Equipes históricas – Tyrrell, parte II
RIO DE JANEIRO – O fim da parceria entre Ken Tyrrell e a Matra International precipitou uma nova situação para a temporada de 1970: decidido a se manter na Fórmula 1 (mesmo competindo contra os franceses), o britânico agiu rápido. Contratou o desenhista Derek Gardner e encomendou um projeto novo para a categoria, trancando-o em segredo numa saleta para que um carro com a grife Tyrrell saísse do papel para a pista. Mas Ken não queria perder o ano e para isso deveria se socorrer de outro modelo.
A solução veio através da March Engineering. Fundada por Graham Coaker, Robin Herd, Alan Rees e Max Mosley, a pequena fábrica de carros de competição teria um time oficial, mas como o regulamento da época era ainda bastante permissivo, a turma poderia ganhar uma boa grana vendendo carros para outras equipes. E foi justamente em Bicester que Ken Tyrrell foi bater à porta, comprando dois chassis do modelo 701, projetado por Robin Herd, para começar. Com eles, Jackie Stewart e Johnny Servoz-Gavin, seus contratados, iniciariam o campeonato enquanto o primeiro carro de fato da equipe não ficasse pronto.
A equipe passou a se chamar Tyrrell Racing Organisation. O March 701 do time britânico tinha motor Ford Cosworth DFV V8 e pneus Dunlop. Além deles, a BRM e a Frank Williams Racing Cars eram os outros clientes da marca, que concorria com Firestone e Goodyear, tornando a guerra dos pneus bastante interessante.
O campeonato de 1970 teve início em 7 de março com o GP da África do Sul, em Kyalami. Logo na estreia, a March conquistou a pole position – mas com Jackie Stewart ao invés de Chris Amon, no carro patrocinado pela STP. A equipe Tyrrell não marcaria pontos, mas a March sim. E foi o “Escocês Voador” quem deu os primeiros quatro pontos para o construtor britânico com o 3º lugar. Também seria dele a primeira vitória da marca na Fórmula 1, num tumultuado GP da Espanha, marcado por um brutal acidente com a BRM de Jackie Oliver e a Ferrari de Jacky Ickx que, ao se chocarem, explodiram em chamas. Felizmente, os pilotos só se chamuscaram.
Servoz-Gavin chegou em 5º lugar em Jarama e nos treinos do GP de Mônaco, sofreu um acidente que o impediu de continuar na luta por uma das 16 vagas do grid. E de súbito, o francês decidiu – aos 28 anos de idade, apenas – pôr um ponto final em sua curta carreira na Fórmula 1. Viveu recluso em Grenoble até morrer em 2006, em decorrência de problemas pulmonares.
A Elf, patrocinadora da Tyrrell, exigia um piloto francês para manter o patrocínio e Ken Tyrrell, com a saída repentina de Servoz-Gavin, viu-se obrigado a encontrar um substituto. Não foi difícil: François Cevert, outro jovem valor então com 26 anos e oriundo da Fórmula 2, dera muito trabalho a Jackie Stewart numa prova da categoria de acesso, disputada no extinto circuito de Crystal Palace – e nessa mesma corrida tomou parte um brasileiro chamado Emerson Fittipaldi. Jackie recomendou Cevert ao chefão e aí, já viu.
Somente Stewart disputou o GP da Bélgica, em Spa-Francorchamps, pela Tyrrell. Mas o segundo carro seria visto em Zandvoort, na Holanda. Enquanto o escocês chegava em segundo, atrás da Lotus 72 de Jochen Rindt, Cévert estreou com um abandono na 31ª volta, pouco depois do acidente fatal de Piers Courage. O rapaz de olhos claros fez uma corrida discreta até chegar ao 12º posto, antes da falha que o tirou da disputa.
O March 701 não era grande coisa se comparado, principalmente, com o Matra MS80 do ano anterior. Stewart sabia disso e a Elf também. Ambos pressionavam onde podiam para o novo carro ficar pronto antes do término do Mundial de 1970. Antes disso, em Clérmont-Ferrand, Jackie chegou apenas em nono e Cevert, uma volta atrás, em 11º. Em Brands Hatch, o francês seria sétimo, numa corrida em que um incêndio tirou o “Escocês Voador” de esquadro.
A temporada avançava e Stewart não saía dos 19 pontos, perdendo terreno principalmente em relação a Jochen Rindt, que liderava. E o austríaco ganhou pela quinta vez no ano em Hockenheim, palco pela primeira vez do GP da Alemanha. Stewart abandonou com o motor estourado e Cevert foi, de novo, o sétimo colocado. Na Áustria, revés duplo: o motor do carro do francês quebrou na primeira volta e Jackie desistiu com um problema no condutor de combustível, logo cedo.
Em meados de agosto, finalmente o novo carro – o primeiro com o nome Tyrrell – ficou pronto: o modelo 001 era muito diferente do March 701. Tinha aerofólios dianteiros integrados ao bico, a entrada de ar ficava na dianteira e as laterais eram proeminentes, para abrigar os tanques de combustível. A estreia foi marcada para a Gold Cup, evento extracampeonato, em Oulton Park.
