava o ocaso do bicampeão. E muito menos os seus próprios compatriotas: a equipe caiu em descrédito definitivamente e os humoristas voltaram à carga com suas piadas, ainda mais jocosas e humilhantes.

Em Hockenheim, o F6A foi um fiasco: Emerson foi apenas o 22º nos treinos oficiais

O aparecimento do F6A ocorreu no GP da Alemanha, em Hockenheim. O treino classificatório foi um desastre: Emerson largou em 22º, por um triz ficando de fora da corrida, que para ele durou muito pouco. Após cinco voltas, uma pane elétrica o fez desistir. Em Zeltweg, uma das pistas mais velozes, o carro virou quase quatro segundos e meio pior que a pole position. Definitivamente, o F6A também era um caso perdido. A corrida terminou de forma prematura após Fittipaldi largar em 19º e abandonar com problemas de freios.

gp_italia_1979_002
Incrivelmente o F6A andou bem no GP da Itália e Emerson chegou em oitavo. Em ritmo de corrida, foi mais rápido que seu tempo na qualificação

Nova desilusão no GP da Holanda, com o carro largando de 21º e a corrida de Emerson resumindo-se a apenas duas voltas completadas a bordo do F6A, novamente indo à nocaute por causa de uma pane elétrica. E em Monza, no GP da Itália, por incrível que pareça o carro teve um desempenho no mínimo decente. Mesmo largando em 20º, Emerson fez uma boa apresentação. Em ritmo de corrida, acabou virando um tempo meio segundo mais rápido que o obtido nas sessões cronometradas. No fim das 50 voltas, vinha comboiando as Ferrari 312 T4 de Jody Scheckter e Gilles Villeneuve. Acabou em 8º lugar.

Nesse ínterim, a Copersucar tinha inscrito o seu velho F5A para uma prova extracampeonato em Imola, para a homologação do Circuito Dino Ferrari, perto de Bolonha. A equipe chamou Alex Dias Ribeiro para participar desta prova e o piloto, que estava sem competir desde a temporada anterior da Fórmula 2 europeia, sem patrocínio, agradou, deixando boa impressão em Peter McIntosh e David Luff. Como efeito, acabou chamado pela equipe para guiar um segundo F6A nas duas provas finais do campeonato, em Watkins Glen e Montreal.

O F6A ajudou a incinerar a carreira de Alex Dias Ribeiro como piloto de Fórmula 1

Foi um erro colossal da Copersucar, que acabou por queimar a carreira internacional de Alex. O piloto simplesmente não conseguiu virar tempo em nenhuma das duas pistas. No Canadá foi o penúltimo colocado entre 29 pilotos no treino oficial. Emerson classificou-se em 15º e foi de novo oitavo. Mas só nove carros receberam a quadriculada e o bicampeão chegou a cinco voltas do vencedor, Alan Jones. Em Glen, não só o carro de Alex estava péssimo: o do “patrão” também. Fittipaldi classificou-se em penúltimo no grid e ainda chegou na 7ª colocação, novamente a cinco voltas, desta vez de Gilles Villeneuve.

Saldo do campeonato de 1979: 21º e último lugar para Emerson Fittipaldi no Mundial de Pilotos com 1 ponto e décimo-segundo e último lugar para a Copersucar-Fittipaldi no Mundial de Construtores. O resumo da ópera não podia deixar de ser outro: Jorge Wolney Atalla foi destituído da presidência da Copersucar e a nova diretoria não renovou o contrato de patrocínio, obrigando os irmãos Fittipaldi a procurar novos parceiros. “O F6 foi a nossa cruz”, comentou Wilsinho, resignado.

Mas os brasileiros não desistiriam tão facilmente, apesar de terem atravessado o pior ano da história da equipe e também da carreira do bicampeão Emerson Fittipaldi: ainda no fim de 1979, iniciaram negociações para absorver uma equipe que começara forte sua trajetória e terminou por desaparecer de forma precoce. Os irmãos Fittipaldi entenderam que o melhor caminho para ter um pouco de paz e algum sucesso era construir seus carros fora do Brasil, na Inglaterra. A absorção da Wolf aceleraria este processo e marcaria uma nova fase na trajetória da equipe.

Assunto para o sexto post, é claro.

Comentários

  • O problema do F-6 a troca do honeycomb por chapa de alumínio, matéria que o Bellamy conhecia mais, só que não trocaram o rebites, então isso criava uma folga ao redor dos rebites , que cezilhavam. A explicação mais técnica o mestre Claudio Ceregatti pode detalhar.

  • O mais lógico seria a equipe ter trabalhado na evolução da base usada no F5A para 1979 e não começar de um projeto totalmente novo como fez, pagaram caro por isto pois a performance do F5A em 1978 mostrou para a equipe o caminho a ser seguido, uma pena realmente.

  • O caso foi o erro de tentar fazer carros revolucionários, como o FD-01 e o F6! Mesmo com o F5, do David Baldwin, houve esse papo de revolução. A resposta veio com o convencional F5-A, que foi o melhor carro que a equipe teve.
    Mas, o pior foi a pressão dá imprensa nacional, cobrando resultados e criticando duramente tudo o que era relacionado à equipe. Ora chamavam o carro de diabético, ora reclamavam de grana jogada fora, ou até do declínio do Emerson como piloto! No entanto, o resto do mundo não entendia e nem aceitava a falta de apoio ao Emerson. Foi o início do fim dá equipe…
    Mas, na minha opinião, foi o mais belo F1 feito até hoje! Uma escultura!