A corrida serviu como um pequeno teste e Stewart, 5º colocado no grid, fez apenas a primeira bateria. Deu 19 voltas apenas. Mas o escocês gostou do carro e disse que havia muito potencial a se explorar. Enquanto isso, a Tyrrell decidiu fazer a última prova de Stewart com o March 701 em Monza, no GP da Itália, para não se expor a riscos inúteis.
Deu certo e Jackie Stewart chegou em 2º lugar, perdendo somente para a Ferrari de Clay Regazzoni, que vencia pela primeira vez na F-1. François Cevert marcou seu primeiro ponto na categoria, o que deixou a equipe animada para as três provas finais da temporada. O novato francês continuaria com o March no GP do Canadá, que marcaria a estreia oficial do Tyrrell 001.
O escocês não deixou por menos: fez a pole position com o novíssimo bólido e disparou na liderança durante as primeiras 31 voltas. Foi a vez da transmissão falhar e deixar o piloto a pé. Restou o consolo de uma promissora estreia. Cevert fez sua melhor apresentação no ano, chegando a andar em 4º até ter problemas e ficar para trás.
Em Watkins Glen, Stewart partiu de segundo logo para a liderança, em que permaneceu até a 82ª volta. A falta de confiabilidade do novo carro cobrou a conta novamente e o piloto foi obrigado a desistir em decorrência de um vazamento de óleo. Ainda com o 701, Cevert havia desistido por um defeito na suspensão. No México, Stewart atropelou nada menos que um cachorro, num acidente insólito e nem um pouco surpreendente, devido à invasão incontrolável da pista. Cevert abandonou na 8ª volta.
O saldo de um campeonato de transição até que não foi de todo ruim: Stewart completou a temporada em 5º lugar, empatado com Jack Brabham, somando 25 pontos. Cévert fez apenas um e ficou em 22º lugar. Os pontos de Jackie ajudaram a March a terminar em 3º no ano de estreia dela na Fórmula 1. Mas em 1971, a história seria muito diferente e aí quem brilharia intensamente seria a Tyrrell.
Assunto para o próximo post.
Rodrigo pode ser até uma pergunta ridícula mas esses carros do começo da decada de 70 já ultrapassavam a barreira dos 300km/h mesmo com motores de +-450hp?
Sim, pois havia muitos circuitos de alta, com longos trechos de pé embaixo.
Dependendo da pista, sim.
Rodrigo, apenas um adendo: O Tyrrel 001 é a MATRA MS-80 com pouquíssimas modificações mecânicas e alterações aerodinamicas na parte dianteira, mais nada.
Boa, Caíque!
Nunca tinha me atentado ao fato, mas são muito semelhantes!
Mais alguns adendos, se me permite, sempre com o intuito de ajudar, não criticar, ok!
Na África do Sul quem pontuou foi a Tyrrell e não a equipe de fábrica, como seu texto deixa entender. . .
Consta que Servoz-Gavin ficou com problemas permanentes de visão após a panca de Mônaco, daí seu abandono das pistas. Procede?
O bico dos 701 de Stewart e dos franceses por vezes eram diferentes, percebe-se claramente uma versão com os spoilers totalmente moveis e outra apenas com a aba traseira ajustável e o corpo principal do spoiler integrado ao restante do bico.
Essa última consequentemente é muito similar conceitualmente ao 001, que também apresentava entrada de ar dianteira e spoilers integrados, com apenas o flap traseiro regulável.
A lembrar que no 701 surgiu a primeira tentativa de se maximizar a aderência através de um perfil de asa invertido nas laterais, como percebe-se claramente na foto 1.
Abraço e no aguardo da sequência.
Zé Maria
Zé, a March pontuou com o Stewart, porque quem marcava pontos era o melhor carro de cada marca a cada prova.
Sobre o Servoz-Gavin, procede sim a história. Ele teria tido problemas permanentes de visão após a porrada em Monte-Carlo.
Rodrigo e Ze Maria
A alguns anos eu fiz uma pergunta sobre o Servoz Gavin ao Nigel Roebuck ele me contou a historia do Servoz Gavin. O problema de visão surgiu antes do inicio da temporada de 1970, a partir de um incidente bobo: fazendo trilha de moto, um galho de arvore atingiu seu rosto e feriu seu olho. Johnny tentou esconder o fato de que estava com problemas de visão dupla, na expectativa de que o problema regredisse e sua vista voltasse ao normal. Com o seu fraco inicio de temporada, por motivos obvios, após o acidente de Monaco, decidiu parar, mas não falou pra ninguém sobre o disturbio nos olhos, disse apenas que estava com medo….bem ao seu estilo.
Foi uma pena o incidente que lhe alterou a visão, pois o “garoto endiabrado da Matra”, nos tempos de F3 e F2, era rapidíssimo, tendo sido campeão nas duas categorias.. Tanto é que na sua estreia na F1, justo em Monaco, fez o segundo tempo dos treinos e liderou a corrida por 3 voltas, até bater….
Impressionante o quando Stewart era o coração da equipe. Devia dar no mínimo meio segundo a mais que qualquer outro piloto com os carros azuis